Acórdão nº 4251/07.9TDLSB.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelSIMÕES DE CARVALHO
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção Criminal (5ª) do Tribunal da Relação de Lisboa: No processo comum singular n.º …/… do …º Juízo Criminal de …, por sentença de 13-03-2009 (cfr. fls. 171 a 187), no que agora interessa, foi decidido: «Em face do exposto, decide-se: · Condenar o arguido T… pela prática do crime de furto previsto e punido no artigo 203º, nº 1 do Código Penal na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de 10 (dez) euros, o que totaliza a quantia de 2000 (dois mil) euros.

· Julgar parcialmente provado o pedido de indemnização cível deduzido pela demandante …. Cabo Portugal, S.A., e em consequência, condenar o demandado T…, a pagar-lhe a quantia € 193,92 (cento e noventa e três euros e noventa e dois cêntimos) a título de prejuízos materiais, e de € 500 (quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora vencidos desde a notificação do pedido cível (28 de Dezembro de 2008) e vincendos até efectivo e integral pagamento, à taxa de 4%.

O arguido/demandado T…não aceitou esta decisão e dela recorreu (cfr. fls. 189 a 196), extraindo da motivação as seguintes conclusões: «I. Tendo o arguido sido condenado por um crime de furto, por alegadamente ter efectuado uma ligação não autorizada a um terminal de sinal ... cabo, após ter terminado o seu contrato com esta mesma entidade.

  1. Porque o tribunal entendeu que tal facto consubstanciava um crime de furto, por considerar que o sinal ... cabo é uma coisa móvel alheia nos termos do artigo 203.º do CP, equiparada a uma forma de energia, como a electricidade, gás ou informação armazenada em suportes informáticos.

  2. Fundamentando na sentença os argumentos de que: “o intérprete julgador interpreta as normas necessariamente genéricas e abstractas de uma forma actualista, sob pena de, face à inovação e progresso tecnológicos galopantes nos dias de hoje e, os tipos legais e os conceitos ali insertos se verem esvaziados de sentido e de aplicação prática” “deste modo, esta conduta nunca seria punida a titulo contra-ordenacional e não seria de todo sancionada caso não fosse subsumida, como é, ao disposto no artigo 203º n.º l do CP.

    ” IV. A qualificação que o tribunal a quo fez dos factos, mal e forçadamente, foi efectuada através de uma interpretação extensiva, ou pior, pelo recurso à analogia.

  3. A interpretação jurídica das normas penais deve obedecer a um limite máximo de interpretação: o “sentido literal possível dos termos linguísticos utilizados na redacção do texto legal. Em direito penal toda a interpretação que exceda este sentido literal possível, deixa de ser interpretação para se converter em criação do direito por via judicial ou doutrinal e, na medida em que sirva para fundamentar ou agravar a responsabilidade penal, viola o princípio da legalidade." (Sousa Brito, A lei penal na Constituição - Estudos sobre a Constituição, Vol. II, pág. 244).

  4. Pelo que se discorda plenamente, da equiparação que o Tribunal a quo faz do sinal de ... Cabo ao conceito legal de energia eléctrica ou outra que tenha valor económico, baseado em meros critérios de semelhança. Pois “não é permitido o recurso à analogia para qualificar um facto como crime ...”; n.º 3 do Artigo 1.º do Código Penal por forma a subsumir os factos num ilícito penal.

  5. Quem intercepta o sinal de televisão a cabo não o tira, faz desaparecer, retira ou, mesmo em última análise, dele se apodera. Não há qualquer subtracção, o prejuízo decorre do que a empresa - em virtude da utilização indevida do sinal - deixa de receber, não do que desta se subtrai.

  6. Não consubstancia assim um crime de furto previsto no artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal mas sim uma contra-ordenação prevista e punida pelo Decreto-Lei n.º 176/2007, de 8 de Maio, que veio alterar a Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro.

  7. Efectivamente o tribunal a quo dá como provado que o arguido alterou "o Terminal Acess Point" da ... Cabo o qual estava protegido e aí procedeu a uma ligação não autorizada, tendo que utilizar equipamento e manter dispositivos electrónicos (para assegurar a ligação) não pertencentes à ... cabo com vista a permitir o acesso a um serviço protegido.

  8. Ora, tal comportamento subsume-se por inteiro na previsão do artigo 104.º da Lei das Comunicações Electrónicas.

  9. Aliás, assim tem sido o entendimento perfilhado pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, (vide neste sentido o acórdão n.º 10876/2008-3 de 17-12-2008 in www.dgsi.pt): V - O estabelecimento de uma ligação não autorizada à infra-estrutura de rede da "... Cabo", que permite a fruição de um serviço não contratualizado e, por isso, não pago e causa um prjuízo patrimonial àquela empresa, não consubstancia a prática de um crime de furto porquanto o sinal de televisão recebido por cabo não é uma coisa, no sentido em que este conceito é utilizado no artigo 203.º do Código Penal, não sendo o sinal equiparável a qual forma de energia.

    Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, devendo em consequência ser revogada a sentença que considerou que os factos dados como provados consubstanciavam um crime de furto, e não uma contra-ordenação.» Efectuadas as necessárias notificações, apresentaram resposta o Mº Pº (cfr. fls. 202 a 205) e a assistente … Cabo Portugal (cfr. fls. 206 a 209), em que concluíram: I – O Mº Pº «Termos em que, deverá ser negado total provimento ao recurso interposto, e confirmada a sentença recorrida, nos precisos e exactos termos em que foi proferida.

    Porém, V. Exas. melhor decidirão, fazendo, como sempre, a costumada JUSTIÇA!» II - A assistente … Cabo Portugal «1.

    O arguido fez uma ligação não autorizada entre um cabo proveniente da sua residência a uma das saídas secundárias do Terminal Access Point.

    1. O sinal televisivo é susceptível de ser transportado e de ser materialmente apreendido, enquadrando-se por isso no conceito de coisa móvel.

    2. O arguido ao proceder a ligação supra, desviando o sinal de televisão por cabo para a sua residência, consubstancia a prática de uma subtracção, retirando tal sinal da esfera da ... Cabo e colocando-a na sua esfera.

    3. O tribunal a quo não recorreu a qualquer interpretação extensiva ou analógica na qualificação jurídica dos factos, antes encontra-se fundamentada em diversa doutrina e jurisprudência relevante.

    4. A factualidade dos autos é subsumível ao ilícito penal de furto previsto e punido pelo artigo 203°, nº 1, do Código Penal (CP), encontrando-se de todo afastada a hipótese de tal actuação se enquadrar no artigo 104° da Lei das Comunicações Electrónicas, desde logo porque não se encontra em apreciação a utilização de qualquer dispositivo ilícito por parte do arguido.

      Face ao exposto deve ser negado provimento ao presente recurso, devendo manter-se nos seus precisos termos a douta sentença objecto de...

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