Acórdão nº 2658/05.5TVLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Setembro de 2009

Magistrado ResponsávelPAULO SÁ
Data da Resolução22 de Setembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I - O fim a que uma fracção autónoma é destinada constitui uma limitação ao exercício do direito de propriedade de cada condómino sobre a sua fracção (direito que, em princípio, não sofre compressões de ordem natural), pelo que o fim a que se destina o uso não configura posse (que é poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real – art. 1251.º do CC) susceptível de, por sua vez, levar à aquisição por usucapião de um direito a usar para fim distinto do estabelecido antes. Adquirem-se direitos reais, não restrições de uso.

II - A utilização não autorizada pelo título constitutivo não permite configurar qualquer servidão ou encargo sobre os prédios ou fracções vizinhas.

III - Nos termos do art. 1418.º, n.ºs 1, 2, al. a), e 3, do CC, o título constitutivo da propriedade horizontal pode conter determinadas especificações, designadamente as relativas ao fim a que se destina cada fracção, sendo certo que, se esta especificação constar do título, ela deve ser coincidente com o que foi fixado no projecto aprovado, sob pena de nulidade. Por outro lado, o título constitutivo só pode ser modificado, salvo o caso previsto no art. 1422.º-A do CC (junção e divisão de fracções) com o acordo de todos os condóminos.

IV - Não se verificando divergência entre o fim estipulado no projecto e o fim constante no título constitutivo, a alteração do fim das fracções demanda a concordância de todos os condóminos. O carácter imperativo da norma do n.º 1 do art. 1419.º do CC implica a nulidade de qualquer alteração da finalidade a que se destinam as fracções (art. 294.º do CC).

V - A emissão pela Câmara Municipal de licenças de utilização de fracções autónomas para escritório não torna supervenientemente nulo o título constitutivo da propriedade horizontal (a escritura pública de constituição) que prevê a afectação dessas fracções a fins habitacionais.

VI - A alteração da utilização de uma fracção autónoma não pode ser decidida imperativamente pela administração com prevalência sobre as regras de afectação de uso estabelecidas em título constitutivo, que, por sua vez, a lei impôs estivesse em consonância com o projecto aprovado.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – AA, intentou na 15.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, acção declarativa de condenação com processo comum, sob a forma ordinária, contra COMPANHIA DE SEGUROS BB, SA, CC – SOCIEDADE INTERNACIONAL DE GESTÃO, SA, DD – SOCIEDADE IMOBILIÁRIA, SA, EE – COMERCIALIZAÇÃO DE DISPOSITIVOS MÉDICOS, L.DA, anteriormente designada por S… M… – Sociedade e Instrumentos Cirúrgicos, L.da, pedindo que:

  1. Se declare ilegítima a utilização que é dada às fracções autónomas de que as RR. são donas; b) Em consequência, os condene a cessar imediatamente a utilização que fazem dos andares e a reintegrá-los no seu destino específico de habitação; c) Se a reintegração não for efectuada, condene os RR, solidariamente, a pagar uma indemnização em dinheiro a liquidar em execução de sentença.

    Para tanto, alega, em síntese: É dona do 12.º andar, letra E, que constitui a fracção autónoma EC de um prédio urbano, formado por um bloco de três edifícios, situado na Av. F… P… M…, …, gaveto com as Ruas T… R…, L… C… e Avenida … de O…, denominado Edifício A….

    A 1.ª Ré é dona dos 12.º andar D e 16.º D que constituem as fracções autónomas EB e EH, a 2.ª Ré do 13.º andar que constitui a fracção autónoma EM, a 3.ª Ré é dona do 10.º andar D, que constitui a fracção autónoma DX e a 4.ª Ré é dona do 18.º andar D, que constitui a fracção EL.

    Todas as fracções referidas se destinam, conforme título constitutivo da propriedade horizontal e registo, a habitação.

    A Autora adquiriu a sua fracção, em Junho de 1998, a J… L…, que a havia adquirido a U… I… de R…, L.da, a qual a alienou, em resultado de acções interpostas por outro condómino com o intuito de restituir as fracções ao fim habitacional que não estava a ser respeitado, pelo que ficou convicta de que os restantes proprietários de fracções que as não usavam como tal, já tinham, ou iriam a curto prazo, redestiná-las a esse fim, o que asseguraria a privacidade, segurança e resguardo de que esperava dispor ao adquirir casa no centro da cidade.

    Essa convicção veio a ser frustrada, ao aperceber-se de que as RR. continuam a destinar as fracções a escritórios.

    Em meados de Dezembro de 2004, a Autora constatou ainda que no 12.º D, com porta contígua à sua, se preparava a instalação de um consultório médico, cujo funcionamento agravará os inconvenientes de ruídos e de movimento de pessoas.

    É ilegal a utilização que as RR. dão às fracções, o que lhe confere o direito a ser indemnizada pelos danos resultantes dessa utilização, caso as fracções não sejam reintegradas no uso a que se destinam.

    Citados regularmente, contestaram separadamente, mas em termos semelhantes, as 2.ª e 3.ª RR. (CC e DD), invocando serem partes ilegítimas, por não serem donas das fracções indicadas como sendo suas, embora a R. DD admita ser simples locatária financeira e ambas que, quando ainda eram donas das ditas fracções, praticamente já lá não tinham qualquer actividade, e impugnando o alegado movimento de pessoas e outra matéria de facto alegada, concluindo pela sua absolvição da instância, por ilegitimidade passiva e, subsidiariamente, a improcedência dos pedidos contra si formulados.

    Contestou a R. BB, invocando várias excepções (ilegitimidade passiva, por preterição de litisconsórcio necessário passivo, ilegitimidade no tocante ao 12.º andar D, correspondente à fracção autónoma EB, por a ter vendido, caso julgado e autoridade de caso julgado material, a usucapião, a prescrição ou caducidade, a nulidade parcial do título constitutivo da propriedade horizontal, a impossibilidade de reafectação da fracção da R. a habitação, traduzindo uma situação de colisão de direitos, a dirimir nos termos do artigo 335.º, n.º 2, do Código Civil, a favor da R. e o abuso de direito).

    Em sede de impugnação, além de pôr em causa a identificação e titularidade de algumas das fracções mencionadas, considera erradamente fundadas as expectativas da A. de viver num bloco unicamente destinado a habitação.

    Invoca que a fracção que mantém na sua titularidade, o 16.º andar lado direito, correspondente à letras EH, foi adquirida em 1982, e, desde então, vem sendo utilizada como escritório, sendo a actual (21.1.86) e a anterior (11.5.84) licenças de utilização camarária para escritório e não para habitação.

    Pede a condenação da A. e do seu mandatário, em multa e indemnização a seu favor, por litigância de má fé, e requer a intervenção principal provocada de U…. e de J… L…, por serem os responsáveis pela situação em que a Autora se encontra.

    Contestou a R. EE, invocando em termos idênticos aos da R. BB, as excepções de caso julgado, da usucapião, da prescrição, da preterição de litisconsórcio necessário passivo, do abuso de direito, e, em sede de impugnação, invocando igualmente ser detentora desde 15.7.1982 de licença de utilização para escritório e que as expectativas goradas da Autora, assim como os inconvenientes que aquela invoca decorrem da utilização de outras fracções para fins não habitacionais.

    Suscita ainda o incidente de verificação do valor da causa, contrapondo o valor de € 44.891,82, que corresponde à triplicação do valor decorrente do artigo 312.º do Código de Processo Civil, atento o facto de haverem sido deduzidos tês pedidos.

    Pede, também, a condenação da Autora e seu mandatário, em multa e indemnização a seu favor, por litigância de má fé.

    Replicou a Autora, respondendo às excepções invocadas, no sentido da sua improcedência, admitindo a ilegitimidade da R. CC, mas não da R. DD, que alega continuar a usar a fracção para escritório, apesar de já não ser sua dona, impugnando o pedido de condenação como litigante de má fé e opondo-se ao chamamento requerido pela R. BB.

    Em despachos que antecederam o saneador, foi fixado o valor à causa, com decaimento total da R. EE e parcial da Autora e foi indeferido o incidente de intervenção principal provocada.

    No despacho saneador foram conhecidas as excepções de ilegitimidade das RR. DD e CC, sendo, no primeiro caso, a mesma julgada improcedente e, no segundo, procedente, com absolvição da instância dessa R., assim como a R. BB no referente à fracção autónoma “EB”, correspondente ao 12.º andar direito.

    Foram também julgadas improcedentes as excepções de ilegitimidade por preterição de litisconsórcio necessário passivo, de caso julgado, de autoridade de caso julgado material, de usucapião, de prescrição ou caducidade, de nulidade parcial do título constitutivo da propriedade horizontal, de impossibilidade de reafectação da fracção “EH”, sendo o conhecimento do abuso de direito, por depender de prova a produzir, relegado para final.

    Foram ainda discriminados os factos assentes e organizada a base instrutória (BI).

    Interpôs a R. EE recursos de agravo e de apelação do despacho saneador, na parte em que julgou improcedentes, respectivamente, o incidente de verificação do valor da causa, as excepções de prescrição, de caso julgado, usucapião, e ilegitimidade por preterição de litisconsórcio passivo e reclamou contra a matéria de facto assente, pretendendo que a ela fossem aditados outros factos.

    Igualmente interpôs a R. BB recurso de agravo e de apelação das decisões de indeferimento do incidente de chamamento (que, admitido, subiu em separado — fls. 608), de improcedência das excepções que invocou e reclamou também da selecção da matéria de facto, pretendendo ver aditados outros factos à BI.

    Opôs-se a Autora às ditas reclamações.

    Foi proferido despacho a admitir os recursos interpostos e a decidir as reclamações, sendo ambas indeferidas.

    Teve lugar audiência de discussão e julgamento, com registo áudio da prova nela produzida, e, a final, foi decidida a matéria de facto, por despacho...

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