Acórdão nº 1322/20.0T8LRA.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2023-11-07

Ano2023
Número Acordão1322/20.0T8LRA.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA)

Relator: António Fernando Marques da Silva
1.º Adjunto: Henrique Antunes
2.º Adjunto: Teresa Albuquerque

Proc. 1322/20.0T8LRA.C1

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. AA, BB e A... Unipessoal, Lda. moveram a presente acção contra o Município ..., alegando, no essencial, que os primeiros AA. são donos e possuidores do prédio urbano identificado, sendo a sociedade A... dona de estabelecimento comercial instalado, por arrendamento, no rés-do-chão e logradouro do prédio dos referidos AA., com esplanada; a R., em 25 de Julho de 2019, sob o pretexto de a A... não possuir licença de utilização do espaço público, determinou que se procedesse à destruição e remoção da esplanada, a qual foi depois removida; pelo menos desde Julho de 2019 o R. passou a fazer passar pessoas pelo logradouro do prédio dos AA., como se tratasse de espaço público; com a perda da esplanada a A... foi forçada a fechar as instalações, tendo os primeiros AA. também danos. Pediram que:

- se reconheça que os AA. são donos e possuidores do prédio que indicam;

- se reconheça que a A... é dona do estabelecimento comercial instalado no r/c do prédio dos AA.;

- se reconheça que a ocupação efectuada pelo R. do logradouro do prédio e o apossamento da esplanada é ilegítima, devendo este restituir a expensas suas o logradouro e a esplanada, abstendo-se de restringir ou dificultar o uso, fruição e disposição dos direitos dos AA., nomeadamente estar tal R. impedido de fazer passar pelo logradouro quem quer que seja;

- o R. seja condenado a indemnizar:

. os primeiros AA. no valor de 6.670 euros a título de danos patrimoniais, e 5.000 euros a título de danos não patrimoniais, acrescido do que se liquidar em execução de sentença, e

. a A. A... em 37.000 euros e 2.500 euros, acrescido do que se liquidar em execução de sentença.

O R. contestou, invocando a existência de litispendência quanto aos primeiros AA. e de questão prejudicial quanto à segunda A., impugnando a versão dos AA. (mormente alegando que o logradouro em causa está integrado no domínio público em virtude de cedência realizada pelo primeiro A.), e alegando que o direito dos AA. à restituição da posse estaria caducado e que haveria abuso de direito. Em reconvenção pediu que se reconhecesse que o R. é possuidor e proprietário da parcela em causa; e que se efectuasse a correção de áreas e confrontações do prédio em causa.

Foi avaliada a suspensão da acção, acabando esta por prosseguir.

Os AA. replicaram, tendo recusado a verificação da litispendência ou fundamento para a suspensão da acção, e em especial impugnado o acordo de cedência, afirmando ainda que a primeira A. nele não interveio e invocando a sua nulidade formal. Opuseram-se às invocadas caducidade e abuso de direito, pugnaram pela inadmissibilidade da reconvenção, pela incompetência material do tribunal quanto a ela, e pela sua improcedência, e pronunciaram-se sobre os documentos apresentados pelo R..

Foi dirigido convite ao aperfeiçoamento a ambas as partes, ao qual responderam.

Após outras vicissitudes, a reconvenção foi admitida e foi proferido saneador, no qual foram julgadas improcedentes as excepções da incompetência material quanto à reconvenção, da litispendência e da caducidade, remetendo-se para julgamento a avaliação do abuso de direito.

Por óbito de AA, foram habilitados CC e BB (que já era A.).

Realizado julgamento, foi proferida sentença, na qual se decidiu:

- declarar a A. BB e a herança aberta por morte de AA, por ela representada e também pelo habilitado CC, proprietários do prédio urbano em causa.

- declarar que a segunda A. A... Unipessoal Lda. foi proprietária desde Outubro de 2010 até Julho de 2022 de um estabelecimento comercial que se encontrava implantado no rés-do-chão do prédio referido.

- absolver o R. do demais peticionado pelos AA.

- reconhecer que a área de 351 m2 que fazia parte do logradouro do prédio indicado, no local em que confronta com o rio ..., faz parte do domínio público municipal do R. onde está implantado o passeio ribeirinho do aludido rio.

- absolver os AA. do demais peticionado pelo R. na reconvenção.

Os AA. recorreram, concluindo nos seguintes termos:

1ª) Por erro de leitura, análise e interpretação crítica, reflexiva, dos elementos probatórios constantes do processo e, da gravação de declarações e depoimentos de parte das testemunhas rectro identificadas, os factos articulados e essenciais que, constituem a causa de pedir e, aqueles em que se baseiam as exceções invocadas, os pontos de facto considerados “provados”, encontram-se incorrectamente julgados:

- Os enunciados sob os pontos 5º (parte); 9º; 10º; 11º; 12º; 13º; 14º; 15º; 16º; 17º; 18º; 19º; 20º; 21º; 22º; 23º; 25º; 26º; 27º (parte final).

Assim como,

- Os factos considerados “não provados”:

- E, sob as alíneas a); b); c); d); e); f); g);

Bem assim, omitiram-se os relevantes e úteis, sob os pontos: 44º; 45º; 48º; 52º e 61º da p.i. e; 2.8; 2.9 e 2.11 da Réplica. Com efeito,

2ª) Sem pretender postergar o livre arbítrio do julgador, tendo Tribunal a quo, na apreciação e decisão das provas, perante os elementos probatórios especificados e concretizados, nos pontos e, nas passagens concretas mencionadas e, transcritas no corpo das alegações, aqui também, impetradas e dadas por reproduzidas; deve ser proferida – sobre tais questões de facto impugnadas – a seguinte:

Dos factos considerados “provados”

Ponto 5:

- Alterar para “até, pelo menos, 26/07/2019”, passando a ter a redacção: “5- Desde a data indicada em 1, os primeiros AA têm usado e fruído o aludido prédio, procedendo a obras de recuperação do mesmo, à vista de todos, e sem qualquer oposição de quem quer que seja, e no que se refere ao logradouro até - pelo menos – 26/07/2019”.

Ponto 27:

- Passar a ter a seguinte redacção: “A A. A..., Lda. usou entre Julho de 2018 e, a data de da renovação, a esplanada que construiu”.

Dos factos considerados “não provados”

Os mencionados sob as alíneas b); b); c); d); e); f) e g) devem ser tidos como provados e, serem aditados aos factos provados; cuja redação se dá por reproduzida.

Dos factos relevantes, úteis e necessários à boa decisão da causa

Os articulados na p.i.:

Ponto 44: - A estrutura da esplanada destruída foi instalada em substituição da anteriormente existente.

Ponto 45: - A estrutura em madeira, nos topos com floreiras, com cerca de 1,20m de altura, lateralmente com vidro acrílico, intervalado por prumos e, estrado na base com 40 m2.

Pontos 48 a 52: - Foram retirados os topos, a parte lateral e, posteriormente, o estrado.

Ponto 61: - A A. A... tinha obrigações mensais certas, no valor de € 2.528,57.

Na réplica:

Ponto 2.8: - Já em 2005, o R. impôs condicionalismos à construção do prédio.

Ponto 2.9: - Os AA colocaram uma corrente, apoiada em prumos, junto à Rua ....

Ponto 2.11: - O Réu para viabilizar a construção do edifício, exigiu demolição do edifício pré-existente.

3ª) Os AA não quiseram, nem cederam qualquer área dos logradouros do seu prédio, nem há declaração ou protocolo válido e eficaz de transmissão do direito de propriedade do seu imóvel e, da posse legitima.

4ª) O corredor ribeirinho encontra-se para lá dos logradouros do prédio, dos 1ºs AA.

5ª) A conduta do R. é ilícita e violadora, de forma culposa e danosa, dos direitos dos AA.

6ª) A factualidade apurada, bem como, a pugnada, levou à procedência quanto ao direito de propriedade dos AA, relativamente ao prédio urbano identificado no art. 6º da p.i. e, do estabelecimento comercial designado “B...”, instalado no r/ch e logradouro daquele, com a estrutura em madeira, a servir de esplanada; devendo o R. ser condenado a restituir – imediatamente – a suas expensas, o logradouro e a mesma esplanada.

7ª) O R., perante atos lícitos, culposo e danosos, por si praticados; deve ser condenado a indemnizá-los nas quantias peticionadas, decorrente da sua conduta e, da que se vier a liquidar em execução de sentença.

8ª) O Réu deve ser ainda condenado, a abster-se definitivamente, de por si ou por outrêm, por qualquer força ou modo, lesar os direitos e, a posse dos AA.

9ª) A Reconvenção deverá ser julgada improcedente.

10ª) As custas da responsabilidade do R., por ter dado causa à acção.

11ª) A decisão, quanto à matéria de facto impugnada e, o direito na parte posta em crise, não se revela a mais assertiva, nem consentânea com os princípios fundamentais do direito constitucional, do direito civil, processual civil, registral e com o RCP, nem com a mens legis e, os comandos legais atinentes e aplicáveis. Pelo que,

12ª) Mostram-se violados, mormente, o disposto nos arts.: 2º; 20º, nº 4; 62º e 202º da CRP; arts.: 342º; 350º; 352º; 483º; 496º; 562º; 875º; 940º; 947º; 1305º; 1311º; 1312º; 1682-Aº do CC; arts.: 1º; 2º; 3º; 527º; 607º, nº 4 do CPC; art. 7º do Código Registo Predial e, art. 14º do RCP.

A R. respondeu, afirmando não terem os AA. cumpridos os ónus inerentes à impugnação da matéria de facto e sustentando a improcedência do recurso.

Notificados, os AA. responderam, sustentando a regularidade do seu recurso.

II. O objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente (art. 635º n.º4 e 639º n.º1 do CPC), «só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa».

Assim, são as seguintes as questões a tratar:

- avaliação da impugnação da matéria de facto dada como provada, primeiramente quanto à sua admissibilidade formal, depois, aceite tal admissibilidade, quanto ao mérito da impugnação.

- avaliação da existência e validade/eficácia do acordo de cedência de parte do prédio em causa;

- avaliação da existência de conduta do R. violadora do direitos e/ou posse dos AA., mormente à luz da cedência invocada, e

- na afirmativa, se existem danos a ressarcir, e

- avaliação da improcedência da reconvenção.

III. 1. Na pág....

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT