Acórdão nº 248/19 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Abril de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução23 de Abril de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 248/2019

Processo n.º 159/2019

3ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que é recorrente A. e recorrido o Estado Português, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão daquele Tribunal, de 11 de janeiro de 2019.

2. Pela Decisão Sumária n.º 158/2019, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«4. O recorrente recorre do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 11 de janeiro de 2019, que não admitiu o recurso de revista interposto do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 18 de outubro de 2018, que confirmou a sentença do tribunal de 1.ª instância.

O recorrente pretende a apreciação da constitucionalidade da «norma ínsita no n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 4/83. de 2 de abril no caso de se entender que existe presunção de culpa do agente, por violação dos artigos 18.º, 32.º, 48.º e 50.º da CPR, quando interpretada no sentido de ser dispensada a demonstração do preenchimento do requisito referente ao incumprimento culposo do dever de apresentação da declaração de rendimentos».

Constitui requisito do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada pelo recorrente.

No caso vertente, é manifesto que tal requisito não se encontra preenchido.

No acórdão recorrido, o Supremo Tribunal Administrativo não aplicou qualquer norma extraída do artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 4/83, de 2 de abril, que dispõe sobre as consequências sancionatórias do incumprimento do dever de apresentação das declarações de rendimentos, património e cargos sociais a que referem os artigos 1.º e 2.º do mesmo diploma. Com efeito, o acórdão recorrido apreciou unicamente a recorribilidade do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, segundo os critérios do artigo 150.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

Tendo concluído pela não verificação das condições de admissibilidade do recurso de revista, o Supremo Tribunal Administrativo rejeitou o recurso.

A não aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada pela recorrente obsta ao conhecimento do objeto do recurso, justificando a prolação de decisão sumária, segundo o previsto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.»

3. Da Decisão Sumária vem agora o recorrente reclamar para a conferência, apresentando a seguinte argumentação:

«A., Recorrente nos autos à margem referenciados, em que é Recorrido o O Estado Português, não se conformando com a Decisão sumária n.º 158/2019, proferida em 11.03.2019, que não admitiu o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, vem RECLAMAR PARA A CONFERÊNCIA, ao abrigo do disposto nos artigos 77º e n.º 3 do artigo 78º-A da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional.

Nos termos e com os fundamentos que se seguem:

I. ENQUADRAMENTO

1. O Estado Português, ora Reclamado, intentou, perante o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, uma ação administrativa, com carácter urgente, para declaração de inibição temporária do aqui Reclamante para o exercício de

cargos políticos e equiparados, por entender que se encontravam preenchidos os pressupostos cumulativos de que depende a aplicação do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 4/83, de 02 de abril, a saber: (i) existência de notificação pelo Tribunal Constitucional do titular do cargo para apresentar, no prazo de 30 dias, a declaração de rendimentos; (ii) o incumprimento desse dever pelo notificado e (iii) a existência de incumprimento culposo.

2. O ora Reclamante, na sua Contestação, demonstrou, de forma clara e inequívoca, que não se encontravam preenchidos todos os pressupostos de que dependia a aplicação do mencionado preceito, concretamente, o requisito da existência de incumprimento culposo.

3. Para o efeito, o Reclamante não só demonstrou que o ora Reclamado não fez qualquer prova do preenchimento do terceiro requisito – incumprimento culposo –, como ainda demonstrou que este requisito nunca poderia dar-se por verificado.

4. Mais referiu, a esse propósito e para o que aqui releva, que qualquer efeito presuntivo retirado à norma ínsita no n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 4/83, de 2 de abril, concretamente quanto ao pressuposto do incumprimento culposo, sempre seria materialmente inconstitucional, por violação do princípio constitucional do in dúbio pro reo, bem assim, dos artigos 18.º, 32.º, 48.º e 50.º da CRP, quando interpretada no sentido de ser dispensada a demonstração do preenchimento do requisito referente ao incumprimento culposo do dever de apresentação da declaração de rendimentos.

5. Sucede que, num primeiro momento, julgou o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria improcedente a ação, por considerar que o Estado Português não demonstrou que o ora Reclamante tivesse omitido a apresentação da declaração de rendimentos no prazo cominado pelo Tribunal Constitucional, de forma deliberada e consciente (ou seja, deu por não verificado o terceiro requisito – incumprimento culposo).

6. Não obstante o mérito da douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria e, bem assim, a circunstância de o Reclamante já ter apresentado a declaração de rendimentos em causa (inexistindo, assim, qualquer prejuízo de facto para o interesse público), interpôs o Estado Português recurso de apelação, procurando sustentar a existência de erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito.

7. Com efeito, peticionava a revogação da referida decisão e, consequentemente, a prolação de uma sentença que condenasse o aqui Reclamante à inibição do exercício do seu cargo político ou equiparado pelo período de 18 meses.

8. Consequentemente, o ora Reclamante contra-alegou, peticionando que o recurso fosse julgado improcedente, por não provado, e que, subsidiariamente, fosse apreciada a inconstitucionalidade por si suscitada na sua Contestação,

9. Ou seja, ser julgada inconstitucional a norma ínsita no n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 4/83, de 2 de abril no caso de se entender que existe presunção de culpa do agente, por violação dos artigos 18.º, 32.º, 48.º e 50.º da CPR, quando interpretada no sentido de ser dispensada a demonstração do preenchimento do requisito referente ao incumprimento culposo do dever de apresentação da declaração de rendimentos.

10. No seguimento deste recurso interposto pelo Estado Português, decidiu o Tribunal Central Administrativo Sul, por Acórdão datado de 04.10.2017, revogar

a douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, ordenando a baixa dos autos a este último Tribunal, para ampliação da matéria de facto.

11. Isto porque, entendeu o douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul anular a sentença recorrida, tendo como fundamento a não consideração, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, de factualidade controvertida e relevante para a decisão da causa, com base no disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do Código Processo Civil.

12. Não se conformando com tal acórdão, o ora Reclamante interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo, o qual não foi admitido por Acórdão de 08.02.2018, com fundamento no facto de se tratar de um recurso interposto de aresto da 2.ª instância que ordenava a ampliação da matéria de facto, o qual, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 662.º n.º 4 do CPC (aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA), seria inadmissível.

13. Face a essa decisão, desceram os autos à 1.ª instância, onde foi produzida prova em audiência de julgamento por via da inquirição das testemunhas arroladas pelo aqui Reclamante, prova essa que foi considerada credível e determinou a fixação da matéria de facto em sentido favorável ao aqui Reclamante.

14. Significa isto que o Reclamado, ao não ter arrolado qualquer testemunha, não logrou produzir qualquer prova adicional à que já decorria da sua petição inicial – a qual, diga-se, resultava apenas de documentos juntos aos autos.

15. Sendo certo que a (parca) prova produzida pelo Reclamado não possibilitava (nem poderia possibilitar) o preenchimento do terceiro requisito de que depende a aplicação da sanção – o incumprimento culposo.

16. De igual modo, já em sede de alegações de direito, o ora Reclamante voltou a frisar que o aqui Reclamado se limitou a invocar cinco factos na sua petição inicial, sendo que nenhum deles dizia respeito ao requisito do incumprimento culposo.

17. Mais referiu que, cabendo o ónus da prova ao Autor, dita o princípio do dispositivo que o Tribunal se encontra vinculado ao quadro processual desenhado pelas partes, só podendo, por consequência, levar em conta os factos alegados e provados pelas partes.

18. Aliás, apenas este entendimento se afigura compatível com o princípio do in dúbio pro reo, aplicável em virtude de estarmos no âmbito de um processo de cariz sancionatório que poderá comprometer a vida de um cidadão.

19. Por fim, concluiu o ora Reclamante as suas alegações referindo que, caso o legislador tivesse entendido atribuir efeito presuntivo à norma ínsita no n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 4/83, de 2 de abril, concretamente quanto ao pressuposto do incumprimento culposo, tal norma seria materialmente inconstitucional, por violação do princípio constitucional do in dúbio pro reo e das normas supra...

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