Acórdão nº 2768/08.7TBSTR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 03 de Dezembro de 2009

Data03 Dezembro 2009

S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: PROVIDO Sumário: 1. As decisões administrativas não constituem efectivamente verdadeiras sentenças e a aplicação subsidiária das disposições processuais penais tem de ser analisada de harmonia com a natureza dos processos contra-ordenacionais e da sua especificidade, de forma a que sejam adequadamente compreendidas as exigências contidas no art.58.º do RGCO.

  1. À inobservância do art. 58.º do RGCO deve aplicar-se o regime da nulidade das sentenças e seu suprimento.

  2. Verificando-se a nulidade da decisão administrativa, os autos não deverão ser arquivados e muito menos, ser a arguida absolvida, por via dessa nulidade, mas sim determinar-se o suprimento das omissões que estão na origem dessa nulidade.

    Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora * 1.

    RELATÓRIO S. – …., SA, com sede em…, Santarém, devidamente representada, impugnou judicialmente a decisão administrativa da Inspecção-Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território, proferida em 07.09.2008, no processo de contra-ordenação nº.CO/000…./08, constante de fls.68/75, que lhe aplicou a coima de €1.500,00 (mil e quinhentos euros), acrescida das custas respectivas, pela prática da contra-ordenação p. e p. nos termos dos arts.21º e 43º, nº.1, alínea b), do Dec. Lei nº.97/2000, de 25.05, sancionável com coima de €498,80 a €44.891,81.

    Enviados os autos ao Ministério Público junto do Tribunal Judicial de Santarém, remeteu-os este a juízo, nos termos e para os efeitos do disposto no art.62º do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), aprovado pelo Dec. Lei nº.433/82, de 27.10, na redacção introduzida pelo Dec. Lei nº.244/95, de 14.09, onde lhes foi atribuído o nº…./08.7TBSTR e distribuídos ao ---Juízo Criminal desse Tribunal.

    Neste tribunal, foi proferido despacho, em 13.02.2009, de fls.106/114, segundo o qual se decidiu, nos termos do disposto no art.311º, nº.3, alínea d), do Código de Processo Penal (CPP) ex vi art.41º, nº.1, do RGCO, conhecer da nulidade da decisão administrativa recorrida e concomitantemente da acusação do M.º P:º e da ineptidão desta e, assim, conceder provimento ao recurso interposto pela Arguida, julgar verificada a nulidade da decisão administrativa recorrida, da acusação do Mº Pº e a ineptidão desta, por falta de enunciação dos factos que fundamentam a aplicação da coima (…) e, em consequência (…) não receber a douta acusação do M.ºP.º, absolver a arguida e determinar o arquivamento dos autos.

    Inconformado com a decisão, o Ministério Público interpôs recurso, formulando as conclusões: 1ª A entidade recorrida não indicou a identidade nem concretizou a actuação do agente ou representante da sociedade arguida que no interesse desta violou as normas legais, circunstância decisiva para a afirmação do nexo causal dos factos à arguida e da culpa desta.

    1. A falta de requisitos da decisão administrativa constitui a nulidade prevista no art.379º, n° 1, a), do CPP, ex vi art.41º, nº 1, do RGCO.

    2. O regime das nulidades, quer especial (da sentença), quer geral (art° 118° e ss do CPP) é regido pelo princípio do máximo aproveitamento dos actos processuais, norteado pelo princípio da economia processual, princípio expressamente consagrado no art.122º, n° 3 do CPP.

    3. Enfermando a decisão administrativa de vícios que se traduzem numa nulidade, os efeitos desta são apenas os constantes do art.122º do CPP.

    4. Assim, em obediência a este preceito, competia ao Tribunal declarar a nulidade da decisão recorrida e determinar o reenvio do processo para a autoridade administrativa para nova decisão, a fim de suprir as deficiências indicadas e deste modo respeitar cabalmente o disposto no art.58° do RGCO.

    5. Deste modo, o Tribunal teria dado oportunidade à autoridade administrativa de, tal como previsto no art.122º do CPP, "repetir" o acto e de aproveitar todos os actos que ainda pudessem ser salvos, designadamente, as diligências de investigação na fase de instrução consideradas pertinentes à boa decisão da causa.

    6. Como assim não procedeu, o Tribunal violou o disposto no art.122° do CPP.

    Assim, deverá o Venerando Tribunal da Relação de Évora revogar o douto despacho recorrido na parte em que ordenou o arquivamento dos autos e ordenar a remessa destes à autoridade administrativa recorrida para prolação de nova decisão que respeite os requisitos indicados no art.58° do RGCO, evitando que se mande a arguida em paz, como se a mesma tivesse sido absolvida ou tivesse beneficiado de uma qualquer causa de extinção da responsabilidade contra-ordenacional, o que não foi o caso dos autos, assim se fazendo Justiça.

    A arguida apresentou resposta, concluindo: 1- A decisão da autoridade administrativa, não indicou o órgão, agente ou representante da sociedade arguida que efectivamente praticou a conduta tipificada como contra-ordenação.

    2- E que no interesse desta violou as normas legais, omitindo a enunciação de factos que fundamentam a aplicação da coima em que condena a arguida.

    3- A S… SA, como pessoa colectiva não pode responder isoladamente pela prática de uma contra-ordenação, devendo ser co-responsabilizados os representantes pessoas singulares que efectivamente praticam a contra-ordenação.

    4- A decisão administrativa é nula de acordo com o disposto nos artºs 58º nº 1 alínea b) do Dec Lei 433/82 de 27/10, 374º, nº2 e 379º nº 1 alínea a) do CPP, aplicável por via do artº 41º nº 1 do Dec Lei 433/82.

    5- Enfermando a decisão administrativa de nulidade, acarreta a nulidade da acusação do Mº Pº, a ineptidão da mesma e a rejeição da acusação nos termos do artº 311° nº 3 al d) CPP, aplicável por via do art° 41° nº 1 do Dec Lei 433/82.

    6- O reenvio do processo para o Mº Pº e por via dele para a autoridade administrativa, com o fim de suprir as deficiências indicadas na douta sentença recorrida, como alega o recorrente viola o principio acusatório, sendo que as normas jurídicas do C.P.Penal e do Reg Geral das Contra-Ordenações não permitem o aperfeiçoamento ou correcção das acusações do Mº Pº.

    7- Não violou a sentença recorrida o disposto no art° 122° do CPP.

    Nestes termos e nos mais de Direito deverá o Venerando Tribunal da Relação de Évora, manter a douta sentença recorrida, concedendo provimento ao recurso interposto pela arguida, julgar verificada a nulidade da decisão administrativa, da acusação do Mº Pº e ineptidão desta, em consequência absolver a arguida e determinar o arquivamento dos autos.

    O recurso foi admitido por despacho de fls.147.

    Neste Tribunal da Relação, a Digna Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, no essencial, aderindo integralmente à motivação de recurso apresentada e no sentido de que este merece provimento.

    Cumprido o nº.2 do art.417º do CPP, a arguida nada disse.

    Colhidos os vistos legais e tendo os autos, na sequência do despacho de fls.161, ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

  3. FUNDAMENTAÇÃO O regime dos recursos de decisões proferidas em 1ª.instância, em processo de contra-ordenação, está definido nos art.73º a 75º do referido RGCO, aprovado pelo Dec. Lei nº.433/82, com as sucessivas alterações pelo Dec. Lei nº.356/89, de 17.10, pelo Dec. Lei nº.244/95, pelo Dec. Lei nº.323/2001, de 17.12, e pela Lei nº.109/2001, de 24.12, mormente seguindo a tramitação dos recursos em processo penal – v. nº.4 do seu art.74º -, decorrente do principio da subsidiariedade a que alude o seu art.41º.

    Em conformidade, de acordo o disposto no art.412º, nº.1, do CPP, a que se junta a jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário da Secção Criminal do STJ nº.7/95, de 19.10, publicado in D.R. I-A Série, de 28.12.1995, o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam as previstas no art.410º do mesmo Código.

    No âmbito dos recursos em apreço e constituindo desvio ao princípio geral de que as Relações conhecem de facto e de direito – v.art.428º do CPP -, apenas se conhece, em regra, da matéria de direito, sem prejuízo de alteração da decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido da decisão recorrida ou de anulação e devolução do processo ao mesmo tribunal, conforme dispõe o aludido art.75º.

    Porém, em razão da indicada subsidiariedade do regime processual penal, cumprirá sempre conhecer de vícios a que o legislador impõe a apreciação, desde logo os enunciados no nº.2 daquele art.410º.

    Passando, então, a delimitar o objecto do recurso, tendo em...

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