Acórdão nº 465/06.7GDGMR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelCUSTÓDIO SILVA
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL.

Decisão: ANULADA A DECISÃO.

Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO - LIVRO 409 - FLS 352.

Área Temática: .

Sumário: I - Constando da acusação que o arguido desferira um soco na ofendida e vindo a sentença a dar como provado que aquele empurrou esta, tendo feito com que caísse de costas no chão, com as consequências directas e necessárias, no corpo, enumeradas como provadas, verifica-se uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação.

II - É nula a sentença condenatória proferida sem que ao arguido tivesse sido feita a comunicação prevista no artigo 358º/1 do CPP.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Acórdão elaborado no processo n.º 465/06.7 GDGMR**1. Relatório Na sentença de 13 de Maio de 2009, consta, do dispositivo, o seguinte: “Por todo o exposto, decide-se julgar a acusação parcialmente procedente e, em consequência, decide-se: - como autor material de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143º, n.º 1, na pessoa da ofendida B………., condenar o arguido, C………., na pena de multa de 100 dias, à taxa diária de € 4,00, perfazendo um total de € 400,00; - como autor material de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143º, n.º 1, na pessoa da ofendida D………., condenar o arguido, C………., na pena de multa de 100 dias, à taxa diária de € 4,00, perfazendo um total de € 400,00; - como autor material de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143º, n.º 1, na pessoa da ofendida E………., condenar o arguido, C………., na pena de multa de 100 dias, à taxa diária de € 4,00, perfazendo um total de € 400,00; - em cúmulo jurídico de penas, aplicar a pena única de 220 dias de multa, à taxa diária de € 4,00, num total de € 880,00.

Mais se julga o pedido de indemnização civil, formulado pela ofendida B………., parcialmente provado e procedente e, em consequência: - condena-se o arguido, C………., a pagar àquela a quantia de € 1.000,00, a título de danos não patrimoniais devidos pelo crime de ofensa à integridade física simples, quantia esta acrescida de juros, desde a publicação da presente sentença e até efectivo pagamento, à taxa legal de 4%, sem prejuízo de outras taxas que, entretanto, venham a vigorar, e a pagar à demandante, a título de danos patrimoniais, a quantia que vier a apurar-se em sede de liquidação, a qual será acrescida de juros, à taxa legal de 4%, sem prejuízo de outras taxas que, entretanto, venham a vigorar, desde a notificação do pedido cível - art. 78º do Código de Processo Penal - e até integral pagamento.

Julga-se, ainda, o pedido de indemnização civil formulado pela ofendida D………., parcialmente provado e procedente e, em consequência: - condena-se o arguido, C………., a pagar a D………. a quantia de € 300,00, a título de danos não patrimoniais devidos pelo crime de ofensa à integridade física simples, quantia essa acrescida de juros de mora, desde a publicação da presente sentença e até efectivo pagamento, à taxa legal de 4%, sem prejuízo de outras taxas que, entretanto, venham a vigorar.

Julga-se, ainda, o pedido de indemnização civil formulado pela ofendida E………., parcialmente provado e procedente e, em consequência: - condena-se o arguido, C………., a pagar a E………. a quantia de € 500,00, a título de danos não patrimoniais devidos pelo crime de ofensa à integridade física simples, quantia essa acrescida de juros de mora, desde a publicação da presente sentença e até efectivo pagamento, à taxa legal de 4%, sem prejuízo de outras taxas que, entretanto, venham a vigorar”.

**O arguido veio interpor recurso, tendo a motivação terminado pela formulação das seguintes conclusões (no que se refere às explicitadas como tal no recurso assim, efectivamente, não podem ser tidas - o que abaixo sai demonstrado pela referência expressa às mesmas -, mas que desse modo se referem por comodidade de designação …; o convite ao seu efectivo dimensionamento, para lá de duvidosa legalidade, como se colhe do art. 417º, n.º 3, do C. de Processo Penal, corresponderia, igualmente, a uma efectiva perda de tempo, pois quem não procedeu como devia desde logo também não vem, nos devidos termos, a fazê-lo posteriormente): “1ª - A sentença em crise procedeu a um alteração não substancial dos factos constantes da acusação, alteração essa que jamais foi comunicada ao arguido, e que vota a sentença à nulidade a que alude o art. 379º, n.º 1, alínea b), do C. P. P..

  1. - Um facto processual é, assim, antes de mais, um facto histórico (ex: acto de matar), facto esse que pode ser composto por uma infinidade de outros factos que, apreciados em conjunto, compõem e delimitam o facto processual (ex: pegar na faca; aproximar-se da vítima; desferir uma ou várias facadas).

  2. - Em sentido metafórico, da mesma forma que uma película de um filme (facto processual) se subdivide em inúmeros fotogramas, também o facto processual é decomposto em inúmeros outros factos que, todos em conjunto, resultam eles mesmos no próprio facto processual (filme), o qual, por seu turno, é subsumível a uma norma jurídico-penal.

  3. - Alteração é um conceito transitivo, implica transformação de algo que é posto ou dado. Alterar é, portanto, modificar.

  4. - O M. P. teve o cuidado de localizar, espacio-temporalmente, o delito (dia, hora e local); teve ainda o cuidado de relatar factos ontológicos integradores dos vários tipos de crime, terminando com os factos que preenchiam o tipo subjectivo de crime.

  5. - Com a produção da acusação, nos moldes em que o foi, fixou-se o objecto do processo, não sendo lícito ao tribunal alterar, sem mais, a factualidade que foi fixada na acusação.

  6. - Quanto ao local dos factos, consta da acusação que ‘… no dia 20 de Dezembro (e não de Abril) de 2006, cerca das 13h30, na ………., em ………., Santo Tirso …’.

  7. - Ao passo que na sentença o local dos factos foi desviado para ‘junto à ………., em ………., Santo Tirso’.

  8. - Ora, ao contrário do que poderá parecer, este facto não é, de todo, irrelevante, na medida em que o arguido sempre afirmou, ao longo do julgamento, que todos os factos ocorridos - ainda que não os descritos na acusação - foram-no na própria … e não junto ou, até, na berma da mesma.

  9. - Esta alteração tem tanta relevância que, como adiante se demonstrará, é precisamente por força do local onde os factos se desenrolaram, que o trânsito que seguia naquela via fora obrigado a parar, tendo sido a testemunha de defesa F………. precisamente uma das pessoas que fora obrigada a imobilizar o veículo naquele local.

  10. - Quanto aos factos integradores do crime praticado sobre a ofendida D………., consta da acusação que, ‘acto seguido, o arguido desferiu um soco no olho direito da aludida B………., tendo-a agarrado pelos cabelos e tendo-lhe desferido vários socos e pontapés …’.

  11. - De outro modo, na sentença consta que, ‘… 4 - acto seguido, o arguido desferiu um soco no olho direito da aludida B………. .

    5 - De imediato, ocorreram ao local as ofendidas D………. e E………., primas das primeiras ofendidas, tendo o arguido desferido um murro na cara da ofendida D………. .

    6 - O arguido e as ofendidas B………. e D………. envolveram-se fisicamente, sendo certo que, a certa altura, o arguido empurrou a ofendida E………., fazendo com que esta tivesse caído de costas no chão, e agarrou a ofendida (e não arguida, como por lapso aí se mencionou) B………. pelos cabelos, desferindo-lhe mais socos e pontapés’.

  12. - Existe, assim, uma alteração na sequência lógico-temporal dos factos.

  13. - De ter em conta que esta apontada alteração entre a acusação e a sentença não representa aquilo que, por vezes, tem sido entendido pela jurisprudência como sendo «uma melhor concretização dos factos vertidos na acusação».

  14. - A última e mais grave alteração dos factos ancora no facto de, na acusação, a imputação ao arguido do crime de ofensa à integridade física praticado sobre a ofendida E………. resultar do seguinte: ‘de imediato, ocorreram ao local D………. e E………., primas daquelas, tendo o arguido desferido um soco em cada uma delas’.

  15. - Ora, do cotejo da sentença, resulta à evidência que o arguido foi condenado pelo referido crime de ofensa à integridade física cometido contra a ofendida E………. não por lhe ter dado qualquer soco, mas antes e só porque ‘empurrou a ofendida E………., fazendo com que esta tivesse caído de costas no chão’.

  16. - Aliás, como melhor resulta do ponto 1.1 da matéria não provada, o Tribunal não deu como provado que o arguido tivesse dado um soco na ofendida E………. .

  17. - Mas mais, a alteração apontada não se fica por aqui.

  18. - Na verdade, em parte alguma da acusação consta que ‘o arguido e as ofendidas B………. e D………. envolveram-se fisicamente’.

  19. - Ou seja, toda a factualidade dada como provada e que determinou, em julgamento, a imputação ao arguido do crime de ofensas à integridade física sobre a ofendida E………., trata-se de factualidade nova, acrescentada na sentença, e que de forma alguma constava da acusação.

  20. - Obviamente que, neste caso, até nos escusamos a tentar demonstrar, por estulto, as...

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