Acórdão nº 387/09.0YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Fevereiro de 2010

Magistrado ResponsávelSOUSA GRANDÃO
Data da Resolução03 de Fevereiro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I - A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da decisão relativa à matéria de facto, pressupõe uma suposta violação das regras atinentes ao direito probatório material, tendo a mesma lugar, não só quando as instâncias hajam infringido um concreto preceito que exija determinado meio de prova para a verificação do facto, mas também, naquelas situações em que são as próprias instâncias a afirmar a exigência legal desse acrescido grau de segurança na produção da prova, actuando, assim, os poderes correctivos do Supremo sempre que se questione a exigência, ou não, dessa prova tabelada, pois em ambas as situações está em causa uma pura interpretação das regras probatórias atendíveis (art.s 722.º, nº 2 e 729.º, n.º 2 do CPC).

II - Em 2003, na celebração de contrato de trabalho com a Administração Pública, regia o D.L. n.º 427/89, de 7 de Dezembro (alterado pelo D.L. n.º 218/98, de 17 de Julho) que, no referente ao contrato de trabalho a termo certo, estabelecia, como princípios nucleares: (i) o contrato de trabalho a termo certo nunca se converteria em contrato sem termo; (ii) a eventual renovação do vínculo, com a duração máxima de dois anos, pressupunha a sua obrigatória comunicação por escrito ao trabalhador, com a antecedência mínima de 30 dias relativamente ao termo do prazo convencionado, sob pena de caducidade.

III - Com a publicação da Lei n.º 23/2004, de 22 de Julho, que procedeu à revogação do D.L. 427/89, foi mantido o princípio da não convertibilidade do contrato de trabalho a termo em contrato de trabalho por tempo indeterminado e, em matéria de renovação do vínculo, apenas se estabeleceu que tais contratos não estão sujeitos a renovação automática, guardando-se absoluto silêncio sobre as formalidades a que tal renovação passaria a estar sujeita.

IV - Esse silêncio não configura um desvio relativamente ao quadro normativo anterior, mantendo-se a exigência, para a eventual renovação do contrato, da comunicação escrita nesse sentido, por banda do empregador, uma vez que o regime instituído pela Lei 23/2004 toma por base a disciplina consagrada pelo Código do Trabalho, sem embargo das especificidades que expressamente consagra, sendo que o legislador, naquela Lei, ao contrário do que faz no âmbito do Código do Trabalho – onde assume uma vontade pressuposta das partes no sentido de que, nada dizendo no final do prazo convencionado para a duração do vínculo, este se renova sem mais, prolongando-se por período igual ao inicialmente previsto – assume que a vontade das partes aponta para a cessação do vínculo no final do período aprazado, equivalendo o seu silêncio à caducidade da contratação.

V - A coerência do sistema, não olvidando a natureza supletiva do Código do Trabalho, aponta para que a vontade das partes, sempre que seja divergente da vontade pressuposta pelo legislador, tenha que ser assumida de forma insofismável e, mais precisamente, através de declaração escrita.

VI - Não são transponíveis para o regime estabelecido pela Lei 23/2004 as razões que ditaram a regra contida no art. 140.º, n.º 3 do Código do Trabalho de exigir a forma escrita sempre que a renovação do vínculo seja feita por prazo diferente do inicial, uma vez que essa regra está em consonância com o princípio nuclear da renovação automática e “por igual período” – pelo que se essa renovação divergir quanto a um elemento da contratação precária, como é o prazo da duração do vínculo, logo se percebe a exigência legal da sua redução a escrito – princípio esse que não vigora no regime da Lei 23/2004, onde rege o princípio da caducidade do vínculo.

VII - As exigências de forma prendem-se com a necessidade de assegurar uma maior ponderação na declaração negocial emitida pelas partes: se, no regime geral, o legislador enuncia essa exigência quando os contratantes pretendem transmitir uma vontade contrária àquela que pelo mesmo foi ficcionada ao estabelecer o princípio da renovação automática, por maioria de razão, se impõe essa exigência no regime definido pela Lei 23/2004, sempre que as partes pretendam aqui um efeito contrário à vontade pressuposta da caducidade do vínculo, tanto mais que, aqui, estamos em presença de um órgão da Administração Pública, o que não deixará de aconselhar, em nome do interesse colectivo, uma acrescida ponderação.

VIII - Acresce que os desvios consagrados na Lei 23/2004, relativamente ao regime geral, apontam, todos eles, no sentido de uma maior exigência e controlo na formação, manutenção e cessação do contrato de trabalho a termo envolvendo entidades públicas, de que são paradigma os princípios da não renovação automática do convénio e da sua não convertibilidade, em caso algum, em contrato por tempo indeterminado.

IX - E mal se compreenderia que tendo a entidade pública de manifestar necessariamente a vontade de renovação na altura do termo do contrato, mesmo que haja pré-figurado “ab initio” esse desiderato, o possa então fazer por forma diferente daquela que teve de observar na primitiva contratação, tanto mais que a declaração escrita será a única forma de garantir que a Administração controla, efectivamente, o tipo de contratação que realiza, ponderando, no momento convencionado para o termo do vínculo, a eventual necessidade de o manter.

X - Este entendimento é, ainda, confortado com a regra estabelecida, em termos expressos, no âmbito da Lei 59/2008, de 11 de Setembro que aprovou o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, segundo a qual a renovação do contrato a termo certo está sujeito à forma escrita (art. 104.º, n.º 3), pois foi, aqui, intento do legislador fazer uma regulação auto-suficiente daquele regime, dispensando a aplicação subsidiária do Código do Trabalho.

XI - Concluindo-se que, em face do regime estabelecido na Lei 23/2004, era exigível a forma escrita para a renovação do contrato a termo celebrado entre A. e R. (entidade pública), à míngua do documento que demonstrasse essa renovação, tinha de ser eliminada, do acervo factual, a existência da mesma, como foi decidido pela Relação.

XII - Não estando demonstrada a renovação do contrato a termo celebrado entre A. e R., o mesmo caducou na data estabelecida para o seu termo (3/2/2005), pelo que a relação laboral que persistiu entre as partes após essa data só pode ser qualificada como contrato de trabalho por tempo indeterminado, embora inválido por falta de forma escrita (art. 8.º, n.º 1 da Lei 23/2004).

XIII - Tal contrato, apesar de nulo, produziu, todavia, efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução, por força do disposto no art.º 115.º, n.º 1 do Código do Trabalho, o mesmo sucedendo quanto aos seus efeitos extintivos, nos termos do art. 116.º do mesmo código, ou seja, o contrato ficciona-se como válido para efeitos de se ajuizar da legalidade da sua cessação, quando esta ocorra antes do mesmo ter sido declarado nulo ou anulado.

XIV - Assim, tratando-se de um contrato sem termo que o R. fez cessar unilateralmente sem prévia instauração de processo disciplinar, sem justa causa e sem invocar a nulidade do mesmo, essa forma de cessação não pode deixar de ser tida como um despedimento ilícito, com as consequências legais daí decorrentes.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório AA propôs, no Tribunal do Trabalho de Almada, a presente acção contra os SMAS – Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Almada pedindo, em resumo, que, reconhecida a ilicitude do despedimento de que foi alvo em 3 de Fevereiro de 2006, fosse o réu condenado a reintegrá-lo e a pagar-lhe a quantia de € 2 710,26 referente à retribuição e ao subsídio de férias vencidas em 1 de Janeiro de 2006 e a três dias de férias não gozadas em 2005, bem como a indemnização por danos patrimoniais correspondente às retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença e a indemnização por danos não patrimoniais em montante nunca inferior a € 5 000,00.

E, subsidiariamente, pediu que, declarada a nulidade do contrato, fosse o réu condenado a indemnizá-lo, nos termos do artigo 483.º e seguintes do Código Civil, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, em montante nunca inferior a € 20 000,00.

Em resumo, o autor alegou o seguinte: - esteve ao serviço do réu desde 3 de Junho até 31 de Dezembro de 2002, a exercer funções de Eng.º Mecânico, ao abrigo de um Acordo de Actividade Ocupacional, tendo permanecido ao serviço do réu durante o mês de Janeiro de 2003, sem qualquer contrato; - em 3 de Fevereiro de 2003, foi novamente admitido ao serviço do réu, para exercer a actividade profissional correspondente à categoria de Eng.º de 2.ª classe do pessoal técnico superior, sob as ordens, direcção e fiscalização do réu, mediante a celebração de um contrato de trabalho a termo certo, pelo prazo de um ano; - tal contrato foi renovado por duas vezes, em 03.02.2004 e em 03.02.2005; - o autor auferia ultimamente a retribuição mensal de € 1 268,64; - por carta registada datada de 1 de Fevereiro de 2006, que ele, autor, recebeu no dia seguinte, o réu comunicou-lhe a “caducidade do contrato de trabalho a termo certo resolutivo”, a partir de 3 de Fevereiro de 2006; - sucede, porém, que o réu não cumpriu os requisitos previstos no art. 10.º, n.º 4, do D.L. n.º 427/89, de 7 de Dezembro, relativos à renovação do contrato, uma vez que não lhe comunicou a sua intenção de o renovar a partir de 3 de Fevereiro de 2004; - dada essa falta de comunicação, o contrato de trabalho a termo certo caducou em 2 de Fevereiro de 2004, pelo que a sua manutenção ao serviço, após aquela data, ocorreu ao abrigo de um contrato de trabalho sem termo; - por essa razão, a comunicação de caducidade do contrato que lhe foi enviada pelo réu em 1 de Fevereiro de 2006 corresponde a um despedimento ilícito, por inexistência de processo disciplinar e de justa causa; -...

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