Acórdão nº 212/13.7TBMCD.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Março de 2019

Data19 Março 2019
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO Recorrentes: AA e Herança aberta e indivisa por óbito de BB Recorridos: CC e DD AA instaurou a acção declarativa contra CC e DD, formulando os seguintes pedidos: "1)- Declarar e reconhecer que a A. AA é a única herdeira legítima do remanescente da Herança aberta e indivisa por óbito de sua irmã, BB; 2)- Declarar a anulabilidade dos contratos de seguro de vida e aplicações financeiras identificados nos arts.º 15.º a 17.º desta P.I.; 3)- A título subsidiário, declarar a nulidade dos contratos de seguro de vida e aplicações financeiras identificados nos arts.º 15.º a 17.º desta P.I., sendo nula a doação, por constituir disposição com efeitos mortis causa, sem constar de disposição testamentária válida e na forma prescrita por lei; 4)- Condenar os RR. a reconhecerem os pedidos formulados em 1) a 3) para todos os efeitos e consequências legais; 5)- Condenar os RR., a entregarem e restituírem à Herança aberta e indivisa por óbito de BB, a quantia de 821.585,76 € (…), acrescida de juros vencidos e vincendos até à sua efectiva entrega e restituição.

".

Alegou a autora, em síntese, que os contratos de seguro de vida não foram subscritos pela sua irmã BB, falecida a 24 de Novembro de 2009, de quem é herdeira. Para além disso, a indicação do réu CC como beneficiário em tais contratos não corresponde à vontade desta, havendo, nessa parte, uma divergência entre a vontade declarada e a vontade real. Os réus CC e DD apoderaram-se dos valores aí aplicados e frutos dos gerados, devendo, portanto, restituí-los ao "acervo e património da sua Herança, aberta e indivisa, com o seu óbito".

Os réus contestaram afirmando, em suma, que os contratos foram subscritos pela falecida BB, que os celebrou conscientemente e neles expressou a sua efectiva vontade.

Foi proferida sentença em que se decidiu: "Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e prejudicado o conhecimento da excepção de caducidade e, em consequência Declaro que a autora AA é a única herdeira legítima do remanescente da Herança aberta e indivisa por óbito de sua irmã, BB; e condeno o réu CC a entregar ou restituir à Herança aberta e indivisa por óbito de BB, a quantia de € 821 585, 76 (oitocentos e vinte e um mil quinhentos e oitenta e cinco euros e setenta e seis cêntimos), acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, a contar da citação e até à sua efectiva entrega e restituição.

Absolvo os réus do demais peticionado; e a autora e os réus do pedidos de condenação como litigantes de má fé”.

Inconformado com esta decisão, o réu CC interpôs dela recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães, pugnando pela sua alteração e pela sua absolvição da totalidade do pedido.

As autoras contra-alegaram, sustentando a improcedência do recurso e requerendo também "a ampliação do âmbito do recurso, nos termos do art.º 636.º,n.º 1 e 2 do C.P.C.

”.

O teor da decisão do Acórdão o Tribunal da Relação de Guimarães de 10 de Julho de 2018 foi o seguinte: “a) revoga-se a decisão recorrida no segmento em que condenou "o réu CC a entregar ou restituir à Herança aberta e indivisa por óbito de BB, a quantia de € 821 585, 76 (oitocentos e vinte e um mil quinhentos e oitenta e cinco euros e setenta e seis cêntimos), acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, a contar da citação e até à sua efectiva entrega e restituição"; b) absolve-se os réus dos pedidos formulados na petição inicial sob 2 a 5; c) mantém-se no mais a sentença recorrida”.

Tendo sido notificadas do Douto Acórdão e não se conformando com o mesmo, vêm agora as Autoras interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos dos artigos 627.º, 629.º, n.º 1 e 671.º do CPC.

Nas suas alegações, pugnam pelo provimento da revista, concluindo assim: I.

Tendo presente a inexistência de “dupla conforme”, o fundamento específico do presente recurso assenta na discordância do acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães que revogou a sentença da Primeira Instância – no segmento em que condenou “o réu CC a entregar ou restituir à herança aberta e indivisa por óbito de BB, a quantia de €821 585,76 (…), acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, a contar da citação e até à sua efetiva entrega e restituição” e absolveu os réus dos pedidos formulados na petição inicial sob 2 a 5, mantendo no mais a sentença recorrida –, pelas razões a seguir enunciadas.

II.

Contrariamente ao que se refere no douto acórdão recorrido, inexiste no direito probatório material regra segundo a qual é a quem alega determinado facto que cumpre fazer a sua prova.

III.

Na verdade, contrariamente ao que se refere no acórdão recorrido, o que resulta do disposto no artigo 342º do CC, não é tanto que compete a quem apresenta os factos no processo, a sua prova, mas tão somente que quem invoca um direito, deve provar os seus factos constitutivos, enquanto que a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do mesmo direito cabe àquele contra quem o direito é invocado.

IV.

Assim sendo, da circunstância de ter sido a Autora trazer ao processo, na p. i., os factos que integram a defesa por excepção dos RR. – baseada na nulidade e anulabilidade dos contratos de seguro – não decorre, nem que tais factos passaram a integrar os fundamentos da acção, nem que recai sobre a Autora o ónus da respectiva prova.

V.

Na acção, a Autora alegou como factos constitutivos do seu direito a circunstância de todos os valores e aplicações financeiras existentes nos Bancos e Seguradoras, nomeadamente na FF, serem propriedade exclusiva de BB, e que, não obstante o R. marido ser co-titular de uma das contas, nunca depositou qualquer importância sua ou a expensas do seu património e rendimentos, nas contas de BB, nomeadamente na conta bancária nº ..., da FF, com os saldos da qual foram constituídos os seguros e aplicações financeiras de BB.

VI.

Na sequência dessa alegação, a Autora pediu a final que os RR. fossem condenados a ”… entregarem e restituírem à Herança aberta e indivisa por óbito de BB, a quantia de 821.585,76”.

VII.

O mais referido na p. i., designadamente a propósito dos contratos de seguro e das cláusulas beneficiárias neles inscritas em benefício do R. marido, constituiu defesa por antecipação das excepções que os RR. iriam invocar na sua contestação, como sejam as referidas cláusulas dos contratos de seguro.

VIII.

Ou seja, a Autora, antecipando os factos extintivos do seu direito – contratos de seguro e cláusulas beneficiárias nelas inscritas – impugnou tais contratos, arguindo os factos dos quais deveria resultar a sua anulabilidade ou nulidade.

IX.

Visto isso, a questão da falsidade das assinaturas da irmã da Autora, ao invés de constituir um fundamento do direito da Autora, constitui apenas facto impeditivo do direito (cláusula beneficiária do contrato de seguro) que os RR. contrapuseram ao direito da Autora.

X.

Constituindo, assim, essa alegada falsificação da assinatura da falecida irmã da Autora, facto impeditivo da excepção levantada pelos RR. (cláusula beneficiária do R. marido nos contratos de seguro), é à Autora que cumpre fazer a prova de tal facto.

XI.

Porém, com a questão da repartição do ónus da prova entre os contendores, não se confunde a questão do ónus da prova da falsidade da letra e da assinatura de um documento particular, sobre a qual igualmente se debruça o acórdão recorrido.

XII.

Na verdade, enquanto que no primeiro caso estamos perante a questão da repartição do ónus da prova dos factos que constituem os fundamentos da acção ou da defesa, neste particular já estamos perante a questão da repartição do ónus da prova relativa à falsidade de um meio de prova, in casu, de um documento particular.

XIII.

A primeira questão é versada pelo legislador no artigo 342º do CC, enquanto que da seguinte questão trata o artigo 374º do mesmo CC.

XIV.

Esta norma, contrariamente ao referido no acórdão recorrido, não regula apenas a questão da repartição do ónus da prova da autenticidade do documento particular assinado por uma das partes, mas de qualquer documento particular, seja ele ou não assinado, e seja ou não essa assinatura de uma das partes.

XV.

Assim se vê que, contrariamente ao referido no acórdão recorrido, o artigo 374º nº 2 do CC regula quer as situações em que o documento particular é atribuído à parte que o não apresenta, quer aqueles casos em que lhe é atribuído.

XVI.

Visto isso, e tendo presente que o documento em questão foi apresentado contra a Autora, por dar forma a um facto extintivo do seu direito, dúvidas não podem restar de que, tendo a mesma Autora impugnado as respectivas letra e assinatura, era à parte beneficiada com a sua apresentação, os RR., que cumpria fazer prova da respectiva autenticidade.

XVII.

Assim sendo, bem andou a sentença, quando concluiu que, estando impugnada pela Autora, a assinatura de sua irmã, alegadamente inscrita nos contratos que contêm uma cláusula beneficiária em...

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