Acórdão nº 112/08.2GDCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 09 de Setembro de 2009

Magistrado ResponsávelJORGE RAPOSO
Data da Resolução09 de Setembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – RELATÓRIO O arguido A...

, casado, aposentado, foi condenado, por convolação jurídica do imputado crime de ameaça, p. e p. pelo art. 153° .º 1 e 155° al. a) do Código Penal, pela prática como autor material de um crime de ameaça, p. e p. pelo art. 153° nº 1 do Código Penal, na pena de 65 dias de multa, à taxa diária de €: 7,50, fixando a prisão subsidiária em 43 dias.

Foi julgado parcialmente procedente por parcialmente provado o pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente contra o arguido e, em consequência, foi condenado no pagamento ao assistente da quantia de €:700,00 pelos danos não patrimoniais sofridos e absolvido do pedido de indemnização civil deduzido nos autos em tudo quanto excede a presente condenação.

*Inconformado, o arguido interpôs o presente recurso, formulando as seguintes conclusões: 1. A douta sentença de fls. deve ser revogada.

  1. Para decidir quanto aos pontos de facto a), b) e e) da fundamentação, o Tribunal "a quo" valorou, essencialmente (se não unicamente...) os depoimentos das testemunhas R... e C....

  2. A 1ª das testemunhas (ver supra a referência à gravação) é a esposa do assistente Luciano.

  3. I.e., esposa do interessado directo na sorte dos autos (tanto mais que o assistente deduziu pedido de indemnização civil).

  4. A 2ª das testemunhas é prima do assistente (cf. acta de fls., aos costumes).

  5. Analisados ambos, constata-se que a testemunha C... - quanto ao facto supra referido em a) - referiu, de facto, em julgamento, que ouviu o arguido dizer "se ele cá voltar eu parto-o todo" (vide ainda a sentença de fls., ponto 1.3 "Motivação").

  6. O depoimento da testemunha não se afigurou isento nem credível.

  7. A testemunha C... não explicou adequadamente o motivo pelo qual, às 17hOO (hora a que ocorreram os factos, alegadamente), se encontrava na rua, de forma a ouvir as expressões alegadamente proferidas pelo arguido.

  8. A C... afirmou que "não viu" o arguido, mas tão-só que o "ouviu".

  9. Mais afirmou que, no fim da "discussão", se aproximou da prima - R... – tendo-lhe perguntado o que é que se tinha passado.

  10. Referindo que não viu o arguido.

  11. A C... referiu ainda que houve uma "discussão", ou seja, que a R... e o seu interlocutor trocaram afirmações.

  12. Todavia, instada a esclarecer o que foi dito pela prima, não soube esclarecer, afirmando "não se recordar" ou não ter percebido.

  13. Isto é, a C... revelou só ter ouvido o que fora afirmado pelo arguido...

  14. Arguido que, note-se, não viu.

  15. Só tendo associado os factos à pessoa do arguido porque a prima - R... -lhe disse que era o arguido quem ali tinha estado (i.e., depoimento indirecto...).

  16. Ambas as testemunhas, C... e R..., na parte que respeitava ao conteúdo das afirmações alegadamente proferidas pelo arguido, reproduziram, "ipsis verbis", sem qualquer hesitação, e em puro decalque, trechos integrais das acusações, pública e particulares.

  17. Fazendo-o relativamente a factos ocorridos há cerca de um ano – considerando a data do julgamento – e sem qualquer motivo aparente para tão apurada memória (note-se que a testemunha C..., espontaneamente, referiu ter ficado com a sensação de que devia "memorizar" a data para fins judiciais... I).

  18. Ainda quanto ao ponto a) da matéria de facto, as testemunhas C... e R... não conseguiram evitar algumas (evidentes e sonantes) contradições.

  19. Do exposto resulta uma evidente (ainda que frágil...) articulação entre os depoimentos das referidas testemunhas, "traída" pelo aspecto dissonante do teor da discussão.

  20. Com efeito, a testemunha C... "inovou", dizendo que houve troca de palavras entre a prima e o arguido, enquanto a R... referiu em Tribunal, num primeiro momento, que disse ao arguido (em face das referidas expressões) "diga lá outra vez"/"repita lá isso", e num segundo momento, que teria balbuciado apenas "hã", "hã"...

  21. Se a esta realidade somarmos o facto de que o arguido referiu não ter visto a testemunha C... no local (coincidindo com a mulher do assistente no ponto segundo o qual esta estava acompanhada de uma criança de colo), 23. E de não se ter apurado a distância concreta a que esta estava do local onde a "discussão" teve lugar, nem o "tom" em que as palavras foram proferidas (i.e., permitindo apurar se estava ou não em condições de ouvir a discussão), 24. Afigura-se difícil convencermo-nos de que a referida C... esteve de facto no local, 25. E que ouviu realmente o que afirmou ter ouvido.

  22. Com efeito, para quem esteve no julgamento - como o ora subscritor - foi por demais evidente o "desconforto" exibido pela testemunha C... (contrastando, em boa verdade, com a "segurança" exibida pela mulher do assistente...), expresso no riso nervoso e forçado, no constante desvio do olhar e no permanente esfregar de mãos...

  23. O que, em nosso - sinceramente (bem) modesto - entender, justifica a renovação da prova, permitindo ao Tribunal "ad quem", pela imediação com a prova, aperceber-se das incongruências relevadas pelo Tribunal "a quo".

  24. Considerando-se como não provada a matéria de facto constante dos pontos a) e b) da fundamentação da sentença de fls.

  25. Note-se que a mesma testemunha, C..., referiu que "medo, medo... não, não sei, acho que sim... não sei" (em resposta à questão sobre se o assistente teria sentido medo em resultado das expressões alegadamente proferidas pelo arguido).

  26. Conduzindo a que, na insuficiência do depoimento da testemunha "directa" C..., se dê como não provada a matéria constante do ponto e) da fundamentação.

  27. Acresce que, e ainda quanto ao ponto e) da fundamentação, diga-se que - sem prescindir - os factos imputados ao arguido deveriam ser idóneos a causar medo (de acordo com a teoria objectivo-individual).

  28. Ora, se de facto o assistente tivesse sentido mal estar, nervosismo e inquietação em consequência da conduta do arguido - cf. ponto e) -, decerto teria deixado de passar no caminho, com medo de que as represálias prometidas se concretizassem efectivamente.

  29. Todavia, ninguém foi capaz de o afirmar de modo sério e convincente.

  30. Do exposto decorre que o "medo" sentido pelo assistente é mais "nominal" do que "real", não se sustentando em factos concretos, como deveria.

  31. Assim, não nos parece que tais expressões tenham sido adequadas a causar receio ou medo por parte do assistente de que as mesmas pudessem ser concretizadas.

  32. Pelo que, não se verifica o preenchimento do crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153°, nº 1, do CP, devendo absolver-se o arguido, com as legais consequências, absolvendo-se ainda o arguido do pedido cível deduzido pelo assistente, "in totum", e com as devidas e legais consequências.

  33. Sem prescindir ou conceder do exposto, mas por mero dever legal de patrocínio, sempre se dirá que 38. A pena de multa fixada ao arguido – i.e., 65 dias multa à razão de 7,50€ por dia - se afigura excessiva e desproporcionada.

  34. Quer no que tange aos dias de multa - factor "culpa" - quer no que se reporta ao "quantum" diário - factor "capacidade económica".

  35. Dos factos apurados - a manterem-se, claro - não resulta que o arguido tenha actuado com uma culpa particularmente intensa.

  36. Como não resulta que o assistente tenha sentido um medo tão intenso que tenha sido condicionada a sua liberdade de actuação e de decisão (no fundo, aquilo que se pretende proteger com a incriminação).

  37. Logo, a condenação do arguido em 65 dias de multa com base na gravidade do dano - dano esse que, salvo o devido respeito, se ficou em "meias tintas" - é manifestamente excessiva.

  38. Afigurando-se como adequada uma condenação em 40 dias de multa.

  39. No que tange ao "quantum" diário", 45. Com efeito - e com relevo ainda para a "quantificação" dos danos morais - deu-se por provado que "O arguido está reformado e recebe uma pensão de reforma de cerca de €800. Vive com a mulher, que é doméstica, em casa própria".

  40. Considerando – como factos notórios que são... – que o arguido é uma pessoa de idade avançada (vide os autos) e que é sabido que as "domésticas" não auferem pensão (i.e., a não ser pensões de "sobrevivência", ridiculamente pequenas...), o Tribunal não podia ignorar que os 800,00€ de pensão que o arguido recebe são a dividir por "duas bocas".

  41. O que significa que cada um dos membros do agregado familiar do arguido tem um rendimento útil "per capita" inferior a 400,00€.

  42. Assim sendo, parece-nos evidentemente excessivo o "quantum" de 7,50€/dia, em violação do disposto no artigo 47° do CP, o que se invoca.

  43. Devendo o mesmo ser reduzido para 5,00€ dia.

  44. Fixando-se a multa devida pelo agente em 200,00€, uma quantia que se reputa(ria) de adequada e justa, quer à gravidade dos factos, quer à condição económica do agente, e adequada a assegurar a finalidade preventiva da punição (associada que vai ao "shaming" de ter de pagar ao vizinho, i.e., ao facto de ficar "vencido", factor extremamente importante na não prevaricação futura).

  45. As afirmações, a terem sido proferidas, não são especialmente desvaliosas e depreciativas, considerando o contexto sócio-económico em que foram proferidas (a que se soma tratar-se de um meio rural, no qual as mesmas perdem parte do seu conteúdo pejorativo) e a pessoa dos agentes.

  46. O próprio Tribunal "a quo" - e bem - desvalorizou o "medo" sentido pelo assistente, considerando não haver motivos - ou melhor, factos que para aí apontassem - para que este considerasse a sua vida em perigo.

  47. Considerando a prática dos nossos Tribunais, parece-nos que a quantia de 700,00€ é excessiva e desrazoável.

  48. "ln casu", estamos em crer que uma importância em torno dos 400,00€ de indemnização seria suficiente para reintegrar os (eventuais) danos do assistente.

    Termos em que deve dar-se provimento ao recurso revogando-se a decisão recorrida, em conformidade com as conclusões, absolvendo-se o arguido.

    NORMAS VIOLADAS: - artigos 47° e 153° do Código Penal; - artigos 494° e 496°, nº 1, do Código Civil.

    *Respondeu o Ministério Público, pugnando pela improcedência do recurso, sintetizando a sua posição com as seguintes conclusões: Não tendo o...

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