Acórdão nº 1051/03.9TTSTB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Outubro de 2009

Magistrado ResponsávelBRAVO SERRA
Data da Resolução21 de Outubro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADAS AS REVISTAS Área Temática: Doutrina: CARLOS ALEGRE (ACIDENTES DE TRABALHO E DOENÇAS PROFISSIONAIS - REGIME JURÍDICO ANOTADO, 2ª EDIÇÃO) Legislação Nacional: LEI 28/98, DE 26 DE JUNHO: ARTIGOS 20º NºS 3 E 4; LEI 100/97, DE 13 DE SETEMBRO: ARTIGOS 10º, 17º; DL 143/99, DE 30 DE ABRIL Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ Pº 07S4749 DE 30-4-2008 Sumário : I - A circunstância de, no âmbito de um contrato de cedência temporária de jogador, se ter estipulado que o cedente pagaria ao jogador todos os compromissos do contrato de trabalho desportivo – como efectivamente pagou – não é, por si só, suficiente para que se afirme ser aquele o seu real empregador.

II - Com efeito, atendendo ao princípio da liberdade contratual e atendendo ao disposto no art.º 20.º n.º 3 da Lei n.º 28/98 de 26 de Junho, nada impede que no contrato de cedência de praticante desportivo sejam estabelecidas condições remuneratórias diversas das acordadas no contrato de trabalho desportivo e, portanto, que se estabeleça que quem assume a obrigação do pagamento das remunerações devidas ao jogador seja o cedente ao invés do cessionário (como resultaria, na falta de disposição contratual em contrário, do disposto no n.º 4 do acima citado preceito).

III - Assim, não obstante o cedente ter assumido tal obrigação, não será de lhe impor a reparação do acidente de trabalho ocorrido com o jogador cedido, quando é certo ter sido acordado entre cedente e cessionário que seria este último responsável pela situação física do jogador, tanto mais que até foi quem realizou o contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho que abrangia o jogador.

IV - Pese embora o sinistrado fosse, em momento anterior ao acidente, portador de determinadas lesões no joelho direito, tendo-lhe sido diagnosticada condropatia do grau IV, é de concluir pela existência do nexo de causalidade entre o acidente ocorrido e a lesão traumática que sofreu por não ter resultado provado que aquela patologia apresentasse um patamar de gravidade tal que demandasse a incapacidade que, nos autos, veio a ser atribuída ao sinistrado, e por não ter resultado provado que não fora a lesão sofrida por via do acidente que, agravando a anterior patologia, veio a produzir aquela incapacidade.

V - Tendo o legislador do regime jurídico dos acidentes de trabalho distinguido, nas prestações em dinheiro, as situações em que a reparação deve operar pela via da conferência de uma pensão vitalícia ou pela via de um capital indemnizatório, não é possível afirmar que, naquele primeiro caso, devam as pensões vitalícias corresponder a um capital cujo rendimento assegure apenas a perda da capacidade de ganho do sinistrado, antes devendo assegurar também a perda da capacidade de trabalho que, naturalmente, vem causar outra sorte de danos que não só necessariamente decorrentes dessa incapacidade.

VI - No âmbito das denominadas profissões de desgaste rápido, em que o respectivo desempenho inculca limites etários em alguns casos muito inferiores aos decorrentes do exercício de outras profissões, a incapacidade permanente absoluta para o seu exercício vai projectar-se num quantitativo prestacional que perdurará para além daqueles limites.

VII - Todavia, é essa uma realidade que o legislador não contemplou até Maio de 2003, não dispondo, por isso, os órgãos aplicadores do direito de comandos legais que possam fundar uma, à primeira vista, disparidade de situações.

Decisão Texto Integral: I 1.

No Tribunal do Trabalho de Setúbal intentou AA contra BB, S.A.D., CC e DD, S.A., processo emergente de acidente de trabalho, peticionando a condenação das rés a pagarem-lhe uma pensão anual e vitalícia que resultasse da remuneração que ele, autor, auferia à data do acidente de que foi vítima e da incapacidade que lhe viesse a ser atribuída, € 53.870,17, a título de remunerações vencidas e não pagas, e as quantias relativas aos períodos de incapacidade temporária absoluta que sofreu.

Para sustentar o seu pedido, invocou, em síntese, que: – – o autor, em 27 de Agosto de 2001, celebrou com a ré BB um contrato de trabalho desportivo, com início em 1 de Julho de 2002 e termo em 30 de Julho de 2004, mediante a remuneração anual, a pagar em doze prestações, de € 59.855,75 na época de 2002/2003 e de € 71.826,90 na época de 2003/2004; – mediante contrato celebrado em 1 de Julho de 2002 entre as duas primeiras rés (BB e CC), a primeira cedeu o autor à segunda quanto à época de 2002/2003, ficando aquela responsável por todos os compromissos emergentes do contrato de trabalho desportivo que outorgou com o mesmo autor, sendo que a indicada segunda ré «transferiu» para a terceira ré (DD) a sua responsabilidade por acidentes de trabalho que viessem a ser sofridos pelo autor e relativamente a um montante anual de € 14.964; – em 26 de Outubro de 2002, no Estádio Municipal de CC e no decurso de um jogo entre o CC e o EE, o autor sofreu uma lesão no seu joelho direito, que demandou determinadas intervenções clínicas, tendo vindo a ser dado como incapaz, permanente e absolutamente, para a prática da sua profissão de futebolista, além de ter estado afectado de incapacidade temporária absoluta nos períodos de 26 de Outubro de 2002 a 7 de Dezembro de 2002, de 25 de Março de 2003 a 29 de Fevereiro de 2004, e de 31 de Março de 2004 a 16 de Junho de 2004.

Contestou a ré CC, sustentando que, aquando da cedência do autor, já este se encontrava lesionado, tendo tido uma recidiva, e sempre a ré BB pagou ao autor as respectivas remunerações, limitando-se a contestante a pagar à primeira ré Esc. 400.000$00 como contra-partida pela cedência do jogador.

Por seu turno, a ré DD também contestou, defendendo que o contrato de seguro atinente a acidentes de trabalho que celebrou com a segunda ré e com referência ao autor apenas se reportava a um salário anual de € 14.964 (€ 1.247 mensais) e que, de harmonia com o artº 2º das Condições Gerais da apólice, o cálculo das incapacidades permanentes parciais ou absolutas para o trabalho habitual têm como limite máximo catorze vezes o montante de quinze salários mínimos nacionais mais elevados garantidos para os trabalhadores por conta de outrem até à data em que os praticantes desportivos completem 35 anos de idade, e catorze vezes o montante de oito salários mínimos nacionais mais elevados após os praticantes desportivos completarem aquela idade.

Ainda aduziu a DD que já tinha pago ao autor as indemnizações a que este tinha direito devidas por ITA e ITP, e que não aceitava que aquele tivesse ficado afectado por IPATH de 8%.

Por último, contestou a ré BB, dizendo, em síntese, que: – – o contrato de trabalho celebrado entre ela e o autor caducou em 25 de Março de 2003 por impedimento definitivo deste último, nos termos do artº 30º do contrato colectivo de trabalho outorgado entre a Liga Profissional de Futebol Profissional e o Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol, contrato colectivo esse publicado na 1ª Série do Boletim do Trabalho e Emprego, nº 33, de 8 de Setembro de 1999; – não obstante a estipulação constante da cláusula b) do contrato celebrado entre o autor e a contestante, 50% da remuneração daquele na época de 2002/2003 era suportada pela ré CC, tendo efectivamente esta pago os respectivos montantes entre Julho de 2002 e Junho de 2003; – pelo contrato de cedência, e nos termos do artº 4º da Lei nº 29/98, de 26 de Junho, e do nº 5 do artº 9º do referido contrato colectivo de trabalho, a responsabilidade pela situação física do jogador impendia sobre a segunda ré, motivo pelo qual a contestante deveria ser absolvida.

Prosseguindo os autos seus termos, com «resposta» das rés BB e DD às contestações das co-rés, e do autor às excepções suscitadas nas contestações, e com a apresentação de nova contestação «aperfeiçoada» pela ré CC, na sequência de convite que lhe foi endereçado, nova contestação essa à qual o autor e a ré BB também vieram a «responder», foram, em 23 de Junho de 2006, elaborados despacho saneador – que, inter alia, julgou improcedente a excepção de caducidade do contrato invocada pela ré BB – «matéria assente» e «base instrutória», sendo aquela objecto de reclamação por banda da ré BB, a qual foi atendida.

Em apenso, foi judicialmente declarado em 31 de Outubro de 2007 que o autor se encontrava afectado de uma incapacidade parcial permanente de 8%, com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.

Por sentença proferida em 9 de Maio de 2008 foi decidido: – – absolver a ré CC dos pedidos; – condenar a ré DD a pagar ao autor, com efeitos a partir de 17 de Junho de 2004, a pensão anual e vitalícia de € 7.721,39, actualizada para € 7.898,98 a partir de 1 de Dezembro de 2004, para € 8.080,66 a partir de 1 de Dezembro de 2005, para € 8.331,16 a partir de 1 de Dezembro de 2006, e para € 8.531,11 a partir de 1 de Janeiro de 2008, além de juros; – condenar a ré DD a pagar ao autor um subsídio de elevada incapacidade no valor de € 4.176,12, acrescidos de juros de mora; – condenar a ré BB a pagar ao autor, com efeitos a partir de 17 de Junho de 2004, a pensão anual e vitalícia de € 23.164,18, actualizada para 23.696,96 a partir de 1 de Dezembro de 2004, para € 24.241,99 a partir de 1 de Dezembro de 2005, para € 24.993,49 a partir de 1 de Dezembro de 2006 e para € 25.593,33 a partir de 1 de Janeiro de 2008, além de juros; – condenar a ré BB a pagar ao autor, a título de incapacidades temporárias, € 18.610,23, acrescidos de juros.

Inconformada com a decisão, apelou para o Tribunal da Relação de Évora a ré BB, que arguiu ainda a nulidade da sentença, igualmente apelando a ré DD.

2.

Tendo aquele tribunal de 2ª instância, por acórdão de 3 de Fevereiro de 2009, julgado improcedente a apelação interposta pela ré DD, julgado procedente a apelação interposta pela ré BB, consequentemente a absolvendo dos pedidos formulados e condenando a ré CC nos mesmos termos em que, na sentença, foi condenada a ré BB, vieram as...

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