Acórdão nº 174/19 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Pedro Machete
Data da Resolução19 de Março de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 174/2019

Processo n.º 140/19

2.ª Secção

Relator: Conselheiro Pedro Machete

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. A., notificado da Decisão Sumária n.º 102/2019, que não conheceu do objeto do recurso de constitucionalidade por si interposto, vem reclamar para a conferência ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional – “LTC”).

O reclamante, recorrente nos presentes autos, em que é recorrido o Ministério Público, foi condenado em primeira instância na pena de sete anos de prisão, pela prática, em coautoria, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência à tabela I-C, anexa a tal diploma.

Inconformado com tal decisão, o arguido interpôs recurso, dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça, mas que, em primeira instância e no Tribunal da Relação de Lisboa, se entendeu dever ser apreciado por aquele Tribunal da Relação, por versar não só matéria de facto, mas também matéria de direito.

O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 13 de dezembro de 2018, apreciando tal recurso, bem como um recurso interlocutório no qual o arguido declarou manter interesse – o recurso interposto do despacho proferido em 3 de maio de 2018 –, negou provimento aos mesmos, confirmando integralmente as decisões recorridas.

Deste acórdão, o arguido, ora reclamante, interpôs o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alíneas b) da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional – LTC)

2. É a seguinte a fundamentação da decisão sumária ora reclamada:

«5. Conforme resulta do requerimento de interposição de recurso para o tribunal constitucional e das respetivas conclusões, o recorrente, com esta impugnação, pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional uma denominada “questão prévia” e outras quatro questões, epigrafadas sob os pontos I. a IV. das aludidas conclusões.

In casu , e em relação a todas as referidas questões, o objeto do recurso prende-se exclusivamente com a eventual inconstitucionalidade da decisão recorrida.

5.1. Assim, e no que respeita à “questão prévia”, o recorrente pretende questionar a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, que entendeu ser competente para a apreciação do recurso interposto (e que havia sido dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça), por o mesmo versar «não só sobre matéria de direito mas também de facto (implicando a alteração desta última caso procedessem invocadas nulidades)» (cf. fls. 1775/v.º).

O recorrente discorda deste entendimento, sustentando que o recurso em causa é um recurso per saltum, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea c) do CPP, considerando que o mesmo deveria ter subido ao Supremo Tribunal de Justiça e aí ser apreciado.

É esta discordância relativamente à natureza do recurso por si interposto, bem como quanto ao tribunal competente para a sua apreciação, que o recorrente pretende ver dirimida. Daí que, na verdade, não chegue a indicar uma qualquer norma ou interpretação normativa, com suficiente generalidade e abstração, aplicada pelo tribunal a quo, tida por inconstitucional.

Em suma, o que o recorrente reputa inconstitucional é a própria decisão, na medida em que esta não determinou que os autos subissem para o Supremo Tribunal de Justiça, tribunal que, em seu entender, seria o competente, no caso concreto, para apreciar o recurso. E é essa decisão que, na perspetiva do recorrente, viola os seus «direitos constitucionais de defesa», previstos nos artigos 32.º, n.ºs 1 e 9 (na medida em que «nenhum processo poderá ser subtraído ao tribunal competente, neste caso, o STJ»), e 20.º da CRP.

5.2. Relativamente à questão referida no ponto I. das mencionadas conclusões («Da omissão de diligências essenciais e preterição do direito de defesa, artigo 32 da CRP»), o recorrente pretende igualmente sindicar a decisão recorrida, na medida em que esta entendeu não ter ocorrido a nulidade por si invocada, com fundamento no artigo 120.º, n.º 2, alínea d,) do Código de Processo Penal. O recorrente discorda de tal decisão «por considerar que os meios de prova que requereu são essenciais à descoberta da verdade material» (cf. conclusão 3), e ainda porque tal diligência poderia alterar o tipo de crime, de tráfico agravado, para tráfico simples ou para tráfico de menor gravidade (cf. conclusão 5).

Também quanto a esta questão o requerente não indica – nem pretende questionar – uma qualquer norma ou interpretação normativa, autonomamente aplicada pelo tribunal a quo, enquanto critério de decisão. Pretende, conforme referido, sindicar a própria decisão, na medida em que esta não admitiu a realização de determinadas diligências de prova, por si requeridas.

E é justamente à própria decisão que o recorrente reporta o problema de constitucionalidade, referindo que «têm os tribunais superiores, arguida a nulidade, os poderes para admitir, rejeitar a omissão de prova essencial, como sucede in casu, artigo 20 e 32 n.º 1 da CRP» e que «[o] indeferimento das diligências de prova contende grosseiramente e ostensivamente, com o direito de defesa, consagrado no artigo 31 da CRP (cf., respetivamente, as conclusões 7 e 8).

5.3. No que respeita à questão referida no ponto II. das conclusões («Das interceções telefónicas e violação do artigo 18 e 34 da CRP»), o recorrente não identifica também qualquer norma ou interpretação normativa que repute inconstitucional, reportando as inconstitucionalidades invocadas ao modo como o tribunal a quo aplicou o direito infraconstitucional ao caso concreto, tendo em conta as suas especificidades. Por essa razão, sustenta que o tribunal a quo violou, não só normas e princípios constitucionais, mas também o próprio direito infraconstitucional.

Por essa razão, embora o recorrente comece por referir que «[d]iferente interpretação ao disposto no n.º 1 do artigo 187º do C.P.P. representa uma clara inconstitucionalidade, por força dos artigos 18º e 34º da C.R.P. a qual, desde já, se arguiu» (cf. conclusão 9), não só não indica qualquer interpretação dessa norma que tenha sido efetivamente aplicada, como reporta o problema ao caso concreto e à circunstância de, no seu entender, inexistir autorização de transferência de escutas telefónicas de um outro processo para os presentes autos ou, pelo menos, inexistir certidão de tal autorização, ao que acresce o facto de, segundo entende, não existir também despacho devidamente fundamentado que tenha autorizado tais escutas, bem como a sua transferência para os presentes autos (cf. conclusões 10 e 11). E conclui que o circunstancialismo descrito acarreta nulidade insanável de tais escutas (cf. conclusão 12), na medida em que «ofende os princípios constitucionais ínsitos no art. 205.º da CRP, mas também o disposto no art. 97.º, n.º 5 do CPP, conjugado com os arts. 187º, n.º 8 e 190.º do mesmo compêndio legal» (cf. conclusão 13) e que a sua utilização como meio de prova afeta «o quid dos direitos fundamentais consagrados nos arts. 26.º, n.º 1 e 34.º, n.º 1 e 4 da CRP» (cf. conclusão 14).

Em suma, com a questão ora considerada, o recorrente, mais uma vez, não pretende sindicar a constitucionalidade de qualquer norma ou interpretação normativa, destacável do caso concreto, enquanto critério de decisão. Pretende, isso sim, questionar a validade da prova tida por relevante no caso concreto, designadamente a validade das escutas (cf. conclusão 14), dos dados de tráfego e localização (cf. conclusão 15), bem como o cumprimento, em concreto, do dever de fundamentação das decisões (cf. conclusão 16) e ainda o modo como, na situação dos autos, o tribunal a quo valorou as provas existentes nos autos e formou a sua convicção (cf. conclusão 17).

E é justamente este escrutínio, respeitante ao modo como o tribunal a quo aplicou do direito infraconstitucional ao caso concreto, em face das suas particularidades, que o recorrente pretende que seja efetuado, razão pela qual não coloca, com tal questão, um qualquer problema de inconstitucionalidade de uma norma ou interpretação normativa, nos termos expostos, pretendendo tão só que se aprecie a decisão concreta quanto aos referidos aspetos.

5.4. Com a questão a que se reporta o ponto III. das conclusões («Do in dubio pro reo»), o recorrente também não refere qualquer norma ou interpretação normativa, aplicada pelo tribunal recorrido, enquanto critério de decisão, e que seja tida por desconforme com a Constituição.

Conforme resulta evidenciado pela leitura do requerimento de interposição de recurso, com esta questão, o recorrente pretende sindicar o juízo concreto, efetuado pelo tribunal recorrido, em face das provas existentes nos autos, confrontando-o com o princípio constitucional da presunção de inocência.

Com efeito, na sua perspetiva, «face às questões levantadas no ponto 3.4 da sentença, deverá o Arguido beneficiar de uma redução de pena, pois não há dúvidas de que foi encontrado com o produto estupefaciente, mas, não há elementos de prova que indiciem que (…) venda o produto estupefaciente, ou havendo algum elemento o Tribunal terá de ficar na dúvida e nessa medida não poderá punir o Arguido, devendo baixar consideravelmente a pena aplicada» (cf. conclusão 19). É justamente por entender que, no caso concreto, em face da prova produzida, «persiste uma dúvida razoável e insanável acerca da culpabilidade ou dos concretos contornos da atuação do acusado» e que «esse non liquet na questão da prova tem de ser resolvido a...

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