Acórdão nº 950/17.5T9LSB.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 28 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA DO CARMO FERREIRA
Data da Resolução28 de Março de 2019
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, os Juizes da 9a. Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.

  1. RELATÓRIO.

    No âmbito do processo supra identificado que corre termos no Juízo de Instrução Criminal de Lisboa- J5 do Tribunal da Comarca de Lisboa, veio a Assistente AA.., interpor recurso da decisão judicial que rejeitou o seu requerimento para abertura da Instrução.

    Este requerimento veio na sequência do despacho de arquivamento que o M°.P°. proferiu em 19/4/2018, após a realização da investigação dos factos denunciados na queixa apresentada pela agora assistente contra BB e Centro Hospitalar Lisboa ….,….E.

    É pois da decisão de rejeição do requerimento para abertura da instrução que recorre a Assistente, formulando na respectiva motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem.

    1. O presente recurso põe em crise o despacho de não pronúncia após o requerimento de abertura de instrução pela Recorrente.

    2. O despacho refere o seguinte: "(...) Peticiona-se a pronúncia, das "denunciadas" pela prática do crime de homicídio negligente e de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelos artigos 137° e 148°, conjugados com o artigo 15° do C. Penal". Desde já se afirma que, da leitura do requerimento de abertura de instrução não só não resulta a alegação de factos que consubstanciem a prática de um crime (necessários a uma pronúncia), como também não identifica um agente dos factos, a assumir a qualidade de arguido.".

    3. Acresce, "(...) A assistente não refere, em concreto, quais os comportamentos que cada uma omitiu, nem a forma da ação de cada um, nem estabelece um nexo de causalidade delimitado (embora afirme que existe), que permita concluir pela imputação de factos às denunciadas. Afigura-se-nos, assim, ser de concluir que o requerimento de abertura de instrução não contém os factos necessários a uma pronúncia.".

    4. Pelo que, conclui o douto despacho de não pronúncia pelo seguinte: "(...) No presente caso o requerimento de abertura de instrução apresentado não contém os elementos necessários a uma eventual pronúncia, pelas razões acima apontadas. Por outro lado também se não identificam ou não se identificam suficientemente os autores dos factos.".

    5. Ora, a Recorrente discorda de tal decisão, reiterando que se encontram bem identificados os autores dos factos pelos quais, imputa às denunciadas, a prática do crime de homicídio negligente e de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelos artigos 137° e 148°, conjugados com o artigo 15° do C. Penal".

    6. Os autos contêm prova muito relevante que impunha decisão diversa, tal como prefigura o disposto na alínea b) do n.° 3 do artigo 411/CPP.

    7. Na realidade, não foi considerado o teor dos depoimentos prestados ao Hospital de ………, pelas Ofendidas e Denunciantes — vide documentos 3 e 4 /queixa. Os mesmos demonstram bem a pergunta imperativa que aquelas colocaram, que se impõe perguntar de novo e que no decurso do inquérito não obteve qualquer resposta: a 2a Denunciada tem de esclarecer as razões de ciência quanto à ausência de medicamentação prescrita ao falecido CC, referente ao tratamento da Hepatite C, que este possuía.

    8. Foi solicitado pela BB – 1ª Denunciada — à 2ª Denunciada, a respetiva autorização para ministrarem o tratamento adequado, embora o tenha feito de forma inexplicável e tarde demais, quando nada poderia ser revertido, relativamente à doença.

    9. Também um Relatório médico, de 12 outubro de 2015, subscrito pela BB, do serviço de gastrenterologia - P Denunciada — em que, por força do mesmo, se afere a inexistência de qualquer iniciativa médica para prescrever ao doente, o medicamento para tratamento e cura da hepatite C - Este relatório supra, foi junto com o requerimento de 22 de junho de 2018.

    10. Por outro, o relatório incorre em falta de verdade porquanto, refere que a ecografia abdominal tirada em outubro de 2014, se encontrava normal, sem referir, contudo, que as análises de CC, realizadas em 12-09-2014, ou seja um mês antes do relatório, demonstram e referem um aumento da «alfa-fetoproteína», marcador tumoral, confirmando-se, posteriormente, tal aumento brusco em dezembro de 2014.

    11. Ora, o relatório foi elaborado pela médica, BB, a mesma que acompanhava na doença, CC, e que, portanto, tinha como dever médico, interpretar bem as análises que lhe eram submetidas e ao seu cuidado. Aliás, o relatório nem faz menção sequer, aos índices da «alfa-fetoproteína», resultantes das análises de setembro de 2014, o que é inaceitável.

    12. Acresce, igualmente foi ignorada outra prova documental, constante nos autos, designadamente um fax a fls.., intra-hospitais, solicitando consulta de urgência para o doente CC, em 14 abril de 2015. Este relatório foi junto como requerimento de 22 de junho de 2018.

    13. A verdade é que não se teve em conta este documento supra, essencial para a descoberta da Verdade. Da análise do mesmo, nomeadamente do relatório em anexo ao referido fax, pela primeira vez (sem que tal facto conste de relatórios da médica ou até de anotações), se verifica que a 1ª Denunciada, refere (parte final do documento), a necessidade de efetuar um pedido de terapêutica antiviral com «sofosbuvir», o medicamento para o tratamento e cura hepatite C.

    14. Resta acrescentar que não sabemos nada sobre a concretização de tal pedido, qual a resposta que obteve, e porque não o fez em 2014, sabendo e sendo conhecedora como ninguém, do facto de CC ter Hepatite C? 15. Afinal, a BB sabia das possibilidades de ser ministrado o medicamento acima referido, e que tal constituiria uma oportunidade de vida porque não o fez em tempo útil sabendo que, provavelmente, teria salvo a vida de CC? 16. Como também foram ignorados outros elementos de prova documental, relevantes, que constam nos autos, que impunham outra decisão a bem da Verdade e da Justiça! 17. A verdade é que, por força do despacho de não pronúncia de que se recorre, repetiu-se ali, a conclusão errónea de não se verificarem indícios suficientes da verificação de um crime, reiterando-se, sem invocar, o disposto no n.° 2 do artigo 277°/CPP.

    15. Ora, julgamos estar perante um caso de erro quanto à determinação da norma aplicável, tal como prevê a alínea c) do n.° 2 do artigo 412°/CPP, porquanto a norma que deveria ter sido aplicada e não foi, reside no disposto no artigo 287°/CPP, com a determinação de abertura de instrução face aos elementos existentes.

    16. Aliás, sempre se refere que o requerimento de abertura de instrução não pode, salvo melhor entendimento, ser analisado, de modo independente relativamente ao conteúdo existente nos autos, isto é a prova existente.

    17. Razão pela qual não se entende nem se aceita, que estando sobejamente identificada a médica responsável pelo acompanhamento de CC, assim como a entidade hospitalar, também ela responsável pelos atos, se venha referir pela inexistência da indicação dos agentes do crime? 21. Como também não se aceita a invocada inexistência de nexo causal entre os agentes e os atos, quando na realidade a questão que aqui se coloca é simples: porque razão, uma médica e um hospital, que acompanham um doente há mais de quinze anos, sabendo bem a doença de que aquele sofre, tendo consciência de que a nova medicação poderia ser a última oportunidade de vida, porque razão não prescreveram tal tratamento? Porque não o fizeram em tempo útil? Quando ainda poderia salvar CC? 22. Um dos fundamentos do presente recurso sublinha o disposto na alínea a) do n.° 3 do artigo 411°/CPP, com a verificação de concretos factos, incorretamente julgados, a nosso ver.

    18. Nada foi referido no despacho de arquivamento, de relevante ou irrelevante, acerca dos depoimentos das Denunciantes e de uma familiar testemunha DD, irmã de CC. Apenas ali consta que as queixosas confirmaram o teor da queixa apresentada.

    19. Acresce, igualmente o despacho de arquivamento, refere que a irmã de CC confirma o teor da queixa. Ora confirmar o teor da queixa é precisamente imputar a prática de negligência às denunciadas quanto ao que poderiam e deveriam ter feito para salvar a vida de CC.

    20. Mais, o depoimento de EE, médico, a fls.., revela algo que passou completamente despercebido, nomeadamente: o facto das Denunciantes terem sempre referido que CC insistiu sempre para com a 1° Denunciada e sua médica, para que esta lhe ministrasse o medicamento de cura da hepatite C 26. Acresce, sobre o depoimento de FF, médica, dir-se-á, no mínimo que a mesma deveria ter sido ouvida de novo. Na realidade, quando a mesma refere: "(...) Na opinião da depoente, nesta fase da doença, desde março de 2015, não fazia sentido pensar em tratar o vírus da...

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