Acórdão nº 172/04.5TBOVR.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Fevereiro de 2010

Magistrado ResponsávelSERRA BAPTISTA
Data da Resolução25 de Fevereiro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : 1. Sendo questão de direito a apreciação da culpa, já é questão de facto a apreciação daqueles factos que à mesma estão subjacentes. Entroncando nos parâmetros da matéria de facto, assim subtraída à apreciação e censura deste Supremo Tribunal, a dinâmica do acidente, o modo discursivo como ele evoluiu e se consumou.

Sendo matéria de direito o juízo que envolve a aplicação e determinação de regras legais, pois quando a lei torna dependente da inobservância de deveres gerais de diligência a responsabilidade do agente, a decisão sobre essa observância ou inobservância traduz-se na aplicação de uma regra legal, portanto numa decisão sobre matéria de direito, como tal cabendo na competência deste Tribunal de revista.

  1. Tem constituído entendimento corrente deste Tribunal, que o lesado que fica a padecer de determinada incapacidade permanente – sendo a força de trabalho um bem patrimonial, uma vez que propicia rendimentos, tal incapacidade permanente é, consequentemente, um dano patrimonial – tem direito a indemnização por danos futuros, danos estes a que a lei manda expressamente atender, desde que sejam previsíveis (art. 564.º, nº 2 do CC).

  2. Sendo a incapacidade permanente indemnizável, quer acarrete para o lesado uma diminuição efectiva do seu ganho laboral, quer lhe implique apenas um esforço acrescido para manter os mesmos níveis dos seus proventos profissionais.

  3. Entende-se como ajustada a quantia de € 150 000 à indemnização por danos patrimoniais futuros de um jovem que, à data do acidente tinha 22 anos de idade e auferia, como trolha a quantia de € 750, acrescido de rendimento mensal não apurado com o exercício da pesca aos fins-de-semana, tendo o mesmo ficado, em consequência do sinistro, impossibilitado de exercer a sua actividade profissional habitual e com uma IPG de 60%, acrescida de 5% a título de dano futuro.

  4. Entende-se como adequada à indemnização dos danos patrimoniais a quantia de € 60 000, tendo o autor, antes jovem saudável e activo, ficado limitado na sua mobilidade, com cefaleias, perturbações mnésicas, alterações do sono, parésia e atrofia do membro superior direito, fistula vesical cutânea, bexiga neurogénica e perturbações da função sexual e ejaculatória, tendo ainda sofrido dores, períodos de internamento e cirurgias.

Decisão Texto Integral: ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: AA veio intentar acção, com processo ordinário, contra FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL, adiante designado de FGA e COMPANHIA DE SEGUROS AÇOREANA, S.A., pedindo a condenação da 1ª ré a pagar-lhe a quantia de € 310 870, acrescida de juros de mora, bem como, e subsidiariamente, a condenação da 2ª ré ao pagamento da mesma quantia e juros.

Alegando, para tanto, e em suma: Nas condições de tempo, lugar e modo melhor descritas na sua p. i., ocorreu um acidente de viação, no qual foram intervenientes o motociclo, de matrícula ...-...-FE, conduzido por BB, no qual o A. se fazia transportar, o veículo HX-...-..., conduzido por CC e o veículo ...-...-HD, conduzido pelo seu proprietário, DD.

O acidente poderá ter ocorrido por culpa do condutor do FE.

Podendo ainda ter ocorrido para o sinistro a actuação negligente do condutor do HD.

Quer o FE, quer o HD não tinham seguro válido.

O HX tinha transferido a sua responsabilidade civil para a segunda ré.

Devido ao acidente o A. sofreu danos, de natureza patrimonial e não patrimonial, que também melhor discrimina, no montante peticionado.

Citados os réus, vieram contestar.

Tendo a AÇOREANA alegado, também em síntese: Nenhuma culpa pode ser assacada ao veículo nela seguro.

Não tendo conhecimento dos danos alegados, sempre o valor por eles reclamado é muito exagerado.

Dizendo o FGA: É parte ilegítima, por não estar acompanhado dos alegados responsáveis civis: o condutor do motociclo FE (ou os seus sucessores, já que o mesmo terá falecido), o proprietário do mesmo (R...D...de P...G...) e o condutor e proprietário do HD (DD).

Desconhece as circunstâncias em que ocorreu o acidente.

A fls 68, veio o FGA requerer a apensação a estes autos daqueles que também correm no mesmo Tribunal de Ovar, referentes ao acidente dos autos.

Veio o A. requerer a intervenção principal provocada da ZURICH – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., seguradora do veículo ...-...-EP, o qual, na tese dos RR, pode ter responsabilidade no sinistro, bem como de R...D...de P...G... e de DD.

Por despacho de fls 89 e ss foi decidido:

  1. Julgar improcedente o incidente deduzido pelo A. de intervenção principal provocada da "Zurich (...)" e de R...D...de P...G...; b) julgar procedente o mesmo incidente no que concerne a DD; c) convidar o A. a vir aos autos em 10 dias suscitar a intervenção principal provocada da Herança Jacente de BB, representada pelos seus herdeiros, ou destes, consoante o caso, juntando ainda e em qualquer caso certidão do assento de óbito do falecido condutor do "FE".

    A fls 99, veio o FGA dar notícia de outras acções respeitantes ao mesmo acidente, desistindo do pedido de apensação formulado, para que a mesma tenha lugar em relação a uma outra acção, que identifica, mais antiga.

    A fls 113 veio o A. suscitar a intervenção principal provocada dos únicos sucessores do falecido BB.

    O chamado DD veio contestar, alegando ter transferido a sua responsabilidade por danos causados a terceiros com o veículo para a COMPANHIA DE SEGUROS IMPÉRIO, S.A., sendo, por isso, parte ilegítima na acção. Nenhuma culpa lhe pode assacada no acidente. Sendo a mesma, em exclusividade, do infeliz BB.

    Os chamados sucessores do BB não responderam.

    A fls 190 veio o A. requerer a intervenção provocada da IMPÉRIO BONANÇA – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., já que teve entretanto conhecimento que a mesma era seguradora do HD.

    Tendo desistido da instância em relação ao réu DD.

    Que foi homologada por despacho de fls 303.

    Por despacho de fls 204 foi admitida a intervenção principal provocada da IMPÉRIO.

    A qual veio contestar, alegando, também em suma: Desconhece o circunstancialismo exacto em que terá ocorrido o acidente.

    E, aderindo à defesa antes também apresentada pelo seu segurado DD, sustenta que nenhuma culpa pode ao mesmo ser assacada.

    Foi proferido despacho saneador, no qual e alem do mais, foram as partes consideradas legítimas. Tendo sido fixados os factos tidos por assentes e organizada a base instrutória.

    Inconformado, com a parte do despacho saneador que o considerou parte legítima, veio o FGA dele interpor recurso, tendo o mesmo sido recebido como de agravo, com subida diferida, nos autos.

    A fls 568 veio o FGA desistir do agravo já que desconhecia, sem culpa sua, que a herança do BB havia sido citada para os autos.

    Realizado o julgamento, foi decidida a matéria de facto da base instrutória pela forma que do despacho junto de fls 597 a 602 consta.

    Foi proferida a sentença, a qual, julgando a acção parcialmente procedente:

  2. Absolveu as Rés Companhia de Seguros Açoreana, SA e Império-Bonança Companhia de Seguros, SA do pedido.

  3. Condenou solidariamente o Fundo de Garantia Automóvel e a herança aberta por óbito de BB (representada pelos seus filhos menores R...D...de S...P... e B...F...de S...P....) - mas, esta, com a limitação prescrita pelo art. 2068° do CC – a pagar ao Autor J...A...F...C...da S... o montante de € 68.250,00 (sessenta e oito mil, duzentos e cinquenta euros), acrescido de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação até efectivo e integral pagamento, o montante de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), acrescido de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a presente data até efectivo e integral pagamento, a título de indemnização de danos patrimoniais, para além da quantia de € 60.000,00 (sessenta mil euros), a título de reparação de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a presente data até efectivo e integral pagamento.

    Inconformado, veio o FGA interpor, sem êxito, recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto.

    De novo irresignado, veio o mesmo réu FGA pedir revista a este Supremo Tribunal de Justiça, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões: 1ª - Da matéria de facto considerada provada pelas instâncias, pode concluir-se que ambos os motociclos contribuíram com culpa na produção do acidente; 2ª - O tribunal, na decisão, refere-se ao veículo EP de forma fugaz e lateral, não apreciando a sua concreta intervenção e contribuição para a produção do acidente em discussão nos presentes autos; 3ª - Dos factos provados pode concluir-se que o acidente se consubstanciou numa sucessão de embates; 4ª - Para essa sucessão de embates contribuíram de forma decisiva os condutores dos motociclos que circulavam "colados" e a mais de 120 km/h; 5ª - Os motociclos procediam à ultrapassagem, sucessiva, dos veículos que os precediam; 6ª - Ou seja, a conduta de ambos os condutores dos motociclos era temerária e violadora dos ditames do Código da Estrada; 7ª - Também o condutor do veículo EP contribuiu com culpa para a produção do acidente; 8ª - A quantia fixada a título de indemnização por danos patrimoniais (lucros cessantes) e não patrimoniais reputa-se exagerada; 9ª - Provado que está que o autor auferia uma remuneração de €: 750,00, bem como a IPP de 65% poderá o autor ter direito à indemnização a título de lucros cessantes; 10ª - Os factos considerados pelo tribunal a quo não foram objecto de um adequado juízo de equidade; 11ª - Entende o Recorrente que a indemnização fixada a título de dano patrimonial pela perda da capacidade de ganho do A. não deveria ir além dos €: 120.000,00; 12ª - Quanto ao dano não patrimonial, deverá o mesmo ser reduzido para quantia não superior a €: 35.000,00; 13ª -A douta sentença violou, por isso, o disposto nos artigos 483.º e 487.º n.º 2 do Código Civil.

    O autor recorrido contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido.

    Corridos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar e decidir.

    * Vem dado como PROVADO:

    1. No dia 18 de Fevereiro de 2001...

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