Acórdão nº 2425/07.1TBVCD.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelSERRA BAPTISTA
Data da Resolução04 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: AGRAVO Decisão: NEGADO PROVIMENTO Sumário : 1. A competência deve ser determinada face à relação jurídica, tal como autor a configura na petição inicial.

  1. As regras comunitárias – in casu, o Regulamento (CE) nº 44/2001, Relativo à Competência Judiciária, ao Reconhecimento e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial – prevalecem sobre as normas nacionais, designadamente as vazadas nos arts 65.º e 65.º-A do CPC.

    É a afirmação do princípio do primado do direito comunitário e da sua prevalência sobre o direito nacional.

  2. Estando-se perante um litígio privado internacional entre duas sociedades comerciais, uma deles sedeada em Portugal e a outra, em Milão, é aplicável, para se aferir da competência/incompetência dos tribunais portugueses, o dito Regulamento, que vincula as jurisdições dos dois Estados, os quais, entre os demais Membros da União, são obrigatoriamente por ele abrangidos.

  3. Tendo a acção por base um relacionamento comercial firmado entre A. e Ré, nela se procurando ver reconhecido um direito indemnizatório por banda daquela, com base na violação de tal contrato, por parte da ré, e tendo as partes convencionado, por escrito, um pacto atributivo de jurisdição, tem aqui aplicação o art. 23.º do Regulamento, sendo competente o Tribunal a quem foi atribuída jurisdição pelas partes.

    Decisão Texto Integral: ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: S... – SERVIÇOS TÊXTIS, S.A. veio intentar acção, com processo ordinário, contra P..., SPA, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 2 500 000, bem como juros legais, aplicáveis às relações comerciais, às taxas em vigor.

    Alegando, para tanto, e em suma: Entre o ano de 2004 e o primeiro semestre de 2005, foram-se desenvolvendo negociações entre A. e R., tendo esta, após ter tomado conhecimento directo das competências e especializações técnicas daquela, proposto à mesma uma relação comercial duradoura, com as características de um contrato de agência e de um contrato de fornecimento de vestuário, com base em encomendas periódicas que faria.

    Tendo sido, nomeadamente, estipulado que a P... faria directamente as encomendas à A., a quem pagaria os preços acordados, relativos a cada uma delas.

    Tal relação comercial compreendia a possibilidade de a P... fornecer as matérias-primas e acessórios de algumas encomendas.

    Ao longo das negociações havidas a A. demonstrou à Ré que teria de alterar a sua estrutura empresarial, para poder cumprir a relação comercial que viessem a firmar, só lhe interessando a relação proposta se a mesma tivesse uma duração não inferior a 5 anos e se o volume de negócios anual fosse de cerca de € 2 500 000.

    Após ter sido firmado o acordo a A. ampliou os seus quadros, com o aumento inerente dos seus custos anuais, tendo a sua capacidade produtiva ficado afectada, em cerca de 2/3, ao serviço da P....

    A relação comercial entre a A. e a R. firmada, começou a ser executada em Junho de 2005 e vigorou normalmente até Fevereiro de 2007.

    Em tal data a P... cortou unilateralmente a relação comercial que firmara com a A., passando a contratar directamente com alguns dos fabricantes que anteriormente executavam as respectivas encomendas por conta da ora demandante e a contratar colaboradoras suas para o controlo da qualidade de fabrico.

    Agindo assim a ré com manifesta má fé.

    Causando danos à A., que melhor descreve na sua p. i. e que estima no montante peticionado.

    Citada a ré, veio a mesma contestar, alegando, também em síntese: Os tribunais portugueses são incompetentes internacionalmente para julgarem a causa.

    Nos contratos celebrados estabeleceu-se a lei italiana como aplicável, querendo, ainda, as partes, por acordo, sujeitar a resolução dos litígios emergentes do seu relacionamento comercial à jurisdição italiana.

    Defende-se, em seguida, por impugnação, pela forma que melhor consta do seu articulado, pugnando, de qualquer modo, pela improcedência da acção.

    Replicou a autora, sustentando a competência internacional dos tribunais portugueses, sendo certo, diz ainda, não estar em causa o incumprimento de uma qualquer prestação essencial, mas a violação de deveres por parte da demandada P..., “que integram o conceito de boa fé, que promovem e tutelam a confiança no comércio jurídico”.

    Foi proferido o despacho saneador, no qual, na procedência da excepção dilatória da incompetência internacional do tribunal, foi a ré absolvida da instância.

    Inconformada, veio a A. interpor, sem êxito, recurso de agravo, para o Tribunal da Relação do Porto.

    De novo irresignada, veio agravar para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões: 1 ª - A relação jurídica processual tem por base uma relação jurídica material configurada pelo autor na petição inicial. Na presente acção, a Autora - ora RECORRENTE configurou a relação material como uma relação jurídica comercial complexa, que teve os seus actos preliminares de formação no ano de 2004, que vigoraria por não menos de 5 anos após a sua formação definitiva, e que foi rescindida unilateralmente pela RECORRIDA em Fevereiro de 2007. Essa relação, como que em forma de "relação-quadro" ou fundamento-base de outras relações, seria executada, ao longo da sua vigência, através de concretos contratos de fornecimento de vestuário, por parte da RECORRENTE à RECORRIDA e de prestação de serviços de confecção de vestuário, também por parte da RECORRENTE à RECORRIDA.

    Na petição, a recorrente não fundou o pedido formulado na violação, por parte da Recorrida, das típicas obrigações contratuais, p. ex., falta de pagamento de preços, mora, etc. A RECORRENTE alegou, sim, a inobservância, por parte da RECORRIDA, dos deveres decorrentes do princípio da boa fé, nomeadamente os da conduta leal, honesta e conscienciosa, a cuja observância ficou adstrita, tanto nos preliminares como na formação e execução da relação contratual.

    1. - O quadro normativo aplicável decorre do disposto dos arts 227°.1, 762°.2, 483°.1 e 562°. e segts. do CC. E, por força do disposto no art. 280°.2 deste Código, a regulação de tais matérias não pode ser feita por via contratual, porque estamos nos domínios da ordem pública. Por isso, a violação dos deveres decorrentes do princípio da boa fé constitui aquele que viola tais princípios em responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana e não em responsabilidade contratual.

    2. - Nas relações contratuais entre pessoas jurídicas de estados membros da União Europeia, as partes podem submeter a dirimição dos conflitos emergentes de relações contratuais estabelecidas entre pessoas jurídicas de 2 ou mais Estados da União ao tribunal arbitral e escolherem o foro competente, por cláusula compromissória (art. 5°.1, b, 11 do Regulamento (CE) nº 44/2001, de 22.12.2000.). Todavia, em matéria extracontratual é competente o tribunal do lugar onde ocorreu o facto danoso (nº 3 do ref. art. 5°.).

    3. - Atento o modo como a RECORRENTE configurou a relação material controvertida, face ao disposto no art. 5°., 3 do Regulamento (CE) 44/2001, o Tribunal Judicial de Vila do Conde é o Tribunal competente para dirimir o presente litígio.

    4. - A decisão recorrida fundou-se no disposto nos...

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