Acórdão nº 00054/04.0BEPNF de Tribunal Central Administrativo Norte, 04 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelFrancisco Rothes
Data da Resolução04 de Março de 2010
EmissorTribunal Central Administrativo Norte
  1. RELATÓRIO 1.1 Foram instaurados pelo Serviço de Finanças de Paredes contra Manuel Jorge e mulher, SÍLVIA (adiante Executada mulher, Oponente ou Recorrida), dois processos de execução fiscal, a que foram apensados outros, para cobrança coerciva de dívidas proveniente de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) dos anos de 1994 a 1999.

1.2 A Executada mulher deduziu oposição a essas execuções fiscais (() Sobre a impossibilidade de deduzir uma única oposição contra execuções fiscais que não estejam apensadas, pronunciar-nos-emos adiante.

), pedindo ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que as julgue extintas quanto a ela com fundamento na sua ilegitimidade substantiva (art. 204.º, n.º 1, alínea b), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)), uma que vez que não é responsável pelas dívidas exequendas.

Alegou a Oponente, em síntese, que os rendimentos que motivaram as liquidações que deram origem às dívidas exequendas não foram por ela auferidos, mas por seu marido, com quem está casada no regime da separação de bens (() O que não ficou demonstrado. Na verdade, o que se provou foi que o casamento era sob o regime da comunhão de adquiridos e que a separação de bens apenas teve lugar em 2000, por partilha homologada por sentença.

), sendo que o mesmo há mais de dez anos deixou de contribuir para o sustento familiar, pelo que não é a Oponente «responsável pelo pagamento dos débitos que foram originados exclusivamente pelo marido» e que «não foram contraídos em proveito comum do casal nem para ocorrer aos encargos da vida familiar, antes pelo contrário – art.º 1691º CC» (() As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente, aqui como adiante, são transcrições.

).

Invocou também a Oponente o «vício de forma no procedimento do processo executivo» por a penhora ter sido efectuada três dias depois da citação, «desrespeitando os prazos legais, ao arrepio da lei», e porque a certidão de citação, por um lado, não dava a conhecer os anos a que se referia o IRS em cobrança coerciva e, por outro lado, «não continha quaisquer elementos que dessem a conhecer o porquê da actuação dos Serviços fiscais, havendo completa falta de fundamentação», bem como não explicava «a razão de se ter procedido de imediato à penhora, sem o decurso do prazo legal».

1.3 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel julgou a oposição procedente e, em consequência, extinguiu a execução fiscal em relação à Oponente. Para tanto, depois de apreciar criticamente a prova produzida, considerou demonstrado que «as dívidas existentes não foram contraídas para proveito da oponente», que «[f]ace ao comportamento do marido […] viu-se obrigada a requerer a separação dos bens existentes», pelo que «a mesma é parte ilegítima na execução» (() Por certo, querendo referir-se à legitimidade substantiva, ou seja, à falta de responsabilidade pelo pagamento das dívidas exequendas.

).

1.4 A Fazenda Pública recorreu dessa sentença para este Tribunal Central Administrativo Norte e o recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

1.5 A Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor: « 1. A douta sentença sob recurso julgou a acção procedente por haver entendido que: «Da prova produzida nos autos resulta que não houve da parte do marido da oponente entrega de dinheiro ou outros bens para fazer face aos encargos da vida familiar. O marido da oponente era um indivíduo ausente e desorientado… Assim a mesma é parte ilegítima na execução»; 2. Com a ressalva do devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, porquanto considera existir erro de facto consistente na insuficiência probatória de que as dívidas não foram contraídas em proveito comum do casal, de acordo com o preceituado no art.º 1691, n.º 1, al. d) do Código Civil; 3. Com efeito, a Administração Fiscal demonstrou os pressupostos da responsabilidade subsidiária da oponente pelas dívidas de IRS, referentes aos anos de 1994 a 1999, no valor global de 54.002,54€, provando que as dívidas de IRS dizem respeito a ambos os cônjuges porque resultam de rendimentos obtidos em proveito comum e declarados pelo casal, tendo os títulos executivos, correspondentes aos anos de 1994 a 1999, aqui controvertidos, sido emitidos em nome da oponente e do cônjuge, cfr. Doc.s 1, 4 a 4.5. e fls. 17 dos autos; 4. Em cumprimento do douto Acórdão de 31-01-2008, foram os autos instruídos com a audição das testemunhas, da qual resultaram testemunhos contraditórios quanto às datas em que o cônjuge vem à casa de morada da família, ou sobre o efectivo exercício de qualquer actividade educativa por parte da oponente, testemunhos consentâneos com o facto de todas terem para com a recorrente uma relação de amizade e reverência, ostentada na subjectividade dos testemunhos prestados em juízo, cfr. constam dos autos por gravação, e se transcreve por excertos em sede do presente recurso; 5. Os testemunhos produzidos deixam cair afirmações que corroboram o facto das dívidas controvertidas haverem sido contraídas em proveito comum do casal, designadamente – A vida em comum; O exercício da actividade educativa por parte da oponente; O Bom estado de conservação da morada de família. – só possível mediante as obras de conservação e manutenção efectuadas por quem exerça a actividade de “construção civil”, facto este que apenas pode ser imputável ao cônjuge da oponente, uma vez que, a manifesta insuficiência dos rendimentos da oponente não podiam de per si garantir a contratação de qualquer outro empreiteiro para o efeito; 6. As testemunhas afirmaram que a recorrente [(() É manifesto o lapso de escrita: queria escrever-se recorrida onde se escreveu recorrente.

)] dizia que o cônjuge não comparticipava nas despesas, que o tinham visto no Porto em “Ruas de mau Porte”, sem que para tal tenham vivido em comum com o casal ou sequer estado numa qualquer casa de alterne para afirmar de viva voz que o mesmo frequentava tais locais; 7. Atento o exposto e sendo manifesta a contradição entre os testemunhos prestados em Juízo, impunha-se o reconhecimento da validade dos documentos juntos aos autos porque provados e não contraditados. E, consequentemente, considerar-se a oponente como parte legítima nas execuções controvertidas de acordo com o preceituado no art.º 1695, n.º 1, do Código Civil, atento o facto de não haver sido ilidida a presunção do art.º 1691º, n.º 1, al. d) do Código Civil; 8. Por conseguinte, a sentença a quo não extrai as devidas consequências da responsabilidade solidária entre os cônjuges de IRS, cfr. Art.º 13º, n.º 2, do CIRS, tanto mais que os factos constitutivos das dívidas controvertidas ocorreram antes da separação judicial de bens, responsabilizando assim os bens dos cônjuges.

Nestes termos e em tudo quanto V.ªs Excelências mui doutamente suprirão, se requer o provimento do presente recurso com as legais consequências».

1.6 A Oponente não contra alegou.

1.7 Recebidos neste Tribunal Central Administrativo Norte, os autos foram com vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso. Isto, com a seguinte argumentação: «[…] a Administração Fiscal produziu prova documental que nos permite concluir, sem qualquer dúvida razoável, no sentido de que as dívidas de IRS, referentes aos anos de 1994 a 1999, são respeitantes a ambos os cônjuges pois resultam de rendimentos comuns que, naturalmente, reverteram em proveito comum do casal e como tal foram expressamente declarados pelo casal.

A prova testemunhal produzida, conforme salienta a Recorrente, é manifestamente insuficiente para infirmar a prova documental constante dos autos, designadamente, as declarações de rendimentos contidas nas declarações de IRS e apresentadas nas finanças pelos respectivos titulares».

1.8 Foi dada vista aos Juízes adjuntos.

1.9 As questões a apreciar e decidir, tal como as configurou a Recorrente (() Cf. arts. 648.º, n.º 3, e 690.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil (CPC).

), são as de saber se a sentença recorrida fez errado julgamento – da matéria de facto alegada com vista a demonstrar que o marido da Oponente não contribuía para as despesas do casal, – de direito, quando considerou que a Oponente não era responsável pelas dívidas exequendas.

Como procuraremos demonstrar, impõe-se previamente verificar se a Oponente pode questionar a sua responsabilidade pelo pagamento das dívidas exequendas e se a factualidade alegada na petição inicial é susceptível de integrar fundamento de oposição à execução fiscal.

* * *2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO 2.1.1 Na sentença recorrida o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos: « III – DOS FACTOS Dos factos provados, com relevância para a decisão da causa: – Contra a ora oponente e seu marido foram instaurados os processos de execução fiscal n.º...

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