Acórdão nº 18/19.0BCLSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 04 de Abril de 2019

Magistrado ResponsávelSOFIA DAVID
Data da Resolução04 de Abril de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I - RELATÓRIO O Futebol …………………………. (…….), Francisco ……………………….. e Fernando……………………………, interpuseram recurso do Acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) de 28-12-2018, que julgou improcedente a acção proposta pelos ora Recorrentes, mantendo a decisão proferida em 17-07-2018, pela Secção Profissional do Conselho Disciplinar (CD) da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), que aplicou a Francisco………………………. a sanção de suspensão por 60 dias e multa de €3.825,00, a Fernando ………………….. a sanção de suspensão por 50 dias e multa de €3.443,00 e ao …………………… a sanção de multa de €5.738,00.

Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões:” «imagem no original» “.

O Recorrido, o Contra-interessado …………………………….. – Futebol SAD (…..), nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “ «imagem no original».” O Recorrido ………… nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “ «imagem no original» .” O DMMP apresentou a pronúncia no sentido da procedência do recurso no que respeita à punição de Francisco …………………………….

Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, vem o processo à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO II.1 – OS FACTOS Em aplicação do art.º 663º, n.º 6, do Código de Processo Civil (CPC), ex vi art.º 1.º e 140.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), por não ter sido impugnada, remete-se a matéria de facto para os termos em que foi decidida pelo TAD.

II.2 - O DIREITO As questões a decidir neste processo, tal como vêm delimitadas pelas alegações e contra-alegações de recurso e respectivas conclusões, são: - aferir do erro decisório porque o Recorrente Fernando ………………… vem punido por um acto da vida privada e pessoal, sem relevância disciplinar, por as afirmações que produziu terem sido publicadas na sua página pessoal do Facebook (FB); - aferir do erro decisório por as afirmações produzidas pelos Recorrentes Fernando……………….. e Francisco …………………….. se enquadrarem nos limites da crítica possível no âmbito da sua liberdade de expressão, atendendo ao contexto desportivo em que foram proferidas, que não se coaduna com “punhos de renda”, mas clama por um discurso pleno de crítica, descontentamento, com recurso a expressões fortes e contundentes e, ainda, a porque atendendo às circunstâncias em que foram proferidas havia uma fundada convicção por banda dos ora Recorrentes de corresponderem à verdade; - aferir do erro decisório por os Recorrentes terem sido condenados em custas pelo processo que correu no TAD, por um valor claramente excessivo e desproporcional, que ofende o princípio da tutela jurisdicional efectiva, devendo ser desaplicadas, por inconstitucionais, as normas constantes do art.º 2.º, n.º 1 e 5, Anexo I, 2.ª linha da Portaria n.º 301/2015, 77.º, n.ºs 1 a 3, 77.º, n.ºs 4 a 6, da Lei do TAD.

Antes de mais, refira-se, que nenhuma das partes impugnou o julgamento de facto que foi feito pelo TAD.

Assim, conforme factos provados, Fernando ……………….., que é Oficial de Ligação dos Adeptos do ……., em 07-04-2018, publicou na sua página do FB os dizeres que são reproduzidos no facto 6.

Esses dizeres foram publicados após o jogo entre o ……………………….. – Futebol SAD (……………) e o ………….., que foi arbitrado por Luís………………….

Com relação à acção do ........ relativamente a tais dizeres, foi apenas dado por provado em 11. que o ............. “sabendo-se responsável pela publicação na imprensa privada ou sítios da internet por si explorados, não só não impediu as sobreditas publicações, como não manifestou, em momento posterior, qualquer discordância com o seu conteúdo”.

No Acórdão recorrido afirma-se que os indicados dizeres foram publicados na página pessoal do FB de Fernando ……………..

Nessa decisão nada se fixou quanto ao acesso aos referidos dizeres através da página do FB, designadamente se o acesso a essa página e respectivos dizeres eram públicos ou de acesso restrito e, neste último caso, qual o universo de pessoas que podiam aceder àquela publicação. Identicamente, no Ac. do CD também nada se apurou em termos fácticos com relação àquele acesso.

Fernando ………………. foi punido por aplicação dos art.ºs 112.º, n.º 1 e 136.º, n.º 1, do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela LPFP (RD), aprovado em Assembleia-Geral em 27-06-2011, na versão dada pela sua última alteração.

Atendendo ao conceito amplo de “agente desportivo,” que vem indicado no art.º 4.º, n.º 1, al. b), do RD, enquanto Oficial de Ligação, Fernando……………….. deverá ser considerado um “colaborador” do Clube, logo, um “agente desportivo”, ficando os seus comportamentos, quando no exercício das suas funções, sob a alçada do RD, conforme art.º 3.º, n.º 1, desse RD (cf. também o art.º 7.º, n.º 1, do RD).

De salientar, a restrição do âmbito do RD às “competições de futebol” e a “todos os agentes desportivos que, a qualquer título ou por qualquer motivo, exerçam funções ou desempenhem actividades no âmbito das competições” – cf. art.º 1.º e 3.º, n.º 1, do RD.

Ou seja, não obstante o RD se aplicar de forma ampla ao “agente desportivo”, aqui se incluindo quem actua como Oficial de Ligação, o âmbito de aplicação do RD cinge-se às “competições de futebol” e ao exercício de funções ou desempenho de actividades no âmbito dessas competições.

Assim, há primeiramente que averiguar se o comportamento de Fernando……………… pode ser tido como se incluindo no exercício de funções de Oficial de Ligação ou no desempenho dessa actividade e no âmbito de uma competição de futebol.

Parece-nos que sim, pois a própria função de Oficial de Ligação exige alguma desinstitucionalização face ao Clube e há-de ocorrer não apenas durante as competições, mas também antes e depois das mesmas. Ou seja, o Recorrente estará vinculado ao dever de respeito e urbanidade, quer dentro do recinto desportivo e durante a competição, quer fora desse recinto.

Como se refere na decisão recorrida, o Recorrente não pode “vestir e despir, a seu bel-prazer as vestes de Agente Desportivo”. A função que exerce releva não apenas dentro do recinto desportivo e no âmbito da competição, mas, também, antes e depois desta.

Logo, a publicitação de certos dizeres na sua página pessoal do FB, ainda que fora da competição, pode relevar para efeitos da responsabilização decorrente da sua função como Oficial de Ligação.

Situação paralela à tratada nos autos é a que decorre do dever de respeito e urbanidade por banda dos trabalhadores quando estes estejam fora do seu local de trabalho e do âmbito da empresa.

Como expressivamente se refere no Ac. do STJ n.º 4053/15.9T8CSC.L1.S2, de 21-11-2018, numa situação em que as afirmações alegadamente injuriosas proferidas pelo trabalhador não ocorreram no âmbito da empresa, nestes casos “há que responder a uma questão mais delicada, a saber, se a liberdade de expressão do trabalhador também conhece limites fora deste âmbito ou se, pelo menos, e mesmo que se responda afirmativamente, se os limites serão os mesmos ou se serão antes mais lassos.

Alguns autores afirmam, com efeito, que “a vida privada do trabalhador não é, em princípio, objeto do contrato de trabalho”[6], pelo que tais limites deveriam ter-se por excecionais. Há, também, quem defenda que uma certa esfera de vida mais íntima ou privada deveria escapar sequer à afirmação do dever de respeito ou de urbanidade – pense-se na hipótese de um trabalhador proferir afirmações ou comentários insultuosos para o seu empregador ou superior hierárquico, mas em um contexto inteiramente privado, como em um jantar de família (do trabalhador em causa) ou, até, em uma mesa de café com amigos próximos (sobretudo se não se tratar de colegas de trabalho)[7].

Mas como tratar afirmações realizadas no que muitos cidadãos parece considerarem ser uma “mesa de café eletrónica”, ou seja, nas redes sociais? Os “desabafos” realizados por essa via farão parte, pelo menos, da esfera pessoal dos seus autores? A este nível as respostas, doutrinais e jurisprudenciais, em outros ordenamentos, são extremamente díspares. Alguns autores (e decisões judiciais) admitem que em função dos parâmetros selecionados pelo autor da mensagem o Facebook por exemplo possa ser considerado um espaço pessoal[8]. Outros negam que tal “espaço” seja pessoal uma vez que o Facebook não ofereceria reais condições de confidencialidade[9]. Outros, ainda, invocam razões de adequação social, bem como a necessidade de desenvolver regras específicas para uma forma de expressão nova.

No entanto, no caso vertente, e desde logo face ao número relativamente elevado de destinatários, afigura-se que, como o Acórdão recorrido decidiu, que as afirmações proferidas pelo trabalhador foram-no em um espaço público, em que se acha vinculado pelo dever de respeito e de urbanidade atrás referido.

Contudo, o que agora se discute não é simplesmente se o trabalhador cometeu uma infração disciplinar, mas sim se esta, a existir, constitui justa causa de despedimento, o que no nosso sistema legal exige não apenas culpa, mas uma conduta cuja gravidade e consequências torne prática e imediatamente impossível a subsistência da relação laboral.

Ora, e desde logo, para apreciar o grau de culpa há que ter em conta, não só o grau de educação do trabalhador – como fez o Acórdão recorrido – mas também o nível de “stress emotivo” do trabalhador e até que ponto é que as afirmações foram proferidas “a quente” na sequência de comportamentos do empregador[10].

No caso concreto, foi imediatamente após os factos cuja relevância como justa causa disciplinar se tem hoje por afastada, que o trabalhador foi suspenso preventivamente á espera da elaboração da nota de culpa. E foi no “rescaldo” dessa suspensão que o trabalhador se foi lamentar no Facebook de ter sido novamente suspenso.

Importa, igualmente, referir que os comentários do Autor não identificavam a empresa em que trabalhava.

(…) Em rigor, a crítica individual – ainda que não individualizada no sentido de que a mensagem não identificava...

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