Acórdão nº 0378/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 24 de Fevereiro de 2010

Magistrado ResponsávelEDMUNDO MOSCOSO
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2010
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA (2ª Subsecção): 1 – A… e mulher B…, identificados a fls. 2, enquanto pais de C…, falecido quando se encontrava integrado no Serviço Militar Obrigatório, intentaram no TAC de Coimbra a presente acção contra o ESTADO PORTUGUÊS, pedindo a condenação do R., por considerarem que a causa da morte do filho foi provocada pelo esforço físico a que foi submetido no cumprimento das suas obrigações, no pagamento, a título de indemnização, das seguintes quantias: - Por perda do direito à vida …………. 50.000,00 €; - Por danos não patrimoniais ………… .35.000,00 €; e - Por danos patrimoniais futuros ……...125.000,00 €.

2 - Por sentença de 17 de Dezembro de 2008 (fls. 275/291), o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, julgando procedente a “prescrição dos direitos invocados pelos AA”, absolveu “o R. do pedido”.

3 – Inconformados com tal decisão, dela vieram os AA. interpor recurso jurisdicional que dirigiram a este STA tendo, em sede de alegações, formulado as seguintes CONCLUSÕES: 1° - O recurso ora interposto visa alterar a decisão do Meritíssimo Juiz “a quo” no que concerne, primordialmente, à definição da responsabilidade dos órgãos do Estado no cumprimento dos deveres que lhe eram impostos, nomeadamente diligenciar no sentido de levar a cabo os exames necessários a averiguar da aptidão dos cidadãos para o cumprimento do SMO, concretamente do militar C… . E, 2° - Analisar se da matéria fáctica apurada resulta actuação danosa do Réu/Estado integrante da prática de um crime cujo procedimento criminal só prescrevia em cinco anos, homicídio por negligência previsto e punido pelo artº 137° do Código Penal, cometido por acção ou omissão dos deveres dos agentes do Réu e do próprio Réu.

  1. - Também o presente recurso versa sobre a decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo que julgou procedente a excepção peremptória de prescrição invocada pelo Réu Estado Português, absolvendo-o do pedido.

  2. - Salvo o devido respeito por opinião contrária, os recorrentes entendem que a sentença recorrida viola os preceitos legais que regem esta matéria, máxime, os art. 71°, n° 2 da LPTA e 498°, n° 3 do Código Civil.

  3. - Preceitos estes que, a serem devidamente observados, conduziriam a uma decisão diversa da sentença ora em crise.

  4. - Os exames realizados pelos serviços médicos militares aquando das provas de inspecção e, posteriormente, na incorporação, foram realizados de forma negligente.

  5. - Se tais exames médicos, tivessem sido efectuados com a diligência e cuidados que seriam de esperar da parte de pessoal qualificado para o efeito, dúvidas não restam de que o malogrado C… não teria, certamente, sido dado como “Apto” para a realização do serviço militar.

  6. - O próprio Tribunal Central Administrativo do Norte, no seu douto acórdão datado de 15 de Outubro de 2006 e proferido no âmbito do recurso n° 663/02, põe em causa que tais exames tivessem sido cabalmente realizados pois que, se o tivessem sido e, dessa forma, se tivesse atempadamente detectado a malformação de que padecia o jovem soldado, certamente que o mesmo não teria sido incorporado não se produzindo o desenlace funesto que veio a ocorrer e que directamente se relaciona com o esforço físico necessário à realização dos exercícios militares a que o jovem recruta não se podia eximir.

  7. - Se é verdade que, na altura dos factos, a realização de electrocardiograma e ecocardiograma não faziam parte da lista de exames efectuados durante a inspecção militar, o mesmo não se pode dizer da obrigação de realizar, entre outros, uma auscultação atenta e medição da pressão arterial ao jovem recruta.

  8. - A medição da pressão arterial terá, supostamente, sido realizada, facto todavia controverso, tendo revelado aquilo a que se pode chamar uma tensão arterial normal (120 de máxima e 60 de mínima) de acordo com os parâmetros médicos em vigor.

  9. - Acontece que, perante uma doença congénita como a que vitimou o jovem C…, tal pressão arterial não era, de todo, provável verificar-se.

  10. - Da ficha sanitária, preenchida aquando da incorporação do malogrado jovem, não constavam inicialmente os valores relativos à pressão arterial.

  11. - Os mesmos só mais tarde, depois da presente acção ter sido interposta, vieram a ser apostos na referida ficha para efeitos de a mesma ser junta ao processo pelo Réu.

  12. - De acordo com o depoimento da testemunha D…, não é normal que um médico desse o seu aval a uma ficha sanitária sem que todos os campos estejam preenchidos e que depois, ele próprio, acabe por completá-la.

  13. - Não é normal, nem mesmo aceitável, que tal possa acontecer, todavia, no presente caso, esta questão ficou por esclarecer.

  14. - Além de que a M.ma Juiz “a quo”, em despacho proferido no decorrer do presente processo, referiu que “os resultados constantes do campo “pressão arterial” na ficha sanitária não oferecem credibilidade, uma vez que, comprovadamente, foram preenchidos muito posteriormente à realização dos exames clínicos ao C… aquando da sua incorporação e à data da sua morte, tendo, concomitantemente, sido aditados depois do médico responsável da unidade ter concluído o preenchimento da ficha sanitária.” 17° - Tanto mais que, no parecer clínico por ele proferido ainda na fase de recurso contencioso, o Dr. E… referia não haver registo da pressão arterial.

  15. - No presente caso é igualmente de questionar se a auscultação C… foi ou não realizada.

  16. - E esta questão levanta-se, desde logo, face ao teor das declarações e explicações fornecidas pela testemunha F… (médico cardiologista).

  17. - De facto, o mesmo refere, de forma clara e descomprometida e demonstrando um perfeito conhecimento da matéria, que seria “muito pouco provável que este jovem não tivesse um sopro audível’.

  18. - O mesmo refere igualmente que acha impossível que o jovem C… não tivesse esses sopros audíveis.

  19. - Posição esta que a dita testemunha manteve e repetiu por diversas vezes ao longo da sua audição, chegando inclusivamente a afirmar que “qualquer médico tem a obrigação de detectar” (o sopro) e ainda que “o médico que não fosse cardiologista podia ter dificuldade em saber qual era a origem do sopro, mas tinha obrigação de detectar o sopro.

  20. - Não pode deixar de concluir-se que, aquando da auscultação que terá sido efectuada ao jovem C…, deveria, tendo em conta o estado avançado da doença de que padecia e a gravidade da mesma, ter sido obrigatoriamente auscultado um sopro.

  21. - Facto, aliás, igualmente focado pelo Dr. E… no seu parecer.

  22. - Sopro este que, embora não permitisse estabelecer, por si só, um diagnóstico de coarctação da aorta, deveria ter lançado fortes suspeitas ao médico que efectuara a auscultação e, em função das mesmas, ter sujeitado o recruta a exames complementares de diagnóstico a realizar em hospital militar, nomeadamente electrocardiograma e ecocardiograma, com vista a determinar a origem de tal sopro.

  23. - No caso sub judice nada disso foi feito, colocando-se mesmo a questão de saber se o recruta C… terá ou não sido auscultado aquando da realização das provas de classificação e selecção, bem como no momento da incorporação o que, desde logo, denota aqui uma grave negligência por parte dos serviços médicos militares, negligência esta que, no nosso entender, veio a precipitar a morte de um jovem de 19 anos.

  24. - Todavia, tal questão não mereceu, por parte do tribunal a quo, qualquer reparo, passando totalmente despercebida ao mesmo.

  25. - In casu, não se pode dar como verificada a alegada prescrição do direito exercido pelos Autores. Se não vejamos: 29° - Dispõe o art. 71°, n° 2 da LPTA que: “O direito de indemnização por responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos e dos titulares dos seus órgãos e agentes por prejuízos decorrentes de actos de gestão pública..., prescreve nos termos do artigo 498° do Código Civil.

  26. - O n° 3 do art. 498° do C. Civil determina que: “Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável”.

  27. - Ora, no caso vertente os AA. invocaram, na sua petição inicial, factos susceptíveis de integrarem, por parte dos agentes do Estado, o crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelo art. 137° do Código Penal”.

  28. - Este tipo legal de crime é, segundo aquela disposição legal, punido com pena de prisão até 3 anos, pelo que, de acordo como art. 118°, n° 1, al. e) do...

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