Acórdão nº 3259/03.8TXCBR-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelADELINA BARRADAS OLIVEIRA
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL.

Decisão: REVOGADA A DECISÃO.

Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO - LIVRO 617 - FLS 159.

Área Temática: .

Sumário: I - A libertação condicional e o seu período de adaptação servem o objectivo da criação de um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recuperar o saber viver social enfraquecido por efeito da reclusão.

II - A possibilidade do recurso à vigilância electrónica na fase de adaptação, permite flexibilizar a execução ou antecipar a concessão de liberdade condicional, no caso de penas mais longas.

III - O despacho que recuse a liberdade condicional deve observar os requisitos da sentença, expondo os fundamentos e indicando e examinando criticamente as provas, de modo a permitir o escrutínio da razoabilidade do decidido.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Processo nº 3259/03.8 TXCBR-A.P1 Relator: - Adelina Barradas de Oliveira Vindos de: - Tribunal de execução de Penas do Porto Recorrentes: - B……….

(Liberdade Condicional) Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto 1 – Nos presentes autos em que é arguido B………., veio o mesmo, interpor recurso da decisão que lhe negou a liberdade condicional.

Apresentou para tanto as seguintes conclusões que se resumem: 2.1. O despacho recorrido é nulo por não exibir as razões de facto e de direito que conduziram à recusa da liberdade condicional - arts. 374.°, n.° 2, e 379.°, n.° 1, al. a); 2.2. Com efeito, são desconhecidas do recorrente, porque não constam do despacho recorrido, as posições assumidas pelos membros do Conselho Técnico, pelos técnicos de educação e de reinserção e pelo director do estabelecimento prisional; 2.3. A recusa da liberdade condicional assentou apenas na invocação de exigências de prevenção geral e especial muito acentuadas; É feita uma referência muito leve ao trajecto pessoal e prisional do recluso e às condições objectivas existentes no meio livre, referência que não teve em consideração que, apesar de apresentar três incidentes disciplinares, sempre trabalhou e demonstrou uma evolução positiva de assimilação do comportamento passado, já lhe tendo sido concedida a possibilidade de usufruir de uma saída precária de curta e longa duração em que foi cumpridor das normas e condutas a que estava obrigado; 2.4. Procurou e conseguiu ocupação laboral, como atesta o documento que junta com a motivação do recurso; 2.5. É casado e a esposa tem acompanhado o seu percurso prisional, apoiando-o incondicionalmente, o que constitui uma grande ajuda na sua ressocialização; 2.6. Tem apoio familiar e dos amigos, bem demonstrado nas visitas ao estabelecimento prisional e no acompanhamento e conforto que todos lhe deram e darão nas saídas precárias; 2.7. O despacho recorrido interpretou de forma manifestamente errada a norma do art. 61.°, n.° 3, do CP, por referência à a) do nº 2 do mesmo artigo, violando os princípios constitucionais da adequação, proporcionalidade e da necessidade, motivos pelos quais deve ser revogado e substituído por outro que conceda a liberdade condicional ao recorrente.

*O MP em primeira instância respondeu ao recurso da seguinte forma.

Perante o quadro traçado nos relatórios e pareceres técnicos, concordamos que não estão verificados os imprescindíveis pressupostos para a concessão da liberdade condicional ou da sua antecipação com período de adaptação nos termos previstos no artº 62º do CP.

Com efeito, o longo passado criminoso, os incidentes disciplinares acima referidos, e a ainda reduzida interiorização da pena, constituem sérios riscos de reincidência e, por isso mesmo, levam à conclusão da inoportunidade da sua libertação, ainda que condicionada a deveres e com fiscalização pela DGRS.

Por outro lado, a sua libertação não se mostra compatível, para já, com a defesa da ordem e a paz social.

É certo que cumpriu metade da pena de prisão em execução, tempo que não é dispiciendo para interiorização da sua finalidade; mas tudo indica que não foi suficiente.

Não se esquecem as citadas recomendações do relatório da CEDERSP.

Certo é, de igual modo, que com a alteração do Código Penal - Lei n° 59/2007, de 04/09 - está prevista, no artigo 62°, a possibilidade de - antecipação da liberdade condicional, pelo período máximo de um ano, sujeição ao regime de permanência na habitação, fiscalizado por meios de controlo à distância.

Acontece que, perante os relatórios e pareceres técnicos emitidos, a conclusão é a da não verificação, por enquanto, dos necessários pressupostos.

Todas razões acima enunciadas constam do despacho recorrido, que está portanto, suficientemente fundamentado e isento de qualquer vício, nulidade ou irregularidade e assenta em prova e razões suficientes e perfeitamente compatíveis com a respectiva conclusão.

Não houve violação da lei.

O recurso não merece provimento.

****Neste Tribunal, a Exmª Procuradora Geral -Adjunta emitiu douto parecer Exactamente no sentido oposto e que se passa a transcrever.

  1. Cumpre emitir parecer, nos termos do art. 416.°, nº 1.

  2. Vistos os seus fundamentos, temos que o recurso suscita, a nosso ver, duas questões essenciais, a saber: 1.1. Nulidade do despacho recorrido, por falta de fundamentação - arts. 374.°, n.º 2, e 379.°, n.º 1, al. a); 1.2. Errada interpretação das exigências legais da concessão da liberdade condicional 61.°, do CP.

    Vejamos cada uma delas, se for caso disso.

  3. O despacho recorrido inventaria a pena que o arguido cumpre e os crimes que lhe estão subjacentes, baliza os seus momentos relevantes de cumprimento, anota os antecedentes criminais do arguido e elenca os incidentes disciplinares.

    Refere que o arguido se encontra em regime fechado, com ocupação na barbearia, que goza de apoio da companheira e da família alargada, que não gozou ainda de medidas de flexibilização da pena e que não apresenta um plano de reinserção em meio livre, mormente no plano laboral, autónomo e suficientemente consistente.

    E conclui que: "Atento este numeroso/variado e grave quadro criminal e atenta esta concreta evolução na execução da pena, afinal, sem indicadores efectivos e consistentes de mudança - sentem-se exigências de prevenção geral e especial muito acentuadas que reclamam acrescida efectiva reclusão. Nos termos do art. 61.º, nº 2, al. a) e b) "a contrario” do CPenal alterado pela Lei n.º 59/07 de 4/9, não se concede regime de liberdade condicional." Será o descrito bastante para considerar fundamentado o despacho? Parece-nos que não.

    Vejamos porquê! 3. Os despachos que recusem a liberdade condicional, apesar de terem tal natureza cfr. designativos constantes dos arts. 485.°, n.º 6, e 486.°, n.º 4, devem observar os requisitos das sentenças, imposição que a doutrina e a jurisprudência buscam na aplicação analógica-art. 4.°_ das determinantes do art. 374.°, n.º 2.

    A negação da liberdade condicional carece de uma fundamentação completa como se se tratasse de uma sentença, sobretudo após a alteração que tornou esse despacho recorrível·cfr. Lei 48/2007, de 29/08.

    A sindicância do despacho em recurso só se viabiliza através de uma suficiente fundamentação, preocupação já ventilada, em certa medida, no Ac. do Tribunal Constitucional com o nº 638/2006.

  4. No caso, afigura-se-nos que o despacho recorrido é escasso na fundamentação, percepção que a Exma. Magistrada do Ministério Público junto da primeira instância não deixou de ter ao procurar suprir-em defesa do carácter fundamentado do despacho - as omissões que vinham no mesmo, nomeadamente a propósito do conteúdo dos relatórios da Direcção-Geral de Reinserção Social, do parecer da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais e da pronúncia da Directora do Estabelecimento Prisional, para já não falar no próprio parecer do Ministério Público.

    Nada disso consta efectivamente do despacho recorrido, nem mesmo a alusão ao consentimento do arguido, requisito formal exigido pelo art. 61.°, n.º 1, do Código Penal.

  5. Afora o próprio texto constitucional a impor, há muito - pelo menos desde a revisão de 1997-, a fundamentação de todas as decisões judiciais -cfr art. 205.°, nº 1, da Constituição da República Portuguesa e Acórdão do Tribunal Constitucional de 2 de Dezembro de 19984, já o art. 374.°, n.º 2, desde a primitiva redacção, exige que da sentença conste necessariamente a fundamentação, integrada pela enumeração dos factos provados e não provados, bem como por uma "exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão".

    Com a revisão de 1998, viria a ajuntar-se-lhe a exigência do "exame crítico" das provas.

    A fundamentação das decisões judiciais constitui, de resto, como anotam GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA, "instrumento de ponderação e de legitimidade da própria decisão judicial e de garantia do direito de recurso".

  6. Ora, o despacho recorrido ficou, a nosso ver e ressalvado o devido respeito, abaixo do nível de exigência que se espera da fundamentação de uma decisão judicial.

    Lendo-o, não resulta explicitado, ainda que minimamente, em que elementos se baseou afinal o Tribunal "a quo" para concluir que não existem "indicadores efectivos de mudança" e que "se sentem exigências de prevenção geral e especial” Tão pouco é possível perceber em que dados se baseou para ajuizar que não apresenta um plano de reinserção em meio livre, mormente no plano laboral, autónomo e suficientemente consistente, quando é certo que deixou comprovado que "Conta com o apoio de companheira e de família alargada …” constando do relatório da DGRS, junto a fls. 46 a 51, mormente de fls. 49, que "o condenado salienta a possibilidade de vir a criar uma empresa de gestão de condomínios, juntamente com o cônjuge, que dispõe de conceitos nesta área".

    Trabalha sobre um relatório obtido, em parte, através de contacto telefónico com o cônjuge do recluso - e não companheira, com é dito no despacho recorrido - nenhuma alusão lhe é feita na decisão.

    Finalmente, não se deixa de salientar que...

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