Acórdão nº 130/03.7IDAVR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelJORGE GONÇALVES
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REC. PENAL.

Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.

Indicações Eventuais: LIVRO 610 - FLS. 33.

Área Temática: .

Sumário: A existência de uma disparidade entre os valores constantes na notificação efectuada nos termos do artigo 105º/4 al.b) do RGIT e os que foram, a final, considerados relevantes para efeitos do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, não invalida que se tenha por verificada a condição objectiva de punibilidade.

Reclamações: Decisão Texto Integral: RECURSO N.º130/03.7IDAVR.P1 Tribunal Judicial de Oliveira de Azeméis – ….º Juízo de Comp. Espec. Criminal Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO 1. No processo comum registado sob o n.º130/03.7IDAVR, a correr termos no ...º Juízo de Competência Especializada Criminal do Tribunal Judicial de Oliveira de Azeméis, foram julgados os arguidos: B………….., C…………, D…………. e E………….., S.A., melhor identificados nos autos, pelos factos e incriminações legais constantes da acusação deduzida contra todos no processo comum com o n.º 277/04.2TAOAZ, do mesmo ...º Juízo (processo apensado aos presentes autos), em que lhes foi imputada a prática de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, na forma continuada, p. e p. nos termos do artigo 27.º-B, do Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, na redacção introduzida pelo artigo 2.ºdo Decreto-Lei n.º 140/95, de 14 de Junho e artigo 107.º da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, e bem assim pelos factos e incriminações legais constantes da acusação deduzida neste processo n.º130/03.7IDAVR contra os arguidos B…………., D…………. e E…………., S.A., em que lhes foi imputada a co-autoria material de um crime de abuso de confiança fiscal p. e p. pelo artigo 105.º, n.º1 e 5, do R.G.I.T., sendo a sociedade criminalmente responsável nos termos do artigo 105.º, n.º5, do mesmo diploma.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferido acórdão que decidiu nos seguintes termos: «Pelo exposto e tudo ponderado, de facto e de direito, deliberam os juízes que compõem este Tribunal Colectivo: A- Em matéria criminal: 1- Absolver o arguido C………… da prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, previsto e punido pelo art. 107.º, da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho (RGIT) (PC n.º 277 /04.2TAOAZ), mandando-o em paz; 2- Condenar cada um dos arguidos B………….. e D…………. pela prática, em co-autoria material, de um crime de abuso de confiança simples contra a segurança social, previsto e punido pelo 107.º, da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho (RGIT), na pena de 2 anos e 4 meses de prisão (PC n.º 277/04.2TAOAZ), 3- Condenar a sociedade "F……….., S.A", por um crime de abuso de confiança simples contra a segurança social, previsto e punido pelos art. 12.º, n.º 3, 15° e 107.º, da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho (RGIT), na multa de 320 dias, à taxa diária de € 25,00, ou seja, na multa de € 8.000,00 (PC n.º 277 /04.2T AOAZ), 4- Condenar cada um dos arguidos D…………. e B…………, acusados no âmbito do PC n.º 130/03.7IDAVR, pela prática, em co-autoria material e sob a forma consumada, de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo art. 105.º, n.º 1, do RGIT:

  1. O D……………, na pena de 2 anos e 10 meses de prisão.

  2. O B……….., na pena de 2 anos e 10 meses de prisão.

  3. A "F…………, S.A.", actualmente, a sua massa insolvente, também nos termos dos art.os 7.º, n.º 1 e 12.º, n.º 2 e 3, do RGIT, na pena de 400 dias de multa, à taxa diária de € 25,00, ou seja, na multa de € 10.000,00.

    Efectuando o cúmulo jurídico das penas, ao abrigo do disposto no art. 3.º, al. a), do RGIT e o art. 77.º, n.º 1 e 2, do Código Penal, vão condenados:

    1. O arguido B…………, na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão; B) O arguido D………., na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão; C) A sociedade "F................., S.A." na pena única de 550 dias de multa, à taxa diária de € 25,00, ou seja, na multa de € 13.750,00.

      B- Em matéria cível, e apenas no que concerne ao PC n.º …../04.2TAOAZ, o único em que foi deduzido, relativamente ao abuso de confiança contra a segurança social, delibera-se julgar parcialmente procedente o pedido e, em consequência: 1- Absolve-se o arguido C.................; 2- Condenam-se solidariamente os arguidos B………….., D................., e a sociedade "F................., S.A." no pagamento da quantia indemnizatória de € 186.769,62, a que acrescem os respectivos juros de mora, contados nos termos do Decreto-Lei n.º nº 73/99, de 19 de Março, sobre cada uma das quantias mensais que integram aquele montante desde a data em que cada uma delas se venceu (o primeiro dia imediatamente a seguir ao termo do prazo de entrega de cada prestação à Segurança Social) relativamente aos meses de Setembro de 2002 a Junho de 2003 e no período de Agosto e Setembro de 2003, até integral pagamento.» Mais foi decidido suspender a execução das penas de prisão impostas aos arguidos B………… e D……….., por 3 anos e 6 meses, sob a condição de, no mesmo período, pagarem à Segurança Social as quantias devidas no âmbito do pedido de indemnização civil e ao Fisco as quantias devidas a título de IVA e de IRS, objecto de incriminação, ou seja, o montante de €826.834,00 e acréscimos legais.

      1. Inconformados, os arguidos D................. e B................. recorreram do acórdão condenatório, formulando, na respectiva motivação, as seguintes conclusões: (transcrição das conclusões): A) A Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para o ano de 2009, em vigor desde o dia 1 de Janeiro de 2009, introduziu várias alterações ao RGIT; B) Com o regime que entrou em vigor o facto só é juridicamente relevante e, por isso, criminalmente punível se a prestação que deva ser entregue for de valor superior a € 7.500,00; C) Existe uma continuidade normativa quando o valor é superior a € 7.500,00, caso em que se aplica a lei mais favorável – cfr. artigo 2.º, n.º 4 do Código Penal - sendo que quando a prestação não ultrapassa aquele valor existe um verdadeira despenalização, nos termos do artigo 2.º n.º 2 do Código Penal, com a consequente extinção do procedimento criminal; D) A referida despenalização é aplicável ao artigo 107.º do RGIT, que prevê o crime de abuso de confiança contra a segurança social; E) Presentemente, para que se preencha objectivamente e subjectivamente o tipo é necessário que as prestações ultrapassem os 7.500€ e que o arguido soubesse e quisesse omitir a entrega de tais valores, ou pelo menos, se conformasse que os valores excederiam os 7.500€; F) O legislador estabeleceu um valor preciso e concreto, abaixo do qual não considera existir ilícito criminal - "limiar mínimo de ilicitude"; G) Uma interpretação de acordo com a hermenêutica jurídica, tomando como ponto de partida a letra, mas buscando o espírito, a teleologia da alteração normativa, a componente histórica e a inserção sistemática, apenas poderá conduzir a que se conclua que tal “limiar mínimo de ilicitude” também é exigível nos crimes contra a segurança social; H) São vários os argumentos que apontam inexoravelmente neste sentido: Elemento teleológico - ratio legis subjacente a tal alteração legislativa: O orçamento procurou, como resulta da leitura dos relatórios, e de declarações públicas de membros do governo, combater a actual crise económica, designadamente tentando aliviar a pressão sobre as PME's, de molde a lograr evitar o seu colapso e estabilizar a economia. O legislador ao descriminalizar omissões de entrega inferiores a 7.500€, atenta a conjuntura económica, teve presente essa necessidade; I) Uma interpretação de acordo com a ratio só poderá concluir que o tal "limiar mínimo de ilicitude" é aplicável aos crimes contra a segurança social, evitando-se a perseguição criminal a omissões que o Estado considerou não serem susceptíveis de atingir o limiar mínimo de afectação de valores essenciais da comunidade; J) Elemento histórico: Quem compare os dois normativos em questão - artigo 105.° e 107.° do RGIT - decerto constata que desde a introdução do artigo 107.° do RGIT, e por força das remissões do artigo 107.° do RGIT para o 105.° do RGIT, existe uma preocupação do legislador em equiparar os normativos em termos de valores monetários; K) Equiparam-se nas condições de punibilidade, equiparam-se nos montantes nos quais o legislador entende existir um agravamento de ilicitude e equiparam-se na causa de exclusão da responsabilidade criminal, que foi revogada Se historicamente sempre existiu este paralelismo, muito por força das remissões do artigo 107.° do RGIT, então, reiteramos que a melhor interpretação é de que tal vontade do legislador se perpetua com as recentes alterações; L) Ou seja, ao introduzir o tal limiar mínimo de ilicitude, a história dos preceitos diz-nos que o legislador pretende que os 7.500€ seja o ponto de partida dos dois tipos legais, tal como entende que os 50.000€ justificam o agravamento do ilícito do artigo 105.º e 107.° do RGIT e tal como entendia que os 2.000€ era um valor que justificava nos dois tipos legais uma notificação para pagamento da mesma pelos arguidos, funcionando como causa de exclusão da responsabilidade criminal, e tal como entende que as condições que justificam a punição são iguais em ambos os tipos; M) A interpretação literal e sistemática: só uma interpretação demasiadamente literal poderia ser suficiente para concluir que o facto do legislador não ter introduzido expressamente uma expressão similar à utilizada no artigo 105.º, n.º 1 do RGIT no artigo 107.° do RGIT, quis com isso significar que neste tipo legal, não pretendeu deixar de punir as omissões de entrega inferiores a 7.500€. É que a própria letra da lei e muito menos o espírito permitem tal conclusão; N) Se a pena, por definição, é a reacção criminal a uma conduta que o legislador considera ilícita, se este apenas considera ilícitas omissões de entregas superiores a 7.500€, que sentido faria continuar a manter uma remissão para as penas...

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