Acórdão nº 97/09.8TYVNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO.

Decisão: REVOGADA A DECISÃO.

Indicações Eventuais: LIVRO 348 - FLS. 120.

Área Temática: .

Sumário: I- A atribuição de legitimidade para deduzir o pedido de insolvência apenas ao credor cujo crédito não tenha sido contestado, restringiria, grave e injustificadamente, o meio de tutela jurisdícional do direito crédito — seja do requerente da insolvência seja dos demais credores do requerido - representado pela insolvência.

II- È ao autor ou requerente que compete assegurar o preenchimento dos pressupostos processuais, desde logo a legitimidade ad causam e para isso é indispensável que se lhe assegure a possibilidade de realização da prova, no processo de insolvência, dos factos correspondentes, se estes forem controvertidos.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Proc. nº 97/09.8TYVNG.P1 Acordam no Tribunal da Relação do Porto: Relatório.

B………………. promoveu, no ….º Juízo do Tribunal de Comércio de Vila Nova da Gaia, contra C…………….., a declaração da insolvência da última.

Fundamentou a sua pretensão no facto de ser credora da requerida, pela quantia de € 15 871.83, resultante da execução e da cessação do contrato de trabalho, celebrado entre ambas no dia 11 de Fevereiro de 2008, e de a requerida se encontrar completa e absolutamente impossibilitada de satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações.

A requerida alegou, na oposição, que a requerente é detentora de um crédito, mas que não o reconhece nos termos em que aquela o invoca, dado que exige quantias a que manifestamente não tem direito, e que não se encontra impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas.

Cessada a suspensão da instância, por acordo das partes, com vista à obtenção de decisão contratualizada do litígio, a Sra. Juíza de Direito, ponderando que não sendo certo que o crédito invocado pela requerente exista na sua titularidade, e que não sendo da competência deste tribunal a apreciação e discussão do mesmo, e que é manifesta improcedência do pedido formulado – declaração de insolvência – julgou improcedente o pedido.

Apelou, naturalmente, a requerente, que pede, no recurso, a revogação da decisão impugnada e a sua substituição por outra que ordene o prosseguimento do processo. Para mostrar o desacerto da decisão recorrida, a recorrente extraiu da sua alegação estas fartas conclusões.

  1. A questão decidendi não tem cabimento na fundamentação e respectiva decisão de improcedência do pedido de insolvência, já que o Tribunal “ad quo” confunde outras situações de facto com as aqui em juízo, pois julga liminarmente a questão sub judice, fundamentando a sua decisão de improcedência do pedido com os mesmos fundamentos de que se serviu anteriormente para julgar situações manifestamente diferentes, ou seja, pedidos de declaração de insolvência que tinham na sua génese créditos de facto litigiosos, o que não é o caso destes autos, até e também em face da oposição deduzida pela apelada.

  2. O Tribunal "ad quo" desconsidera em absoluto a natureza do crédito na génese do pedido de insolvência - credito laboral -, já que o mesmo é emergente da falta do pagamento pontual das retribuições do trabalhador - a apelante -, e da cessação unilateral, pela apelante, do contrato de trabalho, com fundamento em justa causa motivada pela falta de pagamento pontual das retribuições do trabalhador.

  3. Do lado da apelada existe uma obrigação há muito vencida: a obrigação de pagar pontualmente as retribuições dos seus trabalhadores, onde se inclui a apelante, obrigação essa que confessadamente a apelada não cumpriu.

  4. Na base de um crédito laboral estão obrigações vencidas, logo exigíveis por banda do trabalhador ao empregador, E. Além de que um crédito laboral tem do lado do devedor, por natureza, uma prestação que é líquida ou liquidável, na medida em que fixada determinada factualidade, nomeadamente o valor da retribuição, a liquidação dessa obrigação depende de simples cálculo aritmético.

  5. Acresce que o Tribunal “ad quo” desconsidera o instituto da confissão, uma vez que não atende ao alegado pela apelada, em sede de oposição, sob os números 5, 6, 7 e 10, onde esta admite, por confissão, que expressamente se aceita, que, em 11 de Fevereiro de 2008 a requerente celebrou com a apelada contrato de trabalho para exercer as funções inerentes à categoria profissional de gestora financeira (art.º 5° da PI), que o seu vencimento mensal foi ajustado no montante de € 1.850,00 (art.º 6° da PI), que a requerente não recebeu a sua retribuição referente ao mês de Outubro de 2008 (art.º 7° da PI) e nem nenhuma das demais que posteriormente se venceram (art.º 8° da PI), que a apelada nunca pagou à requerente os ordenados em falta (art.º 12° da PI), que a apelada fez cessar o seu contrato de trabalho, com efeitos imediatos, por resolução, nos termos do disposto no regime previsto nos artigos 308° e seguintes da Lei de Regulamentação do Código do Trabalho, que regulamenta a faculdade prevista no nº 2 do artigo 364º do Código do Trabalho (art.º 140 da PI) e que a apelante detém um crédito sobre a apelada.

  6. O tribunal "ad quo", ao não considerar assentes os supra mencionados factos, com base na confissão dos mesmos, viola o disposto no art.º 490º do CPC.

  7. Os supra mencionados factos devem ser considerados assentes à luz do disposto no art.º 490º do CPC e, em resultado, é forçoso concluir que não existe litigio quanto ao crédito na génese do pedido da declaração de insolvência, já que, fruto da confissão da factual idade supra mencionada, é inevitável o reconhecimento, pelo Tribunal, de que a apelada é devedora da apelante, no mínimo, pela quantia correspondente a cinco meses de retribuição em falta e pela quantia correspondente à indemnização mínima prevista no Código do Trabalho pela resolução do contrato de trabalho da apelante, que se calcula em três meses de retribuição.

    I. A apelada reconhece e aceita que deve à apelante as retribuições de Outubro de 2008 a Fevereiro de 2009, que o valor mensal da retribuição da apelante é de € 1.850,00 (apenas esclarecendo que esse valor de retribuição não é liquido da retenção na fonte e das contribuições obrigatórias para a segurança social, o que, para efeitos de liquidação da obrigação é irrelevante, até porque esse simples cálculo aritmético não afecta o conteúdo da obrigação), que a apelante fez cessar o seu contrato de trabalho, por resolução, com fundamento na falta de pagamento pontual das suas retribuições, e que é devedora, em consequência disso, da apelante, pelo que o Tribunal "ad quo" não tinha outra opção que não a de considerar como assente a existência de um crédito a favor da apelante, J. Credito esse que consiste no direito a receber cinco meses de retribuição em falta e no direito a receber três meses de retribuição a título de indemnização mínima pela resolução do contrato, indemnização essa que se defere da lei, ou seja, o Tribunal "ad quo" deveria ter dado como assente que a apelada é devedora da apelante pelo menos na medida de tais créditos e a obrigação da apelada deveria ter sido determinada, pelo menos quanto ao seu conteúdo, nessa medida, K. Sendo que a liquidação da obrigação da apelada, com tal conteúdo, depende de simples cálculo aritmético, atenta a confissão que a apelada faz relativamente ao valor da remuneração mensal da apelante.

    L. Resulta suficientemente demonstrado, dos autos, que o crédito que está génese do pedido, pelo menos no que se refere às retribuições em falta e à indemnização pela resolução do contrato de trabalho, é um crédito consolidado na esfera jurídica da apelante, não só porque aceite pela apelada, mas também porque corresponde a uma obrigação já vencida, na medida em que podia e devia ter sido cumprida pela apelada, caso esta tivesse possibilidade de o fazer.

  8. Acresce que a apelada, reconhecendo não ter cumprido essa obrigação, nada alega no sentido de justificar essa atitude, nomeadamente qualquer causa extintiva da obrigação ou impeditiva do seu cumprimento, pelo que deveria ainda o Tribunal "ad quo" considerar como assente que a apelada está, objectivamente, impossibilitada de cumprir a obrigação, o que constituí pressuposto objectivo do desenvolvimento do processo de insolvência.

  9. Uma obrigação vencida, no sentido de que podia e devia ter sido cumprida pelo devedor, toma-se por definição uma obrigação exigível, na medida em que confere ao credor o direito de exigir imediatamente a prestação, ou seja, confere ao credor a possibilidade de exercer judicialmente o seu direito contra o devedor, caso este não cumpra voluntariamente.

  10. O crédito da autora, pelo menos quanto às retribuições em atraso e à indemnização pela resolução é assim existente na ordem jurídica (pelo menos na medida em que é reconhecido pela apelada), está nessa medida fixado quanto ao seu conteúdo, está vencido, é exigível e é certo, na medida em que a correspondente obrigação é liquidável mediante simples cálculo aritmético, pelo que estão reunidos os pressupostos previstos no nº 1 do art.º 3 e no nº 1 do art.º 20, ambos do CIRE e a apelante tem legitimidade substantiva para requerer a declaração de insolvência da apelada.

  11. O crédito da apelante reúne, de forma garantida, demonstrada e confessada, os requisitos de existência e exigibilidade, pelo menos no que se refere às retribuições por pagar e à indemnização pela resolução do contrato de trabalho, acrescendo que a apelada confessa, relativamente a esses créditos, que não existe justificação para a falta de cumprimento dos mesmos, o que reconduz, inapelável mente, à conclusão de que o incumprimento de tais obrigações resulta exclusivamente de impossibilidade para prestar.

  12. O Tribunal “ad quo" esteve mal ao decidir corno decidiu, pois estão reunidos todos os pressupostos que legitimam a apelante corno requerente da declaração de insolvência da apelada.

  13. Ao decidir como decidiu, o Tribunal “ad quo" violou o artigo 490º do Código do Processo Civil e os artigos 3°, nº 1 e 20º, nº 1, ambos do...

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