Acórdão nº 540/08.3GCALM.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Novembro de 2009

Data04 Novembro 2009
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE Sumário : I - É reincidente o arguido que havia sido condenado em pena de prisão superior a 6 meses e entre essa condenação e a sequente, excedente, também a 6 meses, se entre ambas não mediou mais de 5 anos (art.º 76.º, n.º 1, do CP), afastando aquilo a que se chama de prescrição de reincidência, por revelar que as condenações anteriores não serviram para o afastar do crime, não se deixando contramotivar eticamente por elas, avultando no seu percurso vital “indícios de maior perigosidade”, fazendo-se sentir, em tal caso, necessidades acrescidas de prevenção.

II- Por outro lado, sendo visível que o arguido, coexiste, sem constrangimento, com o crime, desde há anos, envolvendo-se, também, no consumo excessivo do álcool, como o faz desde os 22 anos de idade, potenciador do descontrole da capacidade de orientar o seu comportamento pelos normativos sociais e jurídicos, embora tenha adequada capacidade de compreensão e interiorização, sem que exerça qualquer profissão ou expectativa no seu exercício, dispondo, não obstante, de capacidade de ganho ou de sustento assegurado, sequer apresentando qualquer plano readaptação ao tecido social capaz de inferir-se uma condução de vida de modo socialmente responsável, é de concluir-se pela probabilidade forte ou predisposição séria do agente para cometer crimes de natureza patrimonial ou contra bens eminentemente pessoais, afigurando-se como adequada e justa a sujeição a pena relativamente indeterminada.

III- Não é de considerar a aplicação da agravação da pena em virtude da verificação da reincidência, nos termos do art.º 76.º, n.º 2, do CP, na medida em que as disposições sobre a pena relativamente indeterminada prevalecem sobre as regras da reincidência, não havendo lugar à dupla agravação.

Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça : Em P.º comum com intervenção do tribunal colectivo sob o n.º 540/08.3GCALM, de Competência Especializada Criminal da Comarca de Almada , foi submetido a julgamento AA, vindo , a final , a ser condenado como autor material e em concurso efectivo, da prática de quatro crimes de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, nº. 1, do Código Penal, de um crime de roubo agravado, p. e p. pelo artigo 210º, nºs. 1 e 2, alínea b), com referência aos artigos 203º e 204º, nº 2, alínea f) e nº 1, al. f), ambos do Código Penal ; de dois crimes de violação, p. e p. pelo artigo 164º, nº. 1, al. b), do Código Penal e de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº. 1 e 203º, nº 2, al. e), ambos do Código Penal, nas penas respectivas de: . 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão pelo crime de roubo perpetrado em 29/02/2008; . 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão pelo crime de roubo perpetrado em 30/05/2008; . 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão pelo crime de roubo perpetrado em 02/07/2008; . 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão pelo crime de roubo perpetrado em 30/07/2008; . 6 (seis) anos de prisão pelo crime de roubo agravado perpetrado em 31/03/2008; . 5 (cinco) anos de prisão pelo crime de violação perpetrado em 29/02/2008; . 6 (seis) anos de prisão pelo crime de violação perpetrado em 30/07/2008; . 3 (três) anos e 10 (dez) meses de prisão pelo crime de furto qualificado perpetrado em 16/08/2008; Em cúmulo jurídico das penas parcelares foi o arguido condenado na pena unitária de 14 (catorze) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Nos termos do disposto no artigo 83, nºs. 1, 2 e 3 do Código Penal, considerando o arguido AA delinquente por tendência, foi condenado numa pena relativamente indeterminada cujo limite mínimo é de 9 (nove) anos e 8 (oito) meses de prisão e o limite máximo é de 20 (vinte) anos e 6 (seis) meses de prisão; Mais foi condenado ao pagamento a BB, da quantia de € 3. 750,00 (três mil setecentos e cinquenta euros), a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais .

I . O arguido , inconformado com o teor da decisão , interpõs recurso para este STJ , em cujas conclusões defende que : Os delitos contra o património foram praticados num curto espaço de tempo de 6 meses , obedecendo a uma resolução criminosa semelhante em todos eles , não justificando uma pena de agravação progressiva .

A pena relativamente indeterminada é anormalmente pesada , devendo este STJ reformar o cúmulo jurídico efectuado .

Ela não toma em consideração os elementos subjectivos que dela deviam figurar .

Na acusação pública não consta que agiu em estado de embriaguez , provocando o tribunal uma decisão surpresa .

O acórdão recorrido violou os art.ºs 71.º , 83.º e 86 .º , do CP II . O Exm.º Magistrado do M.º P.º em 1.ª instância , sustentou o acerto da decisão recorrida e , nesta instância , a Exm.ª Procuradora Geral –Adjunta mostra-se sensível à redução da pena de concurso para 12 anos , senão mesmo quanto ao crime de roubo , praticado em 31 .3. 2008 , de furto, praticado em 16.8.2008 e de violação , praticado em 30.7.2008 , construindo-se a pena relativamente indeterminada a partir dessa moldura , entre 8 e 18 anos de prisão .

III . Colhidos os legais vistos , cumpre decidir , considerando que, discutida a causa e produzida a prova, resultaram assentes os seguintes factos: I 1- No dia 29 de Fevereiro de 2008, cerca das 19h30m, BB caminhava sozinha a pé num descampado entre a Rua ... e a Rua ... na zona da Sobreda, Almada, quando, repentinamente, foi agarrada por trás pelo arguido AA que, de seguida, a atirou para o chão utilizando o braço esquerdo.

2- Após, o arguido colocou-se sobre BB, empurrando a sua cabeça para o lado, contra o solo, dizendo-lhe “não me vejas a cara”.

3- Como a BBcomeçou a gritar por socorro, o arguido desferiu-lhe diversos socos, que a atingiram na face, barriga, braços e pernas, tendo-a também mordido algumas vezes.

4- De seguida, e uma vez que esta não parava de gritar, o arguido, com voz firme, disse-lhe que se ela não parasse, lhe espetava uma faca, pelo que esta, acreditando que o arguido pudesse concretizar o intento que anunciava, abrandou nos pedidos de socorro.

5- O arguido revistou então a mala da BB, com o intuito de ver se a mesma continha bens que lhe interessassem para os fazer seus, mas como não encontrou nada de valor, voltou novamente a atenção para a vítima e retirou-lhe os anéis que esta trazia nos dedos das mãos, sendo um deles em prata, no valor estimado de € 25,00.

6- Nesse momento, e porque o arguido a agredia cada vez que BB lhe dizia que não tinha consigo nenhum objecto de valor, esta, na esperança de que o arguido se desse por satisfeito e se fosse embora, disse-lhe que tinha consigo um telemóvel de que o arguido se apoderou, guardando-o consigo, sendo tal aparelho de marca e modelo “Nokia 6288” com o IMEI nº. ... no valor estimado de € 150,00.

7- Após ter recolhido o telemóvel, o arguido começou a tentar desapertar as calças que BB tinha vestidas, pelo que esta, apercebendo-se de que o arguido com ela pretendia manter relações de cariz sexual, ainda que ela nisso não consentisse, e com o intuito de o demover do seu propósito, pediu-lhe insistentemente para não o fazer, alegando que estava grávida.

8- Mas tais pedidos não demoveram o arguido que, após ter dito “Ai estás grávida? Vamos ver se estás grávida! Vira-te!”, sentou-se com a bacia sobre a cabeça de BB, a qual apesar de estar deitada de barriga para baixo e subjugada pelo peso e força física do arguido da forma descrita, ainda se debatia contra a actuação do arguido e continuava a pedir-lhe para não a violar, tendo este, apesar da resistência apresentada, conseguido baixar as calças e as cuecas de BB até aos joelhos desta.

9- Com BB assim desnudada da cintura para baixo, o arguido começou a manipular os órgãos genitais desta, enquanto dizia “Deixa-me ver-te, deixa-me ver-te!”, tendo acabado por introduzir alguns dedos no interior da vagina e do ânus de BB.

10- Após, e de súbito, o arguido abandonou o local, a correr, levando consigo os anéis e o telemóvel pertencentes a BB, que fez seus.

II 11- No dia 31 de Março de 2008, cerca das 14h20, quando CC se encontrava sozinha a almoçar na cozinha da sua residência, sita na Rua ..., n.º ..., Vale Fetal, Charneca da Caparica, foi surpreendida pelo arguido Paulo Gonçalves, que entrou pela porta que dá acesso à cozinha, a qual se encontrava fechada apenas com o trinco.

12- CC ficou surpreendida e assustada com a presença do arguido no interior da sua residência e este, de imediato, disse-lhe “dá-me cinco Euros, que eu vou-me embora e não te faço mal”.

13- De seguida, CC foi buscar a sua mala para dar ao arguido o dinheiro que este lhe pedira e, nessa altura, foi, de novo, surpreendida pelo arguido que empunhou uma faca de cozinha e a encostou ao seu corpo ao mesmo tempo que lhe perguntava se esta tinha mais alguma coisa de valor.

14- Acto contínuo, o arguido agarrou CC por um braço, continuando a empunhar a faca na outra mão, levando a ofendida a percorrer as diversas divisões da casa, enquanto ia perguntando insistentemente se esta tinha objectos em ouro e remexia em móveis, gavetas e caixas que ia encontrando, das quais retirou diversos objectos que lhe interessaram, no valor global de € 3 661,70.

15- O arguido logrou então retirar e fazer seus: - um telemóvel “NOKIA 6609”, no valor de € 500,00; - um computador portátil “HP 530 CX”, no valor de € 618,30; - uma placa USB banda larga TMN, no valor de € 49,90; - uma máquina de filmar “Canon MV6iMC”, no valor de € 1.050,00; - uma máquina de fotografar digital “SONY DSC-H2”, no valor de € 448,50; - um cartão de memória SANDISK 1.0 GB, no valor de € 40,00; - um relógio “Calvin Klein”, no valor de € 500,00; - um relógio “Chevignon”, no valor de € 200,00; - um relógio “ICE SWATCH”, no valor de € 50,00; - um software “Windows Vista” instalado no portátil supra referido, no valor de € 89,00; - um software “Microsoft Office” instalado no portátil supra referido, no valor de € 116,00.

15- Depois de ter...

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