Acórdão nº 35/05.7JELSB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Setembro de 2009

Magistrado ResponsávelESTEVES MARQUES
Data da Resolução23 de Setembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Em processo comum colectivo do 3º Juízo do Tribunal Judicial da Figueira da Foz, por acórdão de 09.04.07, foi, para além do mais, decidido condenar cada um dos arguido A... e J..., como co-autores materiais de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artº 21º nº 1 do Dec. Lei 15/93, de 22/1, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão.

Inconformados os arguidos interpuseram recurso.

O arguido J... formula as seguintes conclusões: “1.° - Ficou demonstrado em sede de matéria de facto considerada provada no douto acórdão a comprovada actividade delituosa do recorrente. Todavia, a melhor valoração da prova da acusação produzida em audiência (com especial relevo para o depoimento da principal testemunha de acusação inspector da Polícia Judiciária P... inquirido e contra-instado pelo Tribunal em 26 de Março de 2008), não poderia conduzir o douto Colectivo à decisão de mérito proferida, com o reconhecimento da culpabilidade do recorrente.

  1. - Na verdade, atento o depoimento da mencionada testemunhas de acusação, inspector da Polícia Judiciária (Cassete 1 e 2 nas já apontadas passagens – sobreditos 19, 20, 22, 23, 29 (o telefone com este número nunca foi encontrado) 51, 52, 53, 56, 153), que o douto acórdão reconhece como tendo sido “ um dos elemento da Polícia Judiciária que mais acompanhou a dita investigação” (a fls. 27 do douto acórdão), tendo prestado (ainda no dizer do douto mas recorrido acórdão “ um depoimento bastante importante pela visão de conjunto que permitiu obter dos “ antecedentes” da operação de apreensão de cocaína em causa nos presentes autos”- ibidem a fls. 28 do mesmo acórdão, não deveria servir “tout court" para a condenação do recorrente.

  2. Pelo que o acórdão recorrido violou, por erro interpretativo, o disposto nos artºs 127º e 355º do CPP, validando meras opiniões, convicções e hesitações da apontada testemunha de acusação, inspector da Polícia Judiciária, P... e conferindo-lhes foros de imparcialidade, a ponto de fundamentar esse mesmo depoimento como essencial para o Tribunal ter alicerçado a sua convicção extraída nos termos do apontado artº 127º do CPP.

  3. - Pelas apontadas razões, o recorrido e douto acórdão violou ainda, por manifesto erro interpretativo, o princípio "in dúbio pro reo" quanto ao recorrente, uma vez que nenhum nexo de causalidade - entre o facto e o sujeito activo - existe, no caso vertente, para se poder decretar a condenação do recorrente.

  4. - É que, restaria demonstrar que eventuais telefonemas em que interveio o recorrente (e a Polícia não pode jurar que era a voz do recorrente que escutava, pois nunca tinha falado com este) se relacionavam com a importação de 93,5 kilos de cocaína e não apenas com a importação do grão de bico.

  5. - Ora essa destrinça não logrou o douto acórdão fazer e por isso aludimos a violação da lei (citados artº 127º e 355º do CPP e violação do princípio de presunção de inocência do arguido em Processo Penal constitucionalmente consagrada – artº 32º nº2 da CRP revista).”.

    O arguido A... conclui a motivação pela seguinte forma: “1. Conforme se verifica pelo exame das actas de discussão e julgamento, nomeadamente a efectuada em 5 de Dezembro de 2008, na qual alguns arguidos, entre os quais o ora recorrente, usaram da palavra pela última vez, e a efectuada em 7 de Abril de 2009, na qual foi lido o Acórdão final, a audiência esteve interrompida por um período superior a 30 dias.

    1. Entre a sessão na qual se procedeu ao encerramento da produção de prova (5/12/2008) e leitura do Acórdão (7/4/2009) ocorreram vários adiamentos deste último no qual o Meritíssimo Juiz declarava sem efeito as datas que foram sendo aprazadas, "atendendo à evidente complexidade e vastidão do processo, bem como à necessidade de proceder a nova reunião de Colectivo (com a dificuldade acrescida de um dos respectivos membros ter sido entretanto movimentado para comarca geograficamente distante deste circulo judicial) " (fim de citação).

    2. Decorrendo do sentido literal do nº 6 do artº 328° do C.P.P. e tendo em conta o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ com o nº 11/2008, sobre o processo nº 4822/07-3 de 29/10/2008 publicado no DR. I Serie n° 239 de 11 de Dezembro de 2008, o adiamento da audiência de Julgamento por prazo superior a 30 dias implica a perda de eficácia da prova produzida com sujeição ao princípio da imediação.

    3. "Tal perda de eficácia ocorre independentemente da existência de documentação a que alude o artº 363° do C.P.P".

  6. Na verdade, o nº 6 do artº 328° já citado utiliza a palavra AUDIÊNCIA e não encerramento da discussão, sendo por isso aplicável o princípio romano "ubi lex non distinguit, nec nos distinguire debemos".

  7. Para além disso, o artº 365º nº 1 expressamente refere que a deliberação segue-se ao encerramento da discussão fixando-se, posteriormente, no artº 373º um prazo curto de 10 dias para a elaboração da sentença e a sua leitura e ainda assim, "atenta a especial complexidade da causa".

  8. Considera-se, no entanto, pela fundamentação deste Acórdão que existe idêntica razão de decidir.

  9. Com efeito a fls. 8704 do DR citado diz-se nesse Acórdão: 9º. "A proximidade temporal entre aquilo que o Juiz apreendeu por sua observação pessoal e o momento em que deverá avaliá-lo na sentença, é elemento decisivo para a preservação das vantagens do princípio, pois um intervalo de tempo excessivo entre a audiência e o Julgamento tornará difícil ao julgador conservar, com nitidez, na memória os elementos que o tenham impressionado na recepção da prova, junto da sua observação pessoal sujeita a desaparecer com o passar do tempo". (fim de citação) 10. Destas palavras se pode concluir que no Acórdão do STJ atrás citado, foi sopesado o tempo entre o encerramento da discussão e a leitura da sentença.

    1. E se é este o entendimento fixado neste acórdão, a sua fundamentação vai, neste caso vertente, ao encontro da situação existente. Isto é, de 5/12/2008 a 7/4/2009 distam precisamente 123 dias.

    2. Mesmo descontando o período de férias do Natal e da Pascoa, num total de 21 dias, ainda restam 102 dias, pelo que, de uma forma ou de outra, não poderemos deixar de colocar em crise a memória humana, especialmente para os pequenos pormenores que são sempre insusceptíveis de ficarem gravados, como a atitude de testemunhas e arguidos, seus tiques, nervosismo ou serenidade, firmeza ou hesitação, tempo de resposta e alterações fisionómicas e corporais.

    3. Mesmo admitindo uma memória mais duradoura por parte dos Meritíssimos julgadores, o que é certo é que o Advogado signatário não consegue, nem mesmo consultando os suportes técnicos lembrar-se, com a acuidade necessária, de todos os pormenores que conferem ou retiram credibilidade aos intervenientes na prova.

    4. Até porque, esta audiência de julgamento, do seu início (26/3/2088) até ao encerramento da produção de prova (5/12/2008) durou precisamente 284 dias, nos quais se efectuaram 12 sessões de julgamento.

    5. Lembramos que os próprios tribunais superiores, em jurisprudência uniforme, invocam a imediação de prova (e da qual estão arredados) para fundamentarem a sua recusa em sindicarem a livre convicção do julgador em primeira instância.

    6. Nestes termos deverá ser determinado "in casu" a revogação da decisão recorrida, ordenando-se o seu reenvio ao Tribunal da 1ª Instância, a fim de que reveja a decisão recorrida, ordenando a repetição do julgamento de 1ª instância.

    7. Ainda como questão prévia, constatou o recorrente que as suas declarações em audiência foram deficientemente gravadas sendo absolutamente impossível a sua transcrição, mínima que fosse.

    8. O mandatário do recorrente contactou os serviços do tribunal indagando se os suportes técnicos originais na posse do Tribunal se encontravam em condições de inteligibilidade e a resposta da senhora funcionária confirma a mesma situação, informando que o recorrente teria aproximado demasiado a boca do microfone.

    9. Seja como for, quer o recorrente quer o douto tribunal superior se acham impossibilitados de se socorrerem dessas gravações.

    10. Na verdade, o advogado signatário recorda-se de diversas afirmações e explicações sobre a matéria de facto que o recorrente produziu em audiência, mas acha-se impedido de as apresentar na sua motivação do Recurso.

    11. Nomeadamente, não pode o recorrente cumprir os ditames do nº 3 e 4 do artigo 412º do C.P.P., o que tem acarretado a rejeição dos recursos. Mas, se assim é, a exigência de transcrição de passagens das gravações será tão importante para o julgador como o é para o recorrente.

    12. Uma das provas que o recorrente considera imporem decisão diversa da recorrida - as suas declarações - não se acha documentada com consequências inerentes sobre a eficácia da prova recolhida.

    13. Jurisprudência uniforme em casos absolutamente similares tem entendido que se impõe a anulação do julgamento "in totum" com reenvio à primeira instância para a repetição do julgamento - vejam-se entre outros, Acórdãos nº 10168/05-9 e n° 10154/2002, ambos da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

    14. O recorrente impugna os seguintes pontos da matéria de facto apurada no Acórdão recorrido.

    15. Ponto 6- Não corresponde à verdade que os contactos do recorrente, quer pessoalmente quer por telefone, tenham tido qualquer relação com importação de produtos ilícitos.

    16. O recorrente explicou em audiência a real natureza dos conhecimentos e contactos com essas pessoas.

    17. Ponto 9- Debalde se procurará em qualquer chamada efectuada ou recebida por este telefone, ou outro qualquer, uma conversa onde se fala, clara ou veladamente de estupefaciente.

    18. Ponto 10- O facto de o recorrente ter conhecido estas pessoas não implica que sequer lhes conhecesse qualquer actividade ilícita. Nas intercepções telefónicas fala-se de eventuais importações de frutas e não de estupefacientes.

    19. O recorrente soube de detenção de uma dessas pessoas mas continuou a fazer a sua vida normal uma vez que nada tinha a ver com o sucedido.

    20. Ponto 11- Vejam-se atentamente as conversações que o...

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