Acórdão nº 518/06.1TTOAZ.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelALBERTINA PEREIRA
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO.

Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.

Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL) - LIVRO 86 - FLS 221.

Área Temática: .

Sumário: I - Nos termos do art. 95.º, n.º 1, do DL 49.408, de 29.11.1969 (LCT), a entidade patronal não pode compensar a retribuição em dívida com créditos que tenha sobre o seu trabalhador, nem fazer quaisquer descontos ou deduções no montante da referida retribuição.

II - O mencionado dispositivo legal constitui uma excepção ao regime da compensação de créditos previsto no art.º 847.º do Código Civil, diz respeito, unilateralmente, ao empregador, e vigora apenas durante a vigência do contrato de trabalho.

III - No n.º 2 do mesmo preceito estão previstas um conjunto de situações em que por força dos interesses em presença, o legislador consentiu na atenuação do princípio da não compensação de créditos, admitindo-se descontos na retribuição que não ultrapassem determinada percentagem (1/3 e 1/6).

IV - Viola o referido art.º 95.º, onde em parte alguma se admite a compensação total, bem como o art.º 59.º, n.º1 da nossa Constituição - segundo o qual todos os trabalhadores têm direito à retribuição - a entidade patronal que descontou no vencimento do trabalhador o adiantamento do empréstimo que lhe havia feito, tendo esse vencimento ficado totalmente absorvido, com saldo negativo, e o trabalhador sem receber qualquer salário durante cerca de três meses.

V - Essa conduta do empregador viola, ainda, o princípio de que todos os trabalhadores têm direito à retribuição mínima mensal garantida, pois coloca irremediavelmente em causa, aquele patamar mínimo de subsistência que a todo e a qualquer trabalhador deve ser proporcionado como modo de garantir o valor supremo da dignidade da pessoa humana consagrado no art.º 1.º da Constituição da República Portuguesa.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Reg. 354 Apel. 518/06.1TTOAZ.P1 PC 518/06.1TTOAZ Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto 1. Relatório B………., instaurou acção declarativa emergente de contrato de trabalho contra C………., pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia global de € 73.935,29. Invocou, em síntese que, o réu alterou o seu local de trabalho e não pagou as despesas ocasionadas com tal alteração; aplicou-lhe uma pena de 60 dias de suspensão do trabalho com perda de remuneração e a sanção acessória de desvio de funções, ambas ilegais, o que lhe causou danos de natureza não patrimonial.

A ré contestou aduzindo que a acção deve improceder.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, tendo-se respondido à matéria de facto sem reclamação.

Proferida sentença foi a acção julgada parcialmente provada e procedente e, em consequência a ré condenada a pagar ao autor o montante de € 25.000 (vinte e cinco mil euros) para ressarcimento dos danos de natureza não patrimonial sofridos, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde a citação e até efectivo e integral pagamento. Julgada ilegal a sanção de 60 dias de suspensão de trabalho com perda de retribuição e, a ré condenada a pagar ao Autor o montante de € 3.794,54, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das retribuições e até efectivo e integral pagamento. Foi ainda julgada ilegal a ordem de mudança de funções do autor de gerente bancário para gestor de mediadoras imobiliárias.

Inconformada com esta decisão dela recorre a ré, concluindo em resumo que deve ser anulado o n.º 14 dos factos provados, por dizer respeito a matéria (nascimento) que apenas se prova por documento; é aplicável aos factos relevantes o regime anterior ao Código do Trabalho, sendo lícita a compensação efectuada pela ré; os danos alegados pelo autor foram meras consequências de uma situação de incumprimento contratual causado pelo próprio de que não resulta obrigação de reparação de danos, mas mesmo que se considerasse existirem danos dessa natureza os mesmos nunca poderiam ser fixados no montante consignado na sentença; a ré lançou mão do mecanismo previsto no art. 436, n.º 2 do Código do Trabalho, sanando assim a irregularidade decorrente da não justificação de uma diligência probatória requerida na resposta à nota de culpa; para além disso, a única nulidade insuprível do processo disciplinar é a violação do princípio do contraditório o que se não pode concluir tenha ocorrido no presente caso.

O autor respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência. Deduziu também recurso subordinado, concluindo em suma que a matéria dos artigos 10 a 13 da p.i. deve ser considerada provada e eliminado o n.º 16, alterado o n.º 17, manter-se o n.º 18 com esclarecimento da falta de transportes públicos adequados.

A ré respondeu ao recurso do autor concluindo pelo seu não provimento.

O MP nesta Relação emitiu douto parecer no sentido do não provimento de ambos os recursos.

Foi recebido o recurso e colhidos os vistos legais.

  1. Matéria de Facto 1. O A. foi admitido pelo R. em 6.9.1999, para lhe prestar serviço, sob a sua autoridade, direcção e fiscalização, como empregado bancário.

  2. Em 8.1.2002 foram-lhe atribuídas funções de gerente do balcão de Castelo de Paiva.

  3. Em Janeiro de 2003 foi promovido à categoria de gerente.

  4. O A. é sócio do D………. e a R. subscritora do ACTV dos bancários.

  5. O R. concedeu ao A. um empréstimo para construção de casa própria que foi formalizado por escritura outorgada em 26.9.2003, cuja cópia se mostra junta de fls. 133 a 140 dos autos, dando-se aqui por integralmente reproduzido o respectivo teor, na sua literalidade.

  6. No âmbito do processo de concessão de tal empréstimo, após a aprovação do mesmo pela Direcção de Pessoal do R. pelo montante de € 109.000,00, o A. em circunstâncias não apuradas solicitou ao R. um adiantamento para aquisição do respectivo terreno no valor de aproximado de € 70.0000,00, valor esse que foi creditado na sua conta de depósitos à ordem pela Unidade Especializada de Crédito à Habitação, por duas vezes, € 50.000,00 em 21.11.2000 e € 20.000,00 em 13.2.2001, e tendo o A. registado a aquisição de tal terreno a seu favor em 10.7.2002.

  7. Em 27.1.2003, o A. por carta cuja cópia se acha inserta a fls 147 dos autos, solicita ao Departamento de Pessoal do R. a prorrogação do prazo do adiantamento de C.H.P.P. ao abrigo do ACTV.

  8. Em resposta a esse pedido o Departamento de Pessoal do R., por carta datada de 6.2.2003, cuja cópia se mostra inserta a fls 156 dos autos, concede ao A. a prorrogação do prazo até Junho de 2003 para conclusão do processo de CHPP- ACTV.

  9. Em 7.2.2003, a Direcção de Crédito Habitação do R., prorroga o prazo do adiantamento em função da prorrogação concedida pelo Departamento de Pessoal, conforme comunicação, cuja cópia se acha a fls 157 dos autos.

  10. Em 23.7.2003 o Banco R. debitou na conta ordenado do A. o valor de € 69.255,56, referente ao adiantamento concedido, com o fundamento de que tinha expirado o respectivo prazo.

  11. Devido a esse lançamento a débito do montante do adiantamento, o vencimento do A. desse mês de Julho, creditado no mesmo dia, foi totalmente absorvido e a conta ficou com um saldo negativo, no valor de € 69.255,56.

  12. Em 29.7.2003, o Departamento de Pessoal do R. autoriza a prorrogação até 31.12.2003 do prazo para a conclusão do processo de CHPP-ACTV do A., conforme comunicação inserta a fls. 158 dos autos.

  13. Nos meses de Agosto, Setembro e Outubro de 2003, o montante dos vencimentos do A. depositados pelo R. continuou a ser totalmente absorvido na amortização do dito adiantamento, ficando o A. sem a possibilidade de receber a remuneração.

  14. A mulher do A. estava grávida do filho que nasceu em 6.10.2003.

  15. O não recebimento das remunerações pelo A. nos meses indica nos referidos meses criou-lhe uma situação de angústia e de carência familiar.

  16. No ano de 2003, o A. era gerente e exercia funções no balcão de Castelo de Paiva, tendo-o o R. mandado em data não concretamente apurada para a sede da Direcção Regional de Espinho e desta derivava nalguns dias, por ordem dos responsáveis do R., para a Direcção Regional de Aveiro.

  17. E foi mantido nesta situação sem funções atribuídas até que foi colocado como gerente na agência de Arouca, em data não apurada.

  18. Durante este período o A. viu-se forçado a deslocar-se de carro próprio de ………., onde vivia e tem família constituída, para Espinho ou Aveiro, sem pagamento pelo R. de despesas de viagem pela utilização de carro próprio e das despesas de alimentação.

  19. Em virtude dos factos mencionados nos nºs 16, 17 e 18 o A. viveu um período difícil na sua vida, sentia-se desconsiderado, angustiado e teve crises depressivas.

  20. No dia 15.2.2006 foi organizada uma nota de culpa ao A. num processo disciplinar com intenção de despedimento, que se encontra apenso por linha aos presentes autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido, na sua literalidade.

  21. Na parte final da resposta à nota de culpa, inserta a fls. 40 a 43 do respectivo processo, o A. requereu a realização de uma peritagem pelos serviços de auditoria do banco às contas de empregado de todos os gerentes da área do Departamento Comercial Norte para prova da matéria dos itens 19º a 26º, maxime da alegação dos itens 19º, 25º e 26º.

  22. Esse requerimento de prova não foi objecto de qualquer despacho no processo disciplinar.

  23. O Instrutor do processo aquando da inquirição das testemunhas indicadas pelo A. comunicou a este verbalmente que tal requerimento era indeferido por impertinente e dilatório, pois o Banco não tinha um gabinete de inspecção para realizar a peritagem requerida e que se tinha conhecimento de casos idênticos que os indicasse.

  24. No prazo da contestação, o R. elaborou e juntou aos autos o documento inserto de fls. 57 a 60, cujo teor se dá aqui por reproduzido na sua literalidade, no qual é exarado o despacho de indeferimento da peritagem requerida pelo A., fundamentando tal procedimento no disposto no nº 2 do art. 436º do C.Trabalho.

  25. O processo disciplinar terminou com a decisão exarada de fls 60 a 67 do respectivo processo, cujo teor se...

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