Acórdão nº 4685/03.8TBMAI.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelMARQUES DE CASTILHO
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO.

Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.

Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO - LIVRO 346 - FLS 110.

Área Temática: .

Sumário: I - A Ré consentiu que o seu filho permanecesse no locado no andar de cima do prédio onde esteve temporariamente instalado com a mulher e os filhos podendo assim configurar-se uma situação de comodato.

II - Tal factualidade nos mencionados termos, traduz um incumprimento da Ré de “escassa importância”, atendendo ao interesse dos senhorios, de tal sorte que, à luz da boa fé, isto é, da lisura e da correcção, resulta injustificada, clamorosa e manifestamente desproporcionada, a aplicação da sanção da resolução do contrato.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Rel. nº 39/09-1025 Proc.39/09- 4685/03.8TBMAI.P1-2ª Apelação MAIA-P 4685/03.8TBMAI.P1 Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto Relatório B………., C………., D………. e E……….

intentaram acção declarativa de condenação com forma de processo comum sumário contra F………., todos já melhor identificados com os sinais dos autos na qual pedem que seja declarada a resolução do contrato de arrendamento identificado nos autos e a Ré condenada a entregar aos Autores o arrendado inteiramente livre de pessoas e de coisas.

Alegam, para tanto, que, por contrato verbal, sem prazo e com início em 01/02/1970, G………. arrendou a H………., para habitação deste, o prédio urbano então situado no ………. (hoje Rua ……….), nº …, da freguesia de ………., concelho da Maia, composto por uma casa de dois pavimentos, uma dependência e quintal.

O arrendatário H………. faleceu em 02/09/1997 e o arrendamento transmitiu-se, então, para a Ré, sua mulher.

Que a Ré e/ou o seu falecido marido efectuaram obras no locado, sem consentimento dos Autores, destruindo uma escada em madeira existente no interior do imóvel, de acesso do rés-do-chão ao 1º andar e vice versa, e fechando com soalho de madeira, que incorporaram na laje, também em madeira, a abertura onde a escada desembocava, isolando os dois pisos entre si, que passaram a ser autónomos.

Por outro lado, a Ré, sem consentimento dos Autores, subarrendou ou emprestou ao seu filho o 1º andar do locado, ao qual se acede por uma escada exterior, estando este aí instalado coma mulher e os filhos conferindo tais factos aos Autores o direito de resolver o contrato de arrendamento.

Regularmente citada, a Ré apresentou contestação.

Invoca a caducidade do direito de resolução do contrato, alegando que as obras realizadas no prédio arrendado terminaram no ano de 1984, tendo os Autores conhecimento das mesmas há muito mais de um ano.

Que o locado iniciou um processo de grande e elevado estado de degradação, tendo a referida escada e a respectiva grade caído em resultado da degradação da madeira de que eram feitas tendo a realização de obras pela Ré como intuito evitar perigo para a sua integridade física e manter uma habitação condigna, face à ausência de realização de obras pelos Autores, tendo a intervenção ao nível do chão mantido as características originais do locado.

A Ré permitiu que o seu filho permanecesse no andar de cima temporariamente, enquanto aguardava a entrega de uma habitação social.

Os Autores apresentaram resposta, na qual impugnaram os factos alegados pela Ré, alegando que não sabem se as obras terminaram no ano de 1984 não tendo nenhum dos Autores se deslocado ao locado nessa altura.

Elaborado despacho saneador, fixada a Matéria Assente e estruturada a Base Instrutória, procedeu-se após instrução dos autos a audiência de discussão e julgamento com o formalismo próprio conforme na acta se exara, com registo fonográfico da prova de acordo com o disposto no artigo 522-B do Código Processo Civil, como serão todas as outras disposições legais infra citadas de que se não faça menção especial após o que fixada a factualidade controvertida foi proferida a final decisão na qual se julgou totalmente improcedente a acção absolvendo-se a Ré do pedido formulado.

Inconformados com o seu teor vieram tempestivamente os Autores interpor o presente recurso de Apelação tendo para o efeito nas alegações oportunamente apresentadas aduzido a seguinte matéria conclusiva que passamos a enunciar: 1ª O presente recurso vem interposto da, aliás respeitável, sentença de folhas 213 a 226 que julgou totalmente improcedente (absolvendo a Ré, ora Apelada, do pedido) a acção que os Autores, aqui Apelantes, moveram contra aquela visando a declaração da resolução do contrato de arrendamento mencionado na alínea A) dos factos assentes e a condenação da Apelada a entregar-lhes o arrendado (prédio urbano ao tempo do arrendamento situado no ………., e hoje na Rua ………., nº …, da freguesia de ………., do concelho da Maia, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 9º), inteiramente livre de pessoas e de coisas, com as legais consequências.

  1. A referida acção fundou-se, de direito, no artigo 64º, nº 1, alíneas d) e f) do Regime do Arrendamento Urbano (de ora em diante designado por RAU) – o aplicável.

  2. Ficou provado que aquando do início do contrato de arrendamento ajuizado o prédio objecto do mesmo constituía uma moradia unifamiliar [alínea I) dos Factos Assentes], como tal e para esse fim tendo sido cedida ao marido da Apelada [alínea J)], sendo que do rés-do-chão da mesma acedia-se interiormente ao andar, e vice-versa, através de uma escada de madeira, com cerca de 80 cm a 1 m de largura, que fazia parte integrante do prédio, situada ao longo de parte da parede do lado direito quem entrava no rés-do-chão do prédio e encostada a ela do lado esquerdo quem subia a escada [alínea N)], tendo a abertura onde, no andar, desembocava a referida escada cerca de 2,00 m2 [alínea P)], havendo a Apelada fechado, com soalho em madeira que incorporou na laje, também em madeira, que serve de tecto ao rés-do-chão e de pavimento ao andar, a abertura onde, neste, a dita escada desembocava (resposta ao artigo 4º da Base Instrutória), em consequência do que o imóvel – que era uma única moradia composta de rés-do-chão e andar – passou a ser constituído por dois pisos, autónomos entre si (artigo 6º da Base Instrutória, dado como provado), acedendo-se actualmente ao andar do imóvel por uma escada exterior (artigo 7º da Base Instrutória, dado como provado), e tudo havendo sido feito sem que os Apelantes tivessem dado o seu consentimento escrito [alínea Q) dos Factos Assentes].

  3. A Apelada transformou uma moradia unifamiliar, de rés-do-chão e andar, inter-comunicantes interiormente, num imóvel de dois pisos autónomos entre si, acedendo-se actualmente ao segundo desses pisos por uma escada exterior.

  4. As obras feitas pela Apelada alteraram substancialmente ou consideravelmente a disposição interna das divisões do imóvel despejando (posto que a alteração da disposição interna das divisões do imóvel abrange também a planificação interna dele), havendo transformado esse imóvel num prédio constituído por dois pisos autónomos entre si (afrontando, assim, a regra de ouro de que só ao proprietário assiste o direito de transformar o seu imóvel tendo o arrendatário apenas o gozo do mesmo e estando obrigado a respeitar a sua estrutura e configuração).

  5. Verifica-se, pois, salvo o devido respeito e sem margem para dúvidas, o fundamento de resolução do contrato de arrendamento previsto no artigo 64º, nº 1, alínea d), do RAU – o que deveria ter conduzido à procedência da acção à qual conduzirá, no entanto e agora (os Apelantes estão certos disso), o provimento do presente recurso.

  6. Ficou também provado que a Apelada consentiu que o seu filho permaneça no andar de cima do prédio [alínea R) dos Factos Assentes] e que nesse andar esteve temporariamente instalado um filho da Apelada, a mulher e os filhos [resposta ao artigo 8º da Base Instrutória).

  7. Desta matéria de facto resulta de forma inequívoca, sempre salvo o devido respeito, que a Apelada emprestou a seu filho e à mulher e aos filhos destes parcialmente (o andar de cima) o prédio arrendado.

  8. Esse empréstimo é inapelavelmente causa de resolução do contrato de arrendamento, posto resultar claro da alínea f) do nº 1 do artigo 64º do RAU que o fundamento de resolução nela previsto só não ocorreria se se houvesse verificado a situação prevista no artigo 1049º do Código Civil, ou seja, se os Apelantes tivessem reconhecido o filho da Apelada e a respectiva mulher e filhos destes como beneficiários do empréstimo, ou se os Apelantes houvessem autorizado esse empréstimo – situações, estas, que não aconteceram nem sequer foram alegadas e, muito menos, provadas.

  9. O filho, a nora e os netos da Apelada são terceiros em relação a ela, sendo inaplicável ao caso dos autos o artigo 76º do RAU.

  10. Dos autos e, singularmente, do narrado pela Apelada no artigo 32º da sua contestação resulta que ao menos temporariamente (não se sabe durante quanto tempo), até a seu filho ser entregue uma habitação social, aquela renunciou ao uso e à fruição do andar do arrendado, emprestando-o a seu filho (e à mulher e filhos de ambos).

  11. O que a lei visava com a alínea f) do nº 1 do artigo 64º do RAU [e visa, agora, com a alínea e) do nº 1 do artigo 1083º do Código Civil, como continua a visar com a alínea f) do artigo 1038º do mesmo diploma legal] é não permitir que sem autorização do senhorio e fora dos quadros previstos nos artigos 64º, nº 1, alínea f), in fine, e 76º, ambos do RAU, outrem, que não o arrendatário, usasse ou fruísse, total ou parcialmente e concomitantemente ou não com aquele, o arrendado.

  12. Ora, no caso dos autos, sem autorização dos Apelantes e sem que se verifique qualquer das situações contempladas nos artigos citados no parágrafo antecedente, a Apelada consentiu que outrem, que não ela, usasse e fruísse o andar do arrendado.

  13. E é irrelevante que esse uso ou fruição tenha sido temporário.

  14. A conduta da Apelada consubstanciada no facto de ter fechado, com soalho em madeira que incorporou na laje, também em madeira, que serve de tecto ao...

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