Acórdão nº 238/08.2JAAVR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Janeiro de 2010

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA MENDES
Data da Resolução06 de Janeiro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: NEGADO PROVIMENTO Sumário : I - A qualificação do homicídio assenta num especial tipo de culpa, num tipo de culpa agravado, traduzido num acentuado desvalor da atitude do agente, que tanto pode decorrer de um maior desvalor da acção, como de uma motivação especialmente reprovável.

II - No n.º 2 do art. 132.º indiciam-se circunstâncias susceptíveis de revelar especial censurabilidade ou perversidade, ou seja, elementos indiciadores da ocorrência de culpa relevante, cuja verificação, atenta a sua natureza indiciária, não implica, obviamente, a qualificação automática do homicídio, isto é, sem mais. Qualificação que, por outro lado, atenta a natureza exemplificativa das referidas circunstâncias, o que claramente resulta da lei, concretamente da expressão entre outras, pode decorrer da verificação de outras situações valorativamente análogas às descritas no texto legal, sendo certo, porém, que a ausência de qualquer das circunstâncias previstas nas als. a) a m) do n.º 2 do art. 132.º, constitui indício da inexistência de especial censurabilidade ou perversidade do agente, ou seja, indica que o caso se deve subsumir no art. 131.º (homicídio simples).

III - As circunstâncias em questão são, assim, não só um indício, mas também uma referência; circunstâncias que, não fazendo parte do tipo objectivo de ilícito, se devem ter por verificadas a partir da situação tal qual ela foi representada pelo agente, perguntando se a situação, tal qual foi representada, corresponde a um exemplo-padrão ou a uma situação substancialmente análoga; e se, em caso afirmativo, se comprova uma especial censurabilidade ou perversidade do agente.

IV - A circunstância qualificativa prevista na parte final da al. e) do n.º 2 do art. 132.º do CP – motivo fútil – destina-se a tutelar situações em que o agente se determine por mesquinhez, frivolidade ou insignificância, ou seja, por motivo gratuito.

V - No caso em que o arguido formou o propósito de tirar a vida à ofendida por não se haver conformado com o rompimento da relação de namoro existente entre ambos há que afastar liminarmente a verificação da circunstância qualificativa motivo fútil.

VI - Por outro lado, apenas se provou que o arguido, na sequência do termo da referida relação de namoro, o que sucedeu no dia 20-07-2008, por não se conformar com isso, formou o propósito de tirar a vida à vítima, evento que veio a ocorrer na manhã do dia 22-07-2008, o que significa que se desconhece o momento em que o arguido formou a intenção de matar, pelo que também há que afastar a verificação da circunstância qualificativa da premeditação, ou seja, da circunstância prevista na parte final da al. j) do n.º 2 do art. 132.º do CP.

VII - A circunstância da frieza de ânimo traduz-se numa actuação calculada, reflexiva, em que o agente toma a deliberação de matar e firma a sua vontade de modo frio, denotando sangue frio e alguma indiferença ou insensibilidade perante a vítima, ou seja, quando o agente, tendo oportunidade de reflectir sobre a sua intenção ou plano, ponderou a sua actuação, mostrando-se indiferente perante as consequências do seu acto.

VIII - O quadro factual provado revela que o arguido é portador de anomalia psíquica, caracterizada por fases depressivas, com debilidade mental ligeira e alterações comportamentais, que se expressam através de agitação motora e agressividade, apresenta fragilidades a nível afectivo e emocional e já tentou suicidar-se duas vezes (a última das quais na sequência dos factos delituosos objecto dos autos), do que decorre que, embora imputável, o arguido é portador de anomalia que de algum modo afecta a sua capacidade de entender e de se determinar, circunstância que não pode deixar de influir no juízo de culpa sobre o seu comportamento delituoso, neutralizando a aparência calculista, reflexiva e insensível da conduta assumida, de forma a considerar-se por não verificada a ocorrência de frieza de ânimo, a significar que o crime efectivamente cometido é o do art. 131.º do CP.

Decisão Texto Integral: * Acordam no Supremo Tribunal de Justiça No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 238/08. 2JAAVR, do Juízo de Média Instância Criminal, da comarca do Baixo Vouga, AA, com os sinais dos autos, foi condenado como autor material, em concurso real, de um crime de homicídio e de um crime de detenção de arma proibida nas penas de 14 anos e 1 ano e 6 meses de prisão, respectivamente, e, em cúmulo jurídico, na pena conjunta de 14 anos e 6 meses de prisão (1).

Na parcial procedência do pedido de indemnização civil deduzido contra o arguido, foi este condenado a pagar à demandante BB a importância de € 25.000,00, acrescida de juros de mora contados a partir da prolação do acórdão.

Interpôs recurso o Ministério Público.

É do seguinte teor o segmento conclusivo da respectiva motivação: 1. O arguido agiu por ciúmes, o que não é motivo para medianamente se poder explicar ou atenuar a sua conduta, pelo que se poderá afirmar que o mesmo agiu determinado por motivo fútil, à luz do conceito consagrado no artigo 132º, n.º 2, alínea e), do Código Penal.

  1. A actuação por ciúme não é incompatível com a existência de frieza de ânimo e foi essa a actuação do arguido (Neste sentido – Ac. do S.T.J. de 07.05.95, in C.J., STJ, III, 2, 201.

  2. O arguido revelou frieza de ânimo e sangue frio na preparação e na persistência da reflexão sobre a intenção de matar, o que constitui atitude e personalidade perversa e altamente censurável por parte do arguido (Neste sentido Ac. S.T.J. de 21.01.09, proferido no P. 08P4030, in www.dgsi.pt.

  3. Com efeito, tendo a vítima assumido unilateralmente o termo da relação de namoro, que durara dois anos, o que aconteceu dois dias antes do crime, vingativamente, no dia seguinte apresenta-se em cada da vítima, para levar consigo as ofertas pessoais que lhe fizera durante esse período.

  4. Mais uma vez revelou absoluto desrespeito pela liberdade de comportamento e de escolha da vida afectiva, por parte da vítima, e sobrepôs o seu sentimento pessoal ao dever de respeito pela liberdade de escolha que ela detinha sobre a sua própria vida.

  5. Essa atitude não pode merecer por parte do direito uma valoração positiva, antes agrava a culpa, pelo desprezo que evidencia pelos valores fundamentais ligados à pessoa humana. Neste sentido – Ac. S.T.J. de 24.04.09, proferido no P. 43/07.OPAMAI, in www.dgsi.pt.

  6. O arguido desde as 22 horas da véspera do crime persistiu na reflexão sobre a intenção de matar e durante essa noite, sem dormir, resolveu matar a sua namorada.

  7. Pegou na...

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