Acórdão nº 1529/11.0TBPMS-B.C1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelSOUSA LAMEIRA
Data da Resolução22 de Janeiro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – RELATÓRIO l.

AA e mulher BB, CC, nos autos à margem referenciados, tendo sido notificados do despacho que rejeitou por extemporaneidade, ao abrigo do art. 58.º do C. das Expropriações, os meios de prova adicionais, apresentados pelos expropriados, em consequência dos relatórios periciais apresentados nos autos vieram - com apoio judiciário na modalidade de dispensa total de pagamento de encargos com o processo - interpor Recurso de Apelação.

2.

O Tribunal da Relação de Coimbra, por Acórdão de 5 de Junho de 2018 negou «provimento ao recurso interposto, mantendo-se a decisão proferida, ínsita no despacho em causa».

3.

Inconformados, os Expropriados DD, recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formularam as seguintes conclusões: A.

Vem o recurso interposto do segmento decisório do acórdão recorrido que rejeitou por extemporaneidade ao abrigo do art. 58.° do C. das Expropriações, os meios de prova adicionalmente apresentados e requeridos pelos expropriados, em consequência do relatório pericial, designadamente, requerimento de inspecção judicial, róis de testemunhas e pedido de obtenção de documentos.

B.

O douto acórdão recorrido, não deve manter-se, devendo ser revogado e substituído por outro que determine a admissão dos meios de prova in crise, pois não consagra a justa e correcta aplicação das normas legais e dos princípios jurídicos aplicáveis, sendo contraditório com outros emanados pelos Tribunais da Relação, pelo Supremo Tribunal de Justiça e pelo Tribunal Constitucional, sem que tenha sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

C.

Neste sentido - de adição de novos meios de prova - ainda em sede do art. 73.° do anterior Código das Expropriações, já se havia pronunciado a 3a Secção do Tribunal Constitucional, em 27/02/2013, no Processo n.° 345/12, ao: "Julgar inconstitucional, por violação do n." 4 do artigo 20.° da Constituição, a norma resultante do artigo 73°do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto - Lei n." 845/76, de 11 de novembro, e dos artigos 523." e 524." do Código de Processo Civil, quando interpretados no sentido de que as partes não podem juntar documentos supervenientes, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior à interposição ou resposta ao recurso da decisão arbitral.

D.

Analisado o regime jurídico do processo de expropriação, verifica-se que, na sua fase jurisdicional, o processo de expropriação litigiosa é um processo especial, constituindo a sua tramitação, um desvio relativamente às formas do processo comum, contudo, dispõe o n.° 1 do art. 549° do CPC que "os processos especiais regulam-se pelas disposições que lhes são próprias e pelas disposições gerais e comuns; em tudo quanto não estiver prevenido numas e noutras, observar-se-á o que se acha estabelecido para o processo comum", o que, dispensa, no nosso entender, a menção, no Código das Expropriações, da referência expressa à aplicabilidade a título subsidiário, das regras do processo comum - pois essa aplicabilidade, decorre do próprio diploma processual, do que resulta que, em matéria processual, se uma qualquer situação não estiver directamente regulada no Código das Expropriações, haverá que lançar mão das regras gerais e comuns do CPC e, no que nestas não estiver regulado, das normas que regulam o processo comum.

E.

Temos assim que, o recurso da decisão arbitral não se configura como um verdadeiro recurso ordinário, atendendo a que, a decisão arbitral assenta apenas nos laudos dos árbitros, de que os expropriados não podem reclamar, não havendo, pois, possibilidade de contraditório e de, através deste, influir na decisão, conforme tem sido orientação da doutrina e vindo a ser decidido pelos nossos Tribunais Superiores.

F.

Razão pela qual, na sua fase jurisdicional, o processo de expropriação litigiosa é um processo especial, constituindo a sua tramitação, um desvio relativamente às formas do processo comum, dispondo o art. 549.°, n.° 1 do CPC que "os processos especiais regulam-se pelas disposições que lhes são próprias e peias disposições gerais e comuns; em tudo quanto não estiver prevenido numas e noutras, observar-se-á o que se acha estabelecido para o processo comum".

G.

Essa fase jurisdicional, inicia-se com o recurso da decisão arbitral, equivalendo o requerimento de interposição, a uma petição inicial, na qual, o recorrente, ao invocar as razões da sua discordância com o acórdão dos árbitros, apresenta a sua causa de pedir, na sequência do que deduz o pedido de indemnização que considera ajustada9. Motivo pelo qual, o recurso da decisão arbitral configura-se, assim, como uma fase declarativa especial que, partindo da decisão dos árbitros, se vem a desenvolver como uma verdadeira acção declarativa, tendo em vista quer a discussão, como o apuramento da justa indemnização, com respeito pleno pelo contraditório (cfr. art. 60° do C. das Expropriações) e com recurso a todos os meios de prova (arts. 58° e ó0°/2 do C. das Expropriações), sendo assim aplicável o disposto no art. 549.°, n.° 1 do CPC.

H.

Ao contrário da posição perfilhada no acórdão sub judice, do art. 58° do C. das Expropriações apenas decorre para o recorrente, além do mais, o dever de oferecer, no requerimento com que interpõe o recurso da decisão arbitral, a prova documental e as demais provas que se propõe produzir para fundar as razões da sua discordância quanto ao valor indemnizatório fixado pelos árbitros, limitando-se o art. 58.° do Código das Expropriações, a determinar o momento e a peça processual em que essa prova deve, como regra, ser produzida, em regime sincrónico com o do art. 423°, n° 1 do CPC.

I.

Nada mais dele pode inferir-se, designadamente a impossibilidade de apresentação ou alteração dos meios de prova em momento ulterior- matéria sobre claramente não se pronunciou. E não o fez, porque o legislador não quis, nem seria razoável que o fizesse, esgotar a regulamentação do processo especial expropriativo, limitando-se a traçar as grandes linhas do processo, sabendo que tudo o mais, por força do citado art. 549°, n.° 1 do CPC, ficava automaticamente regulado.

J.

Se o legislador do C. das Expropriações, quisesse vedar aos recorrentes a apresentação de ulteriores meios de prova, fora do momento aludido no art. 58.° do C. das Expropriações, tê-lo-ia consagrado expressamente, sancionando com o desentranhamento a apresentação tardia, fora desse momento, como o não fez, há que considerar aplicável o regime do CPC, designadamente o previsto no n.º 2 do art. 423°, art. 424°, art. 490.° e art. 598.° do CPC.

K.

Sobre as partes impende o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade (art. 519o do CPC) razão pela qual, se justifica que, se lhes permita indicar e trazer ao processo todos os meios de prova que considerem relevantes para o apuramento da verdade material.

L.

Não se entenderia que as partes não pudessem juntar, depois da interposição do recurso da decisão arbitral e da resposta da parte contrária, documentos destinados a provar factos posteriores a essas peças processuais, ou cuja apresentação se tivesse tornado necessária por virtude de ocorrência posterior. E esta ideia é especialmente relevante, num processo em que a justa indemnização, mais do que um pressuposto do legitimidade da expropriação - é parte integrante do seu conceito - devendo as garantias consagradas no Código das Expropriações estar direccionadas a assegurar, sem qualquer reservo, que a indemnização seja justa, o que passa pela salvaguarda adequada dos direitos dos particulares prejudicados pela expropriação.

M.

A impossibilidade de indicação de novos meios de prova, foro do requerimento de interposição de recurso da decisão arbitral poderia conduzir, em muitos casos, ao triunfo de uma justiça meramente formal sobre a justiça material; e tal seria o caso vertente, em que quer a inspecção judicial como o arrolamento das testemunhas, tonou-se necessária em face dos relatórios e das conclusões apresentadas pelos Peritos, sendo, pois, admissível à luz do disposto no art. 490.° e do art. 598.° do CPC.

N.

De facto, estatui o art. 598.° do CPC que, o rol de testemunhas pode ser alterado ou aditado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência de julgamento, sendo a parte contrária notificada paro usar, querendo, de igual faculdade, no prazo de 5 dias (n.° 2), incumbindo às partes a apresentação destas novas testemunhas [n.° 3).

O.

Estes normativos (art. 423.°, 424.°, 425.°, 490.° e art. 598.° do CPC) têm plena aplicação no processo expropriativo, por via do referido art. 549.°, n° l do CPC e art. 61.°, n.° 1 do C. das Expropriações, pelo que o despacho judicial recorrido que indeferiu os meios de prova oferecidos pelos recorridos por extemporaneidade, e o acórdão sub judice, que confirmou tal decisão interlocutório, deve ser revogado e substituído por outro que os admita.

P.

O art. 61° n.° 1 do Código das Expropriações, ao determinar que as diligências instrutórias são "as que o Tribunal entenda úteis à decisão da causa", confere ao juiz largos poderes de inquisição, sendo, pois, o princípio do inquisitório ou da oficialidade um dos princípios gerais aplicáveis ao processo expropriativo10, nesses poderes incluem-se, naturalmente, o de efectuar a inspecção judicial ao locai, mandar juntar os documentos que entenda, ou determinar a inquirição de pessoas que tenham conhecimento de...

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