Acórdão nº 4573/17.0T8BRG.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Abril de 2019

Magistrado ResponsávelROSA RIBEIRO COELHO
Data da Resolução11 de Abril de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2ª SECÇÃO CÍVEL I - AA e sua mulher BB intentaram contra CC - Companhia de Seguros, S. A., a presente ação declarativa, pedindo a condenação desta a pagar-lhes a quantia de € 231.550,00, com juros de mora à taxa legal a partir da citação, para indemnização dos danos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos em virtude de um acidente de viação ocorrido entre um velocípede sem motor conduzido por um seu filho menor e um veículo ligeiro de passageiros seguro na Ré, causado culposamente pela sua condutora, sendo que, em consequência de tal embate, sofreu o referido menor várias lesões que lhe causaram a morte.

Contestou a ré pugnando pela sua absolvição do pedido, atribuindo o acidente a culpa do menor falecido e do autor, este último por violação do dever de vigilância imposto pelo art.º 491º do Código Civil.

Realizado o julgamento foi proferida sentença que, na procedência parcial da ação, condenou a ré a pagar aos autores as quantias de € 53.333,33 e € 516,66, ambas com juros legais até integral pagamento contados, quanto à primeira, desde a data da sentença e, quanto à segunda, desde 25.9.2017.

Apelaram a ré e os autores – aquela pedindo a sua absolvição do pedido e estes sustentando a culpa integral da condutora do veículo seguro ou, ao menos, a repartição de responsabilidades concorrentes nas proporções de 1/3 para o menor e de 2/3 para a referida condutora.

Foi proferido acórdão pela Relação de Guimarães que, julgando procedente a apelação da ré e improcedente a dos autores, revogou a sentença e absolveu a ré do pedido.

Persistindo inconformados os autores trouxeram recurso de revista a este STJ, tendo apresentado alegações onde formulam as conclusões que passamos a transcrever: “1.a - A factualidade tida por provada, desde a Primeira instância, impõe a conclusão evidente de que a condutora do veículo seguro pela recorrida agiu com culpa e provocou o acidente.

  1. a - As mais elementares regras de cuidado e precaução impunham que se abstivesse de ultrapassar o infeliz menor.

  2. a - Por outro lado, tendo decidido proceder à ultrapassagem de uma criança de tenra idade, deveria ter tomado consciência do perigo e rodear-se de cuidados redobrados e especialmente acrescidos.

  3. a - Deveria ter guardado uma distância lateral de segurança relativamente ao velocípede tripulado pelo menor pelo menos igual, mas aconselhavelmente superior à mínima prescrita por lei, por forma a minimizar o risco de acidente.

  4. a - Porém, fez uma ultrapassagem tangencial.

  5. a - A escrupulosa observância das normas estradais (arts. 18.º, n.ºs 2 e 3 e 38.º, n.ºs 1 e 2, al. e), do Código da Estrada), que a condutora do veículo seguro pela recorrida violou grosseiramente, tornava-se mais exigível visto que o “utilizador vulnerável”, que ela pôs em risco, era uma criança de tenra idade.

  6. a - Impõe-se, portanto, concluir que essa conduta leviana da condutora do veículo seguro deu causa culposa ao acidente.

  7. a - Culpa esta que será exclusiva, ou, quando assim não se entenda de grau manifestamente superior à responsabilidade eventualmente imputável ao menor.

  8. a - O douto acórdão recorrido violou, entre outras normas, os arts. 18.º, n.ºs 1 e 2 e 38.°, n.°s 1 e 2, al. e) do Código da Estrada e os arts. 483.°, 486.°, 487.°, n.° 2, 503.°, 505.° e 570.°, estes do Código Civil.

    A ré seguradora contra-alegou a sustentar a manutenção do decidido no acórdão impugnado, defendendo, em resenha nossa, que: - coube ao recorrente a responsabilidade exclusiva pela produção do acidente por omissão de cumprimento do seu dever de vigilância sobre o menor, seu filho; - a entender-se que houve culpa da condutora do ...., sempre a culpa do recorrente e do menor deveria afastar ou, ao menos, diminuir a responsabilidade daquela; - sempre, de qualquer modo, a culpa do recorrente teria de levar a que ao mesmo nenhuma indemnização fosse devida.

    Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo questões sujeitas à nossa apreciação: - a da qualificação da atuação da condutora do ...como culposa e causadora do acidente – conclusões 1ª a 7ª; - a da qualificação dessa culpa como exclusiva, ou, ao menos, de grau manifestamente superior à responsabilidade imputável ao menor, a distribuir nas proporções de 2/3 para aquela e de 1/3 para este – conclusão 8ª.

    II – A matéria de facto julgada como provada na sentença e que subsistiu inalterada no acórdão impugnado é a seguinte: 1. O menor DD, nascido em .........., era filho dos AA. e faleceu no dia ....... no estado de solteiro e sem descendentes – cfr. certidão de nascimento junta a fls.12 e seg. –, sendo os Autores seus únicos e universais herdeiros.

  9. O óbito do DD foi declarado pelas 19H16 do dia ........

  10. No dia ....... de 2014, pelas 15h10, ocorreu um acidente de viação na Via ....... (VIM), na localidade de J...., na área desta comarca, no qual foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros de matrícula 000000, conduzido por EE, e um velocípede sem motor conduzido pelo menor DD.

  11. A VIM desenha-se naquele local como uma extensa reta, dividida em duas metades, destinadas a sentidos de trânsito inversos, separadas entre si por duas linhas longitudinais contínuas paralelas, pintadas com tinta de cor branca, distanciadas 20 cm entre si, tendo cada uma dessas metades da faixa de rodagem a largura disponível para o trânsito automóvel de 3,90 metros.

  12. O seu piso, que era de alcatrão, encontrava-se seco e em bom estado de conservação.

  13. Era pleno dia e as condições de visibilidade eram excelentes, visto que nenhum obstáculo a impedia, prejudicava ou diminuía.

  14. No local é habitualmente muito intenso o movimento de viaturas e de peões.

  15. Nesses dia, hora e local, o menor DD conduzia o referido velocípede sem motor, pela VIM, no sentido .... – Vizela.

  16. Alguns metros atrás do menor e no mesmo sentido, seguia o seu pai – aqui A. – que tripulava um outro velocípede sem motor.

  17. Aproximavam-se do local em que, à esquerda, considerando o seu sentido de marcha, entronca um arruamento que dá acesso a Mogege, sendo que, nesse local, pretendiam ambos virar à sua esquerda, para prosseguir a sua marcha pelo mencionado arruamento.

  18. Por isso, com antecedência superior a 50 metros do aludido entroncamento, acercaram-se do eixo da via.

  19. Nessa ocasião, circulava pela VIM, também no sentido .... – Vizela, o veículo automóvel de matrícula 000000.

  20. O.... acercou-se do local em que, à sua frente, transitavam ambos.

  21. A condutora do 000000, em lugar de abrandar e prosseguir a sua marcha atrás dos velocípedes, decidiu ultrapassá-los pelo lado direito.

  22. A condutora do .... dispunha de um espaço livre na faixa de rodagem de cerca de 3,40 metros, entre os velocípedes e a linha da berma direita, para proceder a essa manobra de ultrapassagem.

  23. A condutora do ...... indicou às autoridades que tomaram conta da ocorrência que o embate ocorreu na metade direita da faixa de rodagem, considerando o sentido em que prosseguia o velocípede, a cerca de 0,50 metros do eixo da via.

  24. Em consequência do descrito embate, o velocípede e o menor DD foram projetados para o lado esquerdo e para a faixa de rodagem contrária.

  25. A responsabilidade civil emergente da circulação do veículo 000000 havia sido transferida para a CC – Companhia de Seguros, S.A., através do contrato de seguro, válido e em vigor na data em que ocorreu o acidente em apreço, titulado pela apólice n.º 000000.

  26. O ... era pertença da sociedade “FF, Lda.

  27. Logo que os avistou, a condutora do 000000 notou que um desses velocípedes era tripulado por uma criança.

  28. Antes do local do embate, deparou-se à condutora do ... o sinal regulamentar de trânsito vertical C14a, indicativo de proibição de ultrapassagem.

  29. A condutora do ...., ao realizar a ultrapassagem, guardou distância de cerca de 1,15 metro em relação aos velocípedes.

  30. A condutora do .... seguia a uma velocidade não superior a 30 km/h.

  31. Ambos os ciclistas circulavam sem capacete protetor na cabeça.

  32. Os ciclistas circulavam um atrás do outro, junto ao eixo da via e das linhas, pintadas no pavimento, separadoras da hemifaixa de rodagem de sentido contrário.

  33. No local, do lado direito, atento o sentido de marcha dos veículos, existia uma berma com 1,80 metros de largura.

  34. O .... tinha a largura de 1,60 metros.

  35. O .... passou primeiro pelo Autor.

  36. Quando, depois de passar o Autor, se encontrava a par do menor DD, este, sem de alguma forma sinalizar a sua manobra e sem que nada o fizesse prever, guinou subitamente para o seu lado direito.

  37. Depois de guinar para o seu lado direito, o DD percorreu, pelo menos 1,15 metro, atravessando-se, desse modo, na diagonal, à frente do .....

  38. No qual foi embater, com o seu lado frontal direito e com o pedal do lado direito, na frente esquerda do .... e na lateral esquerda deste, sobre a roda desse lado.

  39. O embate ocorreu na metade direita da faixa de rodagem, considerando o sentido em que prosseguia o velocípede, a cerca de 1,15 metro do eixo da via.

  40. O menor DD caiu na hemifaixa de rodagem do lado esquerdo, atento o sentido de marcha dos veículos, e embateu com a cabeça no solo sofrendo as lesões crânio-encefálicas que vieram a determinar a sua morte.

  41. Após o embate o .... parou a cerca de 3 metros do local do mesmo.

  42. As sobreditas lesões crânio-encefálicas teriam sido evitadas...

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