Acórdão nº 0965/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06 de Janeiro de 2010

Magistrado ResponsávelCOSTA REIS
Data da Resolução06 de Janeiro de 2010
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

A…, S.A., recorre - ao abrigo do disposto no art.º 150.º/1 do CPTA - do Acórdão do TCA Sul que confirmou a sentença do TAC de Lisboa que ordenou a sua intimação para, no prazo de 10 dias, facultar à B…, S.A., o acesso e consulta da (1) proposta da A… vencedora no processo de atribuição dos direitos de transmissão em televisão de acesso não condicionado livre de 33 jogos das edições de 2008/2009 e 2009/2010 da Liga Sagres e (2) do contrato celebrado entre a A… e C… através do qual aquela adquiriu esses direitos de transmissão.

Rematou as suas alegações da seguinte forma: 1. Verificam-se os requisitos necessários à admissão do presente recurso de revista, nos termos previstos no artigo 150.°, n.° 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

  1. O acórdão recorrido, ao considerar que a A… está sujeita ao dever de facultar o acesso aos documentos solicitados pela B…, faz uma errada interpretação dos artigos 3.° e 4.° da LADA, violadora do princípio constitucional do arquivo aberto, dos direitos de igualdade e de livre iniciativa económica e do princípio da concorrência (consagrados, respectivamente, nos artigos 268.°, n.° 2, 13.°, 61.° e 81.° e 99.°, todos da Lei Fundamental), uma vez que tal interpretação configura um tratamento discriminatório da A… face aos seus concorrentes (o que é, aliás, reconhecido na sentença recorrida), discriminação essa intolerável à luz da Constituição da República Portuguesa.

  2. Acresce que a aludida interpretação, no sentido de sujeitar a actividade privada de empresas públicas sob forma privada à LADA, não se acomoda à unidade do sistema jurídico, já que as empresas públicas com forma societária não estão sujeitas ao CPA e têm um regime jurídico de direito privado, que apenas sofre compressões se e quando estejam em causa actividades que traduzam o exercício de poderes públicos.

  3. Não procede igualmente o argumento aduzido na decisão recorrida de que alude ao artigo 65.° do CPA (que consagra o direito à informação procedimental) deve aplicar-se à A…, por força do artigo 2.°, n.° 5, do CPA - a este respeito, a doutrina e jurisprudência invocadas na sentença recorrida debruçam-se sobre uma realidade diferente da que está em causa nos presentes autos, pelo que a sua invocação não pode ser considerada - razão pela qual decidiu mal o Tribunal a quo.

  4. Também o argumento retirado do disposto no artigo 18.°, al.ª a), da LADA não tem a virtualidade que a sentença recorrida lhe atribui no sentido de ver nela a confirmação da interpretação assumida de que a LADA se aplica a documentos produzidos pelas entidades descritas no artigo 4.° da LADA, quer relevem da actividade administrativa quer da actividade de gestão privada.

  5. A correcta interpretação da LADA - diferente da que está subjacente à decisão recorrida - deve conferir relevância ao respectivo âmbito objectivo de aplicação, distinguindo entre actividade de gestão privada e actividade de gestão pública ou administrativa das entidades a ela sujeitas em abstracto, por forma a verificar, em concreto se se justifica o reconhecimento do direito de acesso aos documentos (o que só acontece caso se esteja diante do exercício de poderes públicos).

  6. À luz desta interpretação, e tendo os documentos em questão sido produzidos no âmbito da actividade concorrencial da A…, não haverá que reconhecer à B… direito de acesso aos mesmos, razão pela qual a sentença ora recorrida, ao considerar que tais documentos - a proposta e o contrato - estão abrangidos pela LADA, viola o disposto nos artigos 3.°, n.° 2, alínea b), e 4.° da mesma Lei.

  7. A decisão tomada pelo Tribunal a quo, sufragando a pretensão apresentada pela B…, permite que esta entidade obtenha informação comercial sobre um outro operador seu concorrente no mercado, assim se permitindo um posicionamento mais adequado no mercado, solução que se reconduz à figura da fraude à lei.

  8. A decisão proferida pelo Tribunal a quo viola, por isso, os artigos 2.°, n.° 5, e 65.° do Código do Procedimento Administrativo, e os artigos 3.°, n.° 2, alínea b), 4.º, 6.° e 18.° da LADA, para além dos preceitos e dos princípios de natureza constitucional referidos: do princípio constitucional do arquivo aberto, dos direitos de igualdade e de livre iniciativa económica e do princípio da concorrência.

    A B… contra-alegou formulando as seguintes conclusões: a) O presente recurso é absolutamente inadmissível em face do n.° 1, do art.° 150º do CPTA; b) Não se verifica qualquer dos pressupostos que permitem o presente recurso de revista; c) O Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou acerca da questão de fundo em recurso de revista, votando unanimemente pela aplicação da LADA às empresas públicas; d) Deve o presente recurso ser rejeitado liminarmente, por legalmente inadmissível e meramente dilatório; e) Por outro lado, e mesmo que se admitisse o presente recurso, o Acórdão recorrido não padece de qualquer dos vícios alegados pela Recorrente A…; f) O Acórdão aplica correctamente o Direito ao caso concreto; g) É de repudiar em absoluto qualquer alegação de fraude à lei por parte da B…; h) O Acórdão, na senda do parecer da CADA e da Sentença da 1.ª Instância, limita-se a confirmar aquilo que já se sabia: a natureza de empresa pública e simultaneamente concessionária do serviço público por parte da A… é mais que suficiente, em face da LADA, para que seja obrigatório dar acesso aos documentos administrativos solicitados; i) A própria A… admite que cai no âmbito de aplicação subjectivo da LADA; j) A LADA não contém qualquer âmbito de aplicação objectivo, mas apenas subjectivo; k) Os documentos em causa inserem-se perfeitamente no conceito de documentos administrativos; l) A LADA não encerra qualquer distinção entre documentos produzidos no âmbito da gestão pública e gestão privada, para efeitos de acesso aos mesmos; m) Mesmo os documentos produzidos no âmbito da gestão privada das entidades incluídas no âmbito subjectivo de aplicação da LADA, são de livre acesso, só não podendo ser reutilizados, segundo a própria LADA; n) De qualquer forma, os documentos solicitados foram produzidos no âmbito da actividade de gestão pública da A… enquanto sociedade de capitais maioritariamente públicos (empresa pública), e concessionária do serviço público de televisão, não podendo a aquisição daqueles direitos deixar de ser considerada no âmbito do referido serviço público; o) O facto de se ter actuado num “mercado concorrencial” em que os operadores estão, em princípio, numa posição de paridade, em nada altera os dados da questão; p) No caso concreto, o facto do mercado ser concorrencial não significa desde logo que todos os operadores estivessem em condições de paridade, primeiro porque só um operador dispunha de fundos públicos para concorrer no dito mercado, depois porque só um operador tinha determinado tipo de direitos de transmissão para negociar, sendo esses direitos detidos por esse operador em razão da concessão de serviços públicos por si detida; q) Não existe, por parte do Acórdão recorrido, qualquer violação dos princípios da igualdade, da iniciativa privada ou da concorrência; r) A dupla natureza de empresa pública e concessionária de serviços públicos obriga a que se trate de forma diversa a A…, para efeitos de acesso a documentos administrativos, já que, estando sujeita ao direito privado administrativo, a sua actividade está também sujeita aos princípios constitucionais; s) De qualquer forma não se vislumbra qual seria o interesse público subjacente em dar acesso a proposta da B…, se esta não é uma empresa pública, não faz propostas com base em fundos públicos, não é concessionária de serviço público, não tendo por isso quaisquer direitos de transmissão por força dessa qualidade; t) O que está em causa é o princípio da transparência e da Administração aberta.

    Por acórdão de 14/10/2009 o recurso foi admitido.

    O Ex.mo PGA pronunciou-se pelo não provimento do recurso por entender que: a) Os argumentos da Recorrente relativos à necessidade de distinguir a actividade de gestão privada e a actividade de gestão pública das empresas públicas societárias de capitais exclusivamente públicos e/ou das concessionárias não tinham logrado abalar os fundamentos do entendimento que este STA tem vindo a adoptar no sentido de que “a LADA adoptou o critério amplo segundo o qual as empresas públicas, mesmo quando agem segundo as regras do direito privado estão, indirectamente, a desenvolver uma actividade ou função materialmente administrativa, sendo pois aplicável às empresas públicas societárias, como a recorrente, de acordo com um conceito amplo de actividade administrativa, em sentido material, que não se restringe aos actos de gestão pública e abrange todos os seus actos, salvo as restrições legais — cfr acórdãos de 8/07/2009, rec 0451/09, de 30/09/2009, rec 0453/09 e de 30/09/2009, rec 0493/09.” b) No tocante à alegada violação do princípio da igualdade, entendeu que a Recorrente não tinha conseguido pôr em causa o fundamento do tratamento desigual que lhe foi dado, o qual radicava “no facto de se tratar de uma empresa pública e ter um estatuto diferente dos restantes concorrentes, em particular da recorrida.” Com efeito, e muito embora fosse uma pessoa colectiva de direito privado, a A… integrava o sector público constituindo “um instrumento fundamental dos poderes públicos para a prossecução dos objectivos que lhes compete realizar numa economia social de mercado, estando primacialmente afecto à realização do interesse público no âmbito da actividade económica”. Não ocorria, assim, “entre a recorrente e a recorrida uma suposta situação de igualdade, sendo que as diferenças ao nível do seu funcionamento, gestão e objectivos justificam o invocado tratamento discriminatório da recorrente, em resultado da sua sujeição à LADA.” c) Finalmente, o Acórdão recorrido não tinha adoptado uma interpretação dos art.ºs 3.º e 4.º da LADA de que resultasse o desrespeito do direito à livre iniciativa económica...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT