Acórdão nº 12/08.6IDGRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Outubro de 2009

Magistrado ResponsávelGOMES DE SOUSA
Data da Resolução21 de Outubro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

A - Relatório: Nos autos de Processo Comum que corre termos no 1º Juízo Criminal de Vila Nova de Foz Côa o Ministério Público deduziu acusação para julgamento em processo comum com intervenção de Tribunal singular contra A..., casado, construtor civil, natural de T…, Vila Nova de Foz Côa, residente na Rua das E… em Vila Nova de Foz Côa, imputando-lhe a prática, em autoria material e sob a forma continuada, de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelos artigos 105º, n.ºs 1 e 2 e 16º, alínea g), da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho (Regime Geral das Infracções Tributárias – RGIT).

* Por despacho lavrado em 28/02/2009, a Mmª. Juíza, considerando que os factos descritos no despacho de acusação não consubstanciam a prática do crime imputado ao arguido A... – abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105º, n.ºs 1 e 2, do RGIT – nem de um crime de fraude fiscal, p. e p. pelo artigo 103º, do RGIT, mas sim, a provarem-se tais factos, de um ilícito contra-ordenacional, rejeitou a referida acusação, ao abrigo do disposto no artigo 311º, n.ºs 2, alínea a) e 3, alínea d), do Código de Processo Penal.

* O Ministério Público da Comarca de Vila Nova de Foz Côa interpôs recurso de tal despacho, pedindo a revogação do despacho recorrido e sua substituição por outro que receba a acusação deduzida pelo Ministério Público, com as seguintes conclusões: 1. A obrigação da administração fiscal de notificar o contribuinte nos termos e para os efeitos do disposto no art. 105°, nº 4, al. b) do RGIT só se verifica em situações de mora (e não de falta de declaração); 2. O despacho de não recebimento da acusação evidencia uma contradição na própria fundamentação de direito; 3. Pois, por um lado, o Tribunal recorrido admite que: "A falta de entrega da prestação tributária pode estar associada ao incumprimento declarativo ou decorrer simplesmente da falta de pagamento do imposto liquidado na referida declaração.

Quando a não entrega da prestado tributária está associada à falta declarativa existe uma clara intenção de ocultação dos factos tributários à Administração Fiscal.

O mesmo não se poderá dizer, quando a existência da divida é participada à Administração Fiscal através da correspondente declaração, que não vem acompanhada do correspondente meio de pagamento, mas que lhe permite desencadear de imediato o processo de cobrança coerciva.

Tratando-se de diferentes condutas, com diferentes consequências na gestão do imposto, devem, portanto, ser valoradas criminalmente de forma diferente,".

  1. Por outro, acaba por concluir que: "Assim, a vontade inequívoca do legislador - que encontra apoio na letra e no espírito da actual alínea b), do nº 4, do artigo 105°, do RGIT - é a de só criminalizar e punir como crime de abuso de confiança fiscal a pessoa que, tendo comunicado à Administração Fiscal a declaração da prestado deduzida e não entregue, não procedeu ao seu pagamento, acrescida de juros e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após a notificação que, para o efeito, a Administração Fiscal lhe fez”.

  2. Ora, não se compreende que o Tribunal a quo reconheça que o comportamento de quem nem sequer chega a declarar o facto sujeito a imposto (como é o caso do arguido) é muito mais censurável do que o comportamento que quem entrega a declaração devida, mas por qualquer motivo, não liquida o imposto, fazendo até notar que o legislador quis "dar mais uma oportunidade às pessoas que comunicaram a declarado de prestado tributária à Administração Fiscal, mas não fizeram a entrega - sem limitação a qualquer valor -, para regularizarem a sua situação fiscal, pagando a dívida, acrescida de juros e coima" para daí concluir que o legislador só quis "punir como crime de abuso de confiança fiscal a pessoa que, tendo comunicado à Administração Fiscal a declaração da prestado deduzida e não entregue, não procedeu ao seu pagamento, acrescida de juros e do valor da coima aplicável”.

  3. Dito de outra forma, seguindo a óptica do julgador, quem não entregou a declaração e omitiu o pagamento do imposto, sai beneficiado, uma vez que segundo a interpretação feita na decisão de que se recorre o legislador não quis ver perseguido criminalmente quem não entregou a declaração e por isso não foi notificado para proceder ao pagamento do imposto; 7. Ora, não se pode deixar de notar que a posição adoptada é um claro convite à não entrega da declaração da prestação tributária; 8. Pois, cabe perguntar que de serve declarar os rendimentos sujeitos a imposto se "só quem comunica à Administração Fiscal a declaração da prestação deduzida e não entregue e não procedeu ao seu pagamento" é passível de ser perseguido pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal; 9. Nada mais injusto e violador do espírito e letra da lei, uma vez que da posição adoptada decorre que quem pratica acto menos grave acaba por ser mais severamente punido, sendo que o arguido, que nem sequer declarou os rendimentos sujeitos a imposto, ainda saiu beneficiado; 10. Somos de parecer que, na realidade, a obrigação que recai sobre a administração fiscal de diligenciar no sentido de dar cumprimento ao disposto no art. 105°, nº 4, al. b) do RGIT, apenas é exigida pelo legislador quando o contribuinte declarou o facto sujeito a tributação e não quando o mesmo não chegou sequer a declarar a dívida (situações de mora e não de falta de declaração); 11. É, salvo melhor entendimento, nesta medida, que o legislador quis, como se frisa na decisão recorrida, "dar mais uma oportunidade às pessoas que comunicaram a declaração de prestação tributária à Administração Fiscal, mas não fizeram a entrega - sem limitação a qualquer valor -, para regularizarem a sua situação fiscal, pagando a dívida, acrescida de juros e coima"; 12. E, será nessa medida que o legislador quis ver punidas de forma diferente duas situações de omissão dos deveres fiscais, em virtude das mesmas revestirem gravidade dissemelhante, e não, como se decidiu, de apenas criminalizar a conduta de quem declarou o facto sujeito a imposto; 13. Em suma da interpretação dada pelo Tribunal recorrido ao art. 105° do RGIT resulta uma punição mais severa de quem até cumpriu a obrigação declarativa e a total impunidade de quem nem sequer declarou o rendimento; 14. Pelo que vem dito, concluiu-se que o Tribunal a quo violou o art. 105°, nºs 1 a 4, do RGIT e o art. 311° do Código de Processo Penal.

Nestes termos, e nos mais, que V. Exªs, na vossa douta munificência, saberão suprir, deverá o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que receba a acusação deduzida pelo Ministério Público.

* Nesta Relação o Exmº Procurador-geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso.

Foi observado o disposto no nº 2 do artigo 417° do Código de Processo Penal.

Colhidos os vistos, o processo foi à conferência.

****** B.1 - Fundamentação: São estes os elementos de facto relevantes e constantes do processo: Nos autos de Processo Comum que corre termos no 1º Juízo Criminal de Vila Nova de Foz Côa o Ministério Público deduziu acusação para julgamento em processo comum com intervenção de Tribunal singular contra A..., casado, construtor civil, natural de T…, Vila Nova de Foz Côa, residente na Rua das E… em Vila Nova de Foz Côa, imputando-lhe a prática, em autoria material e sob a forma continuada, de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelos artigos 105º, n.ºs 1 e 2 e 16º, alínea g), da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho (Regime Geral das Infracções Tributárias – RGIT).

Por despacho lavrado em 28/02/2009, a Mmª. Juíza, considerando que os factos descritos no despacho de acusação não consubstanciam a prática do crime imputado ao arguido A... – abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105º, n.ºs 1 e 2, do RGIT – nem de um crime de fraude fiscal, p. e p. pelo artigo 103º, do RGIT, mas sim, a provarem-se tais factos, de um ilícito contra-ordenacional, rejeitou a referida acusação, ao abrigo do disposto no artigo 311º, n.ºs 2, alínea a) e 3, alínea d), do Código de Processo Penal.

É o seguinte o teor do referido despacho judicial: “Dispõe o artigo 311º, do CPP que: «1. Recebidos os autos no Tribunal, o presidente pronuncia-se sobre nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa, de que possa desde logo conhecer. 2. Se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o presidente despacha no sentido: a) de rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada; b) de não aceitar a acusação do assistente ou do Ministério Público na parte em que ela representa uma alteração substancial dos factos, nos termos do n.º 1 do artigo 284º e do n.º 4 do artigo 285º, respectivamente. 3. Para os efeitos do disposto no número anterior, a acusação considera-se manifestamente infundada: a) quando não contenha a identificação do arguido; b) quando não contenha a narração dos factos; c) se não indicar as disposições legais aplicáveis ou as provas que a fundamentam; ou d) se os factos não constituírem crime.» Após a leitura de todos os elementos probatórios carreados para os autos na fase de inquérito (assumindo especial relevância o teor de fls. 49) e a leitura do despacho de acusação de fls. 97 a 102, considera este Tribunal ser imprescindível a apreciação da seguinte questão prévia...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT