Acórdão nº 7909/05.3TDLSB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Janeiro de 2010

Magistrado ResponsávelPAULO GUERRA
Data da Resolução20 de Janeiro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I - RELATÓRIO 1.

No Processo Comum Singular n.º 7909/05.3TDLSB do Juízo de Média Instância Criminal da comarca de Baixo Vouga (Ílhavo), recorre o Ministério Público e o assistente Instituto da Segurança Social, I.P do despacho da Mmª Juíza, datado de 16 de Setembro de 2009, que decidiu descriminalizar os factos imputados pelo MP, em sede de acusação pública, às arguidas CM..., Ldª e M... e não receber a acusação em causa, arquivando os autos.

  1. O Ministério Público, motivando o seu recurso, conclui (em transcrição): «1.

    O artigo 107.°, n.° 1, do R.G.I.T. define integralmente o tipo de abuso de confiança contra a Segurança Social e apenas remete para as penas previstas no artigo 105.°, n.ºs 1 e 5, do R.G.I.T., e não para os elementos do tipo ou condições de procedibilidade desse artigo 105°, n.ºs 1 e 5.

  2. O tipo legal de crime de abuso de confiança contra a Segurança Social encontra no n.° 1 do artigo 107.° do R.G.I.T. a completa descrição da matéria proibida e de todos os outros requisitos de que depende em concreto a punição que toma objectivamente determinável o comportamento proibido e objectivamente dirigível a conduta do cidadão, sem necessidade de recurso ao artigo 105º do R.G.I.T. para tal efeito.

  3. A alteração ao artigo 105.°, n.ºs 1 e 5 do R.G.I.T. introduzida pelo artigo 113.° da Lei n.° 64-A/2008, de 31.12, limita-se a introduzir um novo elemento objectivo ao tipo — limitando-o à não entrega de prestações tributárias “de valor superior a € 7500”.

  4. Assim, essa alteração não abrange o crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, que mantém a sua tipificação autónoma e integral na previsão do artigo 107.° do R.G.I.T..

  5. Impõe-se, assim, a revogação do despacho ora impugnado, proferido a fls 462 a 465, o qual, fundado no entendimento de que a sobredita alteração legislativa é aplicável ao crime de abuso de confiança contra a Segurança Social por cuja prática as arguidas foram acusadas no despacho proferido pelo Ministério Público a fls. 388 a 392, não recebeu esta acusação e determinou o arquivamento dos autos.

    Razões pelas quais, nestes termos e nos demais de direito deve o recurso ora interposto ser julgado procedente, revogando-se o despacho proferido a fls. 462 a 465 e determinando-se o recebimento da acusação proferida a fls. 388 a 392, com o consequente prosseguimento dos autos, assim se fazendo JUSTIÇA!».

  6. O assistente ISS, IP, motiva assim o seu recurso (em transcrição): «1.

    Vem o presente recurso interposto do douto despacho, proferida nos autos de processo comum com intervenção do tribunal singular, supra identificados, que declarou extinta a responsabilidade criminal que impendia sobre as arguidas e demandadas CM..., Ldª e M..., pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, previsto e punido pelo artigo 107.°, da Lei n.° 15/2001; 2. Considerou o Tribunal a quo que, por força das alterações introduzidas ao Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), por via do artigo 113.° da LOE de 2009, foram despenalizadas as condutas traduzidas na não entrega aos cofres da segurança social das quotizações retidas às remunerações pagas aos trabalhadores, cujo montante da prestação fosse de valor igual ou inferior a € 7500,00; 3. Não podemos acompanhar semelhante entendimento, na medida em que o tipo legal de crime de Abuso de Confiança contra a Segurança Social, e que se encontra tipificado no art. 107°, do RGIT, não foi alvo de modificação pela intervenção do legislador; 4. E nem tão pouco podemos admitir que o legislador tenha querido efectuar uma “equiparação de regimes” no que tange aos crimes de abuso de confiança fiscal e contra a segurança social, quando consagrou o artigo 113.° da LOE de 2009: a)- Desde logo, e tendo por base uma apreciação teleológica, constata-se tratarem-se de crimes autónomos que tutelam bem jurídicos diversos: por um lado o Crime de Abuso Fiscal visa tutelar um bem jurídico de natureza creditória (fiscal), já o Crime de Abuso contra a Segurança Social visa tutelar a sustentabilidade do Sistema de Segurança Social e a eventualidade prestacional. Daí que uma eventual descriminalização de condutas perpetradas contra os interesses da Segurança Social equivalha a atentar contra a sustentabilidade do próprio sistema e contra a ideia de justiça e solidariedade social; b)- Por outro lado, e se efectuarmos um excurso histórico e sistemático aos diplomas que contemplam estes dois tipos legais de crime, facilmente chegamos à conclusão que com as sucessivas alterações legislativas que foram sendo efectuadas neste domínio, ressalta a preocupação do legislador em reforçar a autonomia entre ambos. Na verdade, não só os bens jurídicos tutelados são diferentes, como também o são os sujeitos prevaricadores e as entidades lesadas; c)- Por fim, e de acordo com uma análise puramente literal, constata-se que a remissão prevista no artigo 107 para o artigo 105.° do RGIT apenas diz respeito à moldura penal aí consagrada. Ao invés do que poderíamos ser levados a pensar, não pretendeu o legislador remeter para o tipo legal de crime de abuso de confiança fiscal (nem para punição propriamente dita), porquanto consagrou autonomamente os elementos objectivos e acordo subjectivos e subjectivos que compõem o crime de Abuso de Confiança contra a Segurança Social no artigo 107.°, do RGIT.

    d)- Se admitirmos que o legislador se soube exprimir, ao não alterar o corpo normativo do art. 107.°, n.° 1, do RGIT, fê-lo de caso pensado, porquanto pretende continuar a punir essas condutas, não cabendo ao intérprete desconfiar da bondade do próprio legislador.

    Nestes termos e nos melhores de justiça, concedendo provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogando o douto despacho recorrido, farão V. Exªs a costumada Justiça».

  7. Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto deu parecer no sentido de que os recursos merecem provimento, seguindo em grande parte a argumentação do Ministério Público de 1ª instância.

  8. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por deverem ser os recursos aí julgados, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea b), do mesmo diploma.

    II – FUNDAMENTAÇÃO 1.

    Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).

    Assim, balizados pelos termos das conclusões formuladas em sede de recurso, a única questão a resolver consiste em saber se tem aplicação, em sede de abuso de confiança contra a segurança social, o limite de 7.500€ estabelecido no n.° 1 do artigo 105° do RGIT na redacção dada pela Lei n.º 64-A/2009 de 31.12 (assente que a razão de ser de ambos os recursos é exactamente o mesmo).

    Dito de outro modo, urge descortinar se a alteração introduzida no n.º 1 do artº 105º se estende ao crime de abuso de confiança contra a Segurança Social previsto no artº 107º, ou seja, se, no caso deste crime, também se restringiu a esfera de punição às contribuições devidas de montante superior a 7.500€.

  9. O despacho recorrido tem o seguinte teor: «O Tribunal é competente.

    Não há nulidades, ou excepções, mas há uma questão prévia a apreciar. o que se passa a fazer-se.

    As arguidas CM..., Ldª e M... encontram-se acusadas pela prática em autoria material e na forma continuada de crime de abuso de confiança contra a...

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