Acórdão nº 08P0995 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Outubro de 2009

Data01 Outubro 2009
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: ACÓRDÃO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA Decisão: FIXADA JURISPRUDÊNCIA Sumário : «Durante o inquérito, o Juiz de Instrução Criminal pode determinar, a requerimento do Ministério Público, elaborado nos termos do n.º 7 do art. 188.º do Código de Processo Penal, a transcrição e junção aos autos das conversações e comunicações indispensáveis para fundamentar a futura aplicação de medidas de coacção ou de garantia patrimonial, à excepção do Termo de Identidade e Residência, não tendo aquele requerimento de ser cumulativo com a promoção para aplicação de uma medida de coacção, mas devendo o Ministério Público indicar nele a concreta medida que tenciona vir a promover.» Decisão Texto Integral: I. RELATÓRIO 1.

O Ministério Público junto do tribunal da Relação de Lisboa veio, ao abrigo do disposto no art. 437.º do Código de Processo Penal, interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão da referida Relação de 23/1/2008, proferido no Proc. n.º 9349-07, da 3.ª Secção, que rejeitou, por manifesta improcedência, o recurso interposto da decisão do Juiz de Instrução Criminal (JIC), que indeferiu o requerimento do mesmo Ministério Público a pedir a transcrição e junção aos autos das conversações e comunicações indispensáveis para fundamentar a aplicação futura de medidas de coacção ou de garantia patrimonial em relação a suspeitos a constituir como arguidos, com fundamento em que a intervenção do JIC apenas se justifica quando esteja em causa a concreta aplicação de uma medida de coacção, nos termos da alínea b) do n.º 1 d o art. 268.º do Código de Processo Penal (CPP).

Alega o recorrente que tal acórdão está em oposição com outro da mesma Relação, proferido em 18/12/2007, no âmbito do Proc. n.º 8853/07, da 5.ª Secção Criminal Para tanto, concluiu a respectiva motivação do seguinte modo: 1. No acórdão recorrido a questão jurídica que vinha colocada, face ao disposto no art. 188.º, n.º 7 do CPP revisto, foi decidida no sentido de que a intervenção do JIC apenas se justifica quando esteja em causa a concreta aplicação de uma medida de coacção, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 268.º do CPP Considerou-se que tratando-se de medida de coacção apenas futura e incerta - quer no tempo, quer quanto aos destinatários – a actividade reclamada pelo M.º P.º ao juiz é destituída de sentido.

Considerou-se que a intervenção do juiz, na fase de inquérito, é apenas pontual, ainda que essencial e exclusiva, por via de se dirigir à salvaguarda de importantes direitos e liberdades individuais; e que, por outro lado, o próprio M.º P.º tem à sua disposição todas as intercepções telefónicas e, bem assim, o relatório já elaborado pelo órgão de polícia criminal (OPC), pelo que sempre poderá ordenar as transcrições que entender, ao abrigo do disposto no n.º 9 do art. 188.º do CPP.

  1. Sobre a mesma questão de direito e no âmbito da mesma legislação foi proferida a 18/12/2007, no processo 8853/07, da 5.ª Secção Criminal da Relação de Lisboa, acórdão (…) que consagrou solução oposta: “O JIC pode determinar, a requerimento do M.º P.º, a transcrição e junção aos autos das conversações e comunicações indispensáveis para fundamentar a futura aplicação de medida de coacção, à excepção de termo de identidade e residência (TIR), não tendo aquele requerimento que ser cumulativo com a promoção para aplicação de uma medida de coacção.” 3. Tendo ambos os acórdãos transitado em julgado, e não sendo nenhum deles, já, susceptível de recurso ordinário, impõe-se a fixação de jurisprudência.

  2. Foram juntas certidões dos acórdãos recorrido e fundamento, com nota do respectivo trânsito em julgado.

  3. Admitido o recurso, os autos subiram a este Supremo Tribunal, tendo o Ministério Público, na vista a que se refere o art. 440.º n.º 1 do CPP, emitido parecer no sentido de ocorrerem os pressupostos legais para o prosseguimento dos autos como recurso extraordinário para fixação de jurisprudência.

  4. Proferido despacho liminar e colhidos os necessários vistos, teve lugar a conferência a que se refere o art. 441.º do CPP, na qual foi decidido, por acórdão de 11/09/2008, ocorrer oposição de julgados entre o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento.

  5. Notificado nos termos do art. 442.º n.º 1 do CPP, veio o M.º P.º apresentar as suas alegações.

    Começou por caracterizar a oposição de acórdãos e definir o objecto do recurso, consistente em saber se o juiz de instrução criminal (JIC) pode, a requerimento do Ministério Público, determinar e ordenar a transcrição e junção aos autos de inquérito das conversações e comunicações indispensáveis para fundamentar a futura aplicação de medida de coacção, que não o termo de identidade e residência (TIR), sem que, cumulativamente, promova a aplicação de uma concreta medida de coacção, analisou depois os acórdãos recorrido e fundamento, citando jurisprudência abonatória das respectivas posições, para passar, de seguida, a explanar a posição defendida, convocando e interpretando os preceitos legais atinentes, à luz da jurisprudência e da doutrina, bem como da hermenêutica que teve como mais correcta, até que veio a concluir com a seguinte formulação de jurisprudência: “O JIC deve determinar a requerimento do Ministério Público a transcrição e junção aos autos das conversações e comunicações indispensáveis para fundamentar a futura aplicação de medidas de coacção ou de garantia patrimonial, à excepção do Termo de Identidade e Residência, não tendo aquele requerimento de ser cumulativo com a promoção para a aplicação de uma medida de coacção.”.

  6. A oposição de acórdãos foi já decidida na fase preliminar, tendo-se concluído na conferência pela oposição de julgados relativamente à mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação.

    Porém, não tendo a referida decisão força de caso julgado formal, podendo a mesma questão ser reapreciada pelo pleno das secções criminais, como vem sendo decidido uniformemente pelo Supremo Tribunal de Justiça, impõe-se proceder a tal reapreciação.

    6.1.

    No acórdão recorrido, proferido em 23/01/2008 no Recurso n.º 9349/07, da 3.ª Secção da Relação de Lisboa, na sequência de reclamação da decisão sumária do Relator para a conferência, decidiu-se confirmar a referida decisão sumária e rejeitar por manifesta improcedência o recurso interposto pelo Ministério Público da decisão do JIC, que indeferira o requerimento daquele no sentido de obter a transcrição de determinadas escutas telefónicas já realizadas, nos termos do actualmente vigente n.º 7 do art. 188.º do CPP, com vista a requerer futuramente uma medida de coacção diferente do TIR, relativamente a determinadas pessoas tidas como suspeitas e devidamente identificadas. O fundamento de tal rejeição baseou-se essencialmente na consideração de que a medida de coacção invocada era futura e incerta e que o JIC não podia ordenar tal transcrição sem que estivesse em causa a concreta aplicação de uma medida de coacção, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 268.º do CPP.

    6.2.

    No acórdão-fundamento, proferido em 18/12/2007 no Recurso n.º 8853/07, da 5.ª Secção da mesma Relação, em face da decisão de indeferimento pelo JIC de requerimento do Ministério Público, em tudo idêntico ao anteriormente referido, decidiu-se conceder provimento ao recurso, ordenando-se que o despacho recorrido fosse substituído por outro que determinasse a requerida transcrição, e isto, essencialmente com o fundamento de que «O JIC pode determinar, a requerimento do M.º P.º, a transcrição e junção aos autos das conversações e comunicações indispensáveis para fundamentar a futura aplicação de medidas de coacção ou de garantia patrimonial, à excepção do TIR, não tendo aquele requerimento de ser cumulativo com a promoção para a aplicação de uma medida de coacção.

    » 6.3.

    Delineadas, assim, as posições de ambos os arestos, fácil é de concluir pela sua oposição relativamente à mesma questão de direito e no âmbito da mesma legislação, pois ambos eles foram proferidos no domínio de vigência das alterações introduzidas no Código de Processo Penal pela Lei n.º 47/2008, de 29 de Agosto, nomeadamente no que respeita à matéria das intercepções telefónicas e respectivas gravações.

    Impõe-se, pois, confirmar, nesta sede, o julgamento prévio efectuado na conferência que decidiu a questão preliminar, nada obstando ao prosseguimento do recurso com vista à solução do conflito de jurisprudência.

    1. FUNDAMENTAÇÃO 7. A questão 7.1.

      A questão, como vimos, diz respeito a saber se o JIC, a requerimento do Ministério Público no inquérito e com vista à fundamentação de futura aplicação de medidas de coacção, com excepção do TIR, pode mandar transcrever conversas e comunicações telefónicas que tenham sido intercepcionadas e gravadas, sem que, ao mesmo tempo, o Ministério Público deva promover uma concreta medida de coacção.

      1. O acórdão recorrido entendeu que não, nos termos que ficaram já assinalados.

        Nesse acórdão estava subjacente à decisão a seguinte situação de facto: - investigava-se em inquérito a prática de crime de tráfico de estupefacientes; - no seu decurso, o Ministério Público ordenou a apresentação do inquérito ao juiz de instrução criminal, promovendo, além do mais, que se determinasse a transcrição e junção aos autos de todas as conversações e comunicações constantes das sessões que a seguir se indicavam, por essenciais e indispensáveis à futura aplicação de medidas de coacção aos suspeitos a constituir como arguidos (devidamente identificados), que se previam diversas do TIR, atenta a natureza e gravidade do ilícito em causa, pois de tais sessões resultavam elementos que contribuíam para identificar os envolvidos nos factos, o seu grau de conhecimento, modo de actuação e comparticipação, relação com os demais, responsabilidade global e individual, e eram susceptíveis de fundamentar o perigo de continuação da actividade criminosa; - sobre a referida promoção incidiu despacho de indeferimento do juiz de instrução criminal; -...

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