Acórdão nº 328/06.6GTLRA.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Dezembro de 2009

Data17 Dezembro 2009
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: PROVIDO Sumário : I - O momento temporal decisivo para o estabelecimento da relação de concurso (ou a sua exclusão) é o trânsito em julgado de qualquer das decisões, sendo esse o momento em que surge, de modo definitivo e seguro, a solene advertência ao arguido.

II - O trânsito em julgado obstará a que com essa infracção ou outras cometidas até esse trânsito, se cumulem infracções que venham a ser praticadas em momento posterior a esse mesmo trânsito, que funcionará assim como barreira excludente, não permitindo o ingresso no círculo dos crimes em concurso, dos crimes cometidos após aquele limite.

III - A consideração numa pena única de penas aplicadas pela prática de crimes cometidos após o trânsito em julgado de uma das condenações em confronto parece contender com o próprio fundamento da figura do cúmulo jurídico, para cuja avaliação se faz uma análise conjunta dos factos praticados pelo agente antes de sofrer uma solene advertência.

IV - A primeira decisão transitada é, assim, o elemento aglutinador de todos os crimes que estejam em relação de concurso, demarcando as fronteiras do círculo de condenações objecto de unificação. A partir desta barreira inultrapassável afastada fica a unificação, formando-se outras penas autónomas, de execução sucessiva, que poderão integrar outros cúmulos.

V - A partir desta data, em função dessa condenação transitada deixam de valer discursos desculpabilizantes das condutas posteriores, pois que o arguido tendo respondido e sido condenado em pena de prisão por decisão passada em julgado, não pode invocar ignorância acerca do funcionamento da justiça penal, e porque lhe foi dirigida uma solene advertência, teria de agir em termos conformes com o direito, afastando-se das anteriores condutas. Persistindo, se se mostrarem preenchidos os demais requisitos, o arguido poderá, inclusive, ser considerado reincidente.

VI - Esta data marca ainda o fim de um ciclo e o início de um novo período de consideração de relação de concurso para efeito de fixação de pena única. A partir de então, havendo novos crimes cometidos desde tal data, conquanto que estejam em relação de concurso, terá de ser elaborado com as novas penas um outro cúmulo, e assim, sucessivamente.

VII - A pena extinta não deixa de integrar o cúmulo. Questão diferente será a de saber se o cumprimento de uma pena de substituição como é a suspensa, deverá ser descontada, afigurando-se-nos que a resposta deverá ser negativa, por não estar em causa privação de liberdade e o desconto só operar em relação a medidas ou penas privativas de liberdade.

VIII - Se os crimes julgados nos processos A e B não estão em concurso com os julgados no processo C, uma vez que aqueles foram cometidos já após o trânsito em julgado da condenação no processo D, e onde foi julgado crime contemporâneo dos crimes julgados no processo C, não pode haver lugar à realização de cúmulo de penas, porquanto tal representaria a realização de um cúmulo “por arrastamento”, mas apenas de cúmulos jurídicos sucessivos, cuja realização demandará necessariamente prévia recolha dos elementos indispensáveis, como as indicações sobre cumprimento de pena, atento o disposto no art. 78.º, n.º 1, do CP.

IX - Enferma de nulidade, o acórdão em que se procede à realização de cúmulo por arrastamento e, bem assim, por omissão de pronúncia, ao não ponderar a possibilidade de as penas extintas poderem integrar o mencionado cúmulo, havendo de revogar-se, por violação do disposto nos arts. 77.º, n.º 1 e 78.º, n.º 1, do CP.

Decisão Texto Integral: No âmbito do processo comum colectivo n.º 328/06.6GTLRA do Tribunal Judicial da Comarca da Nazaré, integrante do Círculo Judicial de Alcobaça, foi realizado cúmulo jurídico de penas aplicadas ao arguido AA, solteiro, empregado de balcão, nascido em 15.09.1970, natural da freguesia de Santa Maria Maior, Concelho do Funchal, residente na Rua Canto n° ..., 1º Esquerdo, em Aveiro, actualmente detido no Estabelecimento Prisional de Coimbra.

Por acórdão de 14 de Maio de 2009, de fls. 433 a 441, foi deliberado condenar o arguido, em cúmulo jurídico das penas parcelares referenciadas de a) a c), ou seja, das penas aplicadas nos processos n.ºs 1552/05.4PBAVR, 1800/06.3TAAVR e 328/06.6GTLRA (os presentes autos), na pena única de 12 anos e 7 meses de prisão.

Inconformado, o Ministério Público - Procurador da República junto do Círculo Judicial de Alcobaça - interpôs recurso, apresentando a motivação de fls. 450 a 462, que remata com as seguintes conclusões (em transcrição): 1 - Nos presentes autos o arguido foi condenado, por acórdão de 14/5/2009, em cúmulo jurídico, na pena única de 12 anos e 7 meses de prisão.

2 - Em tal pena foram englobadas penas parcelares, todas de prisão, aplicadas no âmbito dos processos: - 1552/05.4PBAVR, do 2º Juízo Criminal de Aveiro (factos ocorridos entre 19/5/2005 e 14/9/2005), por acórdão transitado em 22/2/2007 (cfr. fls 2 do acórdão, nomeadamente); - 1800/06.3TAAVR, do 1º juízo Criminal de Aveiro (factos ocorridos em 29/7/2006), por sentença transitada em 15/10/2007 (cfr. fls. 1 do acórdão, nomeadamente); - 328/06.6GTLRA, do Tribunal da comarca da Nazaré (os presentes autos) - factos ocorridos em 30/6/2006 -, por sentença transitada em 23/5/2008 (cfr. fls. 1 do acórdão, nomeadamente).

3 - Como resulta do teor do acórdão, o tribunal entendeu que haveria concurso, para efeito de cúmulo jurídico das respectivas penas, entre os crimes apreciados no âmbito dos presentes autos e no âmbito dos dois outros processos citados, já que todos tiveram lugar antes do trânsito, primeiramente ocorrido (em 22/2/2007), das diversas decisões indicadas.

4 - Com o sistema de cúmulo jurídico visou-se evitar acumulação material de penas, aplicando-se uma pena única (ou conjunta), ponderando todo o percurso criminoso do arguido possível (o que respeita aos crimes em concurso, para efeito do cúmulo jurídico das penas), bem como a respectiva personalidade.

5 - Marco a relevar para a determinação da possibilidade de formação de cúmulo jurídico de penas é o do "trânsito em julgado da condenação pelo primeiro crime" potencialmente em concurso.

6 - Aliás, é, também, esse o marco reiteradamente evidenciado pelo STJ.

7 - Não poderá, assim, haver cúmulo entre penas relativas a crimes praticados antes após a referida primeira condenação transitada.

8 - A partir dela existirá, sim, sucessão de crimes e de penas, estas, eventualmente, a cumular também entre si.

9 - No caso, o tribunal devia ter levado em conta que do crc do arguido consta condenação, transitada - de 19/5/2006, no âmbito do processo 1466/05.8TAAVR -, do mesmo, na pena de 6 meses de prisão, já cumprida, 10 - A qual impedirá a inclusão, no cúmulo, das penas correspondentes aos crimes apreciados no processo 1552/05.4PBAVR (por factos anteriores àquela condenação, ao contrário dos respeitantes aos dois outros processos).

11 - A posição do tribunal traduziu-se na efectivação de um cúmulo entre penas aplicadas em três processos, quando algumas delas - as aplicadas no processo 1552/05.4PBAVR - respeitam a crimes que não estão em concurso com os apreciados nos outros dois processos (estes em concurso entre si, já que cometidos após a primeira decisão transitada, mas antes da segunda decisão transitada - a ocorrida, em 15/10/2007, no processo 1800/06.3TAAVR).

12 - As penas aplicadas no âmbito do processo 1552/05.4PBAVR deverão ser cumuladas com a aplicada no âmbito do processo 1466/05.8TAAVR, a confirmar-se o teor do seu crc.

13 - Nos presentes autos deverão ser cumuladas, ainda, as penas nele aplicadas e as aplicadas no processo 1800/06.3TAAVR.

14 - A perfilhar-se o entendimento do M. Público, poderia argumentar-se que não caberia na competência do tribunal colectivo a aplicação, ao arguido, da pena conjunta relativa ao cúmulo das penas parcelares - de 3 meses, 1 mês e 11 meses de prisão - aplicadas nos presentes autos e no processo 1800/06.3TAAVR.

15 - Na verdade, não sendo aplicável, ao arguido, pena superior a 5 anos de prisão, caberia, em princípio, ao tribunal singular a realização do cúmulo jurídico das citadas penas parcelares (arte. 77°.2 do C. Penal e 47T.1 e 14°.2 al. b) do CPP).

16 - De igual modo, e não havendo concurso entre os crimes apreciados nos processos identificados em 13 e os apreciados nos processos 1466/05.8TAAVR e 1552/05.4PBAVR, ambos da comarca de Aveiro, poderia, também, argumentar-se que o cúmulo a efectuar entre as penas destes últimos deveria ter lugar no âmbito do processo 1552/05.4PBAVR (o da última condenação, das duas em concurso), tendo em conta o disposto no art. 471°.2 do CPP.

17 - Porém, "... a competência do colectivo ... é fixada precisamente naquele momento processual ["convocação" do tribunal para a fixação do cúmulo, face à pena potencialmente aplicável] mantendo-se estabilizada até à decisão final", e 18 - "O tribunal [que] pode o mais pode o menos e, por isso, v.g., se o tribunal colectivo podia aplicar pena de prisão superior a cinco anos pode também aplicar pena inferior".

19 - A questão da eventual incompetência territorial do tribunal a quo para o conhecimento do concurso entre os crimes apreciados nos processos 1466/05.8TAAVR e 1552/05.4PBAVR, ambos da comarca de Aveiro, no âmbito dos presentes autos (que não estão em concurso com os restantes) é de afastar, já que ficou sanada com a realização da audiência (arts. 471°.2 e 32°.2 al. b) do CPP).

20 - O Tribunal da Nazaré, ao realizar o cúmulo ora impugnado, englobando, nele, as penas aplicadas, no âmbito do processo 1552/05.4PBAVR, pelo 2° Juízo Criminal de Aveiro, "assumiu" a competência deste, como tribunal da última condenação, para o cúmulo de tais penas com a do processo 1466/05.8TAAVR.

21 - Assim, o tribunal a quo deverá (caso sejam confirmados os dados do crc do arguido relativos ao processo 1466/05.8TAAVR, com base em certidão a solicitar ao tribunal respectivo) efectuar não um só cúmulo - entre as penas aplicadas nos...

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