Acórdão nº 25/07.5IDCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 06 de Janeiro de 2010

Magistrado ResponsávelALBERTO MIRA
Data da Resolução06 de Janeiro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório: 1.

Nos autos de processo comum singular n.º 25/07.5IDCBR do Tribunal Judicial da Lousã, foram submetidos a julgamento, em processo comum com intervenção de tribunal singular, os arguidos: - V…, Lda.

, com o n.º de Pessoa Colectiva ……, com sede no Bairro ……., em Miranda do Corvo; - C...

, casado, aposentado, nascido em Ansião, residente no Bairro …, Miranda do Corvo, e - F...

, solteiro, empresário, residente no Bairro …., em Miranda do Corvo, pronunciados nos seguintes termos: Os dois primeiros arguidos, pela prática de: - um crime de abuso de confiança fiscal p. p. pelo art. 105.º, n.º 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001 de 5 de Junho; - um crime de frustração de créditos p. p. pelo art. 88.º do RGIT; - uma contra-ordenação fiscal, p. p. pelo art. 113.º, n.º 1 do RGIT; - uma contra-ordenação fiscal, p. p. pelo art. 113.º do Código do IRC e 116.º do RGIT; e - uma contra-ordenação fiscal p. p. pelos arts. 109.º e 112.º do Código do IRC e 116.º do RGIT, respondendo a primeira arguida ao abrigo dos arts. 7.º, n.º 1, do RGIT e 11.º do Código Penal; O terceiro arguido, pela prática, em co-autoria material, de um crime de frustração de créditos p. p. pelo art. 88.º do RGIT.

* 2.

Por sentença de 8 de Julho de 2009, o tribunal proferiu decisão do seguinte teor: - Absolveu os arguidos V…, Lda. e C... da prática do crime de abuso de confiança fiscal, p. p. pelo art. 105.º, n.º 1, do RGIT, de que estavam pronunciados; - Absolveu o arguido C... da prática da contra-ordenação p. p. pelos arts 113.º, n.º 1, do RGIT; da prática da contra-ordenação p. p. pelos arts. 113.º do CIRC e 116.º do RGIT; e da prática da contra-ordenação p. p. pelos arts. 109.º e 112.º do CIRC e 116.º do RGIT; - Condenou o arguido C..., pela prática de um crime de frustração de créditos p. p. pelo art. 88.º, n.º 1, do RGIT, na pena de seis meses de prisão; - Condenou o arguido F..., pela prática de um crime de frustração de créditos p. p. pelo art. 88.º, n.º 1, do RGIT, na pena de dois meses de prisão; - Condenou a arguida V…., Lda., pela prática de um crime de frustração de créditos p. p. pelo art. 88.º, n.º 1, do RGIT, na pena de 120 (cento e vinte dias) de multa, à razão diária de € 15 (quinze euros); - Condenou a arguida V…, Lda., pela prática de uma contra-ordenação p. p. pelos arts. 114.º, n.º 1, do RGIT, na forma continuada, na coima de € 8.000,00; pela prática de uma contra-ordenação p. p. pelo art. 113.º, n.º 1, do RGIT, na coima de € 300,00; pela prática da contra-ordenação p. p. pelos arts. 113.º do CIRC e 116.º do RGIT, na coima de € 500,00; e pela prática da contra-ordenação p. p. pelos arts 109.º e 112.º do CIRC e 116.º do RGIT, na coima de € 500,00; - Em cúmulo Jurídico, condenou a sociedade arguida na coima única de € 8.325,00.

- Suspendeu, por um ano, as penas de prisão aplicadas aos arguidos C... e F..., subordinando-se tal suspensão à condição de os arguidos diligenciarem pelo cumprimento atempado de todas as obrigações fiscais da arguida V…,lda e da firma F... Unipessoal, bem como de qualquer outra de que venham a ser gerentes, de facto ou de direito, que se vencerem a partir do terceiro mês posterior ao trânsito em julgado da sentença, inclusive.

- Determinou a não transcrição da presente sentença nos Certificados a que aludem os arts 11.º e 12.º da Lei 57/98, de 18.08, no que toca ao arguido F....

* 3.

Por requerimento a fls. 629 (posteriormente rectificado, conforme fls. 665), o arguido F… interpôs recurso da sentença, concluindo a respectiva motivação com as seguintes (transcritas) conclusões: 1.ª – Nos presentes autos foi proferido acórdão condenatório contra o ora recorrente, sendo-lhe aplicada uma pena de dois meses de prisão, pela prática de um crime de frustração de créditos, p. p. pelo artigo 88.º, n.º 1, do RGIT. Contudo, não pode o arguido conformar-se com a sua aplicação.

  1. – O Tribunal a quo deu como provado o alegado nos pontos 17, 18, 19, 21 e 31, sem que houvesse qualquer prova que o sustentasse.

  2. – Com efeito, nos pontos 17, 19 e 21, o Tribunal a quo dá como provado que o ora arguido tinha conhecimento de toda a actividade comercial do seu pai, e que representou o alegado desiderato que o arguido C...pretendia alcançar com a criação da firma F… .

  3. – Porém, no decorrer da audiência de discussão e julgamento, nenhuma prova foi feita que sustente tais afirmações, nenhum prova foi feita sobre o conhecimento dos factos pelo ora recorrente.

  4. – Bem pelo contrário, houve prova produzida no sentido inverso, no sentido de fundamentar a falta de conhecimento por parte do recorrente de toda a situação financeira que rodeava as empresas do pai e a sua própria firma.

  5. – A testemunha T..., que o Tribunal a quo classificou como credível, classificou a intervenção do ora recorrente na sua firma como um mero empregado; afirmou que todas as tentativas de falar com ele sobre a situação fiscal da sua firma deparavam com o desconhecimento da parte do recorrente que remetia para o pai.

  6. – A mesma testemunha afirmou que o ora arguido não tinha conhecimento sequer das transmissões referidas no ponto 19 da matéria de facto dada como provada. Nem tão pouco se logrou provar tal facto por prova documental, visto que a assinatura que consta das facturas de compra dos referidos bens é claramente forjada, como resulta não só da mera observação dos documentos, mas também do testemunho prestado pelo recorrente.

  7. – O Tribunal a quo admitiu como assentes factos que não resultam, de todo, da prova produzida, maxime, da prova que indica como relevante para a formação da sua convicção, revelando a assunção de um pré-juízo da culpabilidade do ora recorrente, em claro atropelo do mais basilar princípio do Direito Processual Penal Português – In Dubio Pro Reo.

  8. – Não foi assim feita prova do conhecimento por parte do arguido dos factos dados como provados nos pontos 17, 19 e 21, limitando-se o Tribunal a quo a constatar o facto de o recorrente ser gerente de direito da sua unipessoal para daí presumir que tinha conhecimento de todos os factos.

  9. – Na verdade, mesmo que se admita que o ora recorrente, enquanto gerente de direito da F..., teria o dever de se inteirar da vida económica da sua firma, a verdade é que tal imputação apenas poderia ser feita a título de negligência, e uma vez que o tipo de crime de abuso de confiança exige uma culpa dolosa, nunca o ora recorrente poderia ser condenado por esta via.

  10. – Quanto aos factos dados como provados no ponto 31, mais uma vez, nenhuma prova é feita nesse sentido, fundamentando apenas o Tribunal a quo tais factos na circunstância de o ora recorrente viver com os pais e, por isso, ter obrigatoriamente conhecimento das dívidas, processos de execução fiscal, e do desiderato do pai ao solicitar-lhe que se colectasse.

  11. – Não há mais uma vez qualquer fundamento para o alegado; com efeito, ainda que se admita que o recorrente pudesse ter conhecimento de que o seu pai tinha dívidas fiscais e, inclusivamente, processos crime pelas mesmas, daí a afirmar que ele tinha conhecimento do suposto plano traçado pelo seu pai, e que corroborou em prestar o seu auxílio, vai um grande salto de lógica, sem base em qualquer elemento probatório, que não é admitido em direito penal.

  12. – Mesmo no tocante à própria existência de crime de frustração de créditos por parte de C... e V…Lda, também não foi, salvo melhor opinião, feita qualquer prova nesse sentido. Pelo que também por esta via, nunca poderia o ora recorrente ser condenado pela prática de um crime de frustração de créditos.

  13. – No acórdão ora em crise, é descrito um cenário de infracção generalizada e um plano elaborado no sentido de lesar os interesses patrimoniais do Estado. Diz-se que os arguidos agiram em conluio, sendo que a F...foi criada, sem existências iniciais, vendendo apenas bens da V…lda, sem que possuísse sequer documento de compra para os mesmos. Criando assim uma empresa nova, com o único objectivo de esvaziar a V… de bens. V... que por sua vez já não fazia compras nem vendas, limitando-se a transferir as suas existências para a nova firma.

  14. – Contudo, a esta versão, que resulta da motivação do douto acórdão, contrapõe-se aquela que resulta da prova produzida. Com efeito, a F...adquiriu mais de 200.00,00 € em material, entre Fevereiro a Setembro de 2004, conforme documentos juntos a fls. 86 e seguintes e fls. 270 a 283, pelo que é falso que esta não tivesse outro imobilizado que não aquele que pertencera à V.... Por outro lado, toda as aquisições feitas à V... se encontram devidamente documentadas pelas facturas juntas aos autos, fls. 137 a 185.

  15. – Por outro lado, a V... tinha um objecto de negócio diferente, vendendo a grosso e não a retalho. Nesse sentido a sua venda à F...inseriu-se no seu objecto normal de negócio, tanto mais que a V... continuou a exercer plenamente a sua actividade, não só vendendo, mas também adquirindo material em quantidades significativas, como resulta do depoimento da testemunha António Duarte.

  16. – Por fim, não se logra entender ainda como pôde ter sido dado como provada a existência de um crime de frustração de créditos, na medida em que já no ano de 2006 foi feita uma penhora de valor superior a 236.000,00 € à V.... Ora, se houvesse efectivamente, já em 2004, uma dissipação de bens, com o objectivo de frustrar a cobrança dos créditos pela A.T., dos anos seriam mais que suficientes para que a V... delapidasse todo o seu património se esses fossem verdadeiramente os seus intentos.

  17. – Não se provou que o ora recorrente alguma vez tenha exercido a gerência de facto da firma F....

  18. – Nenhum dos factos dados como provados supra enunciados, nem os motivos determinantes para a formação da convicção do Tribunal quanto à responsabilidade penal do recorrente, têm suporte na prova produzida em audiência de julgamento; o ora recorrente deveria ter sido absolvido da prática dos mesmos.

  19. – Assim, o Tribunal a quo incorreu no vício consignado na alínea...

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