Acórdão nº 1279/06.0TABCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelFILIPE MELO
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: AMBOS IMPROCEDENTES Sumário: I – Salvo se a norma incriminadora comportar outro sentido, na comparticipação em factos cuja ilicitude dependa de qualidades ou relações especiais do agente, basta que um deles detenha essas qualidades para que a pena aplicável se estenda a todos os outros comparticipantes.

II – No crime de corrupção passiva não é necessário que todos os co-autores sejam funcionários, bastando que um dos agentes tenha tal qualidade.

Decisão Texto Integral: Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães: Nestes autos de Processo Comum Colectivo no 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Barcelos, por acórdão de 6.06.2008 foi decidido, além do mais: - Condenar o arguido BRUNO, como autor material de um crime de corrupção passiva, p. e p. pelo artº. 372º., nº. 1, do Cód. Penal, e de dois crimes de abuso do poder, p. e p. pelo artº. 382º., do mesmo Código, na pena única 2 (dois) anos e 5(cinco) meses de prisão.

Nos termos do disposto nos artºs. 50º. e 51º., do Cód. Penal, suspender a execução daquela pena de prisão, por um período de igual duração, com a condição de, no prazo máximo de quinze dias a contar da data do trânsito em julgado do acórdão condenatório, devolver as éguas e os arreios ao lesado José S..., ou pagar-lhe, solidariamente com o arguido Manuel, a quantia de € 2.550 (dois mil quinhentos e cinquenta euros), que corresponde ao valor que deu por elas assim como pelos arreios, e pagar ao Estado a importância de € 600 (seiscentos euros) como compensação por não ter arrecadado as multas e encargos que o arguido indevidamente “perdoou”.

- Condenar o arguido Manuel, “o F...”, como autor material de um crime de corrupção passiva, p. e p. pelo artº. 372º., nº. 1, do Cód. Penal, e de um crime de abuso do poder, p. e p. pelo artº. 382º., do mesmo Código, na pena única 1 (um) ano e 5 (cinco) meses de prisão.

Nos termos do disposto nos artºs. 50º. e 51º., do Cód. Penal, suspender a execução daquela pena de prisão, por um período de igual duração, com a condição de, no prazo máximo de quinze dias a contar da data do trânsito em julgado do acórdão condenatório, devolver as éguas e os arreios ao lesado José S..., ou pagar-lhe, solidariamente com o arguido Bruno, a quantia de € 2.550 (dois mil quinhentos e cinquenta euros), que corresponde ao valor que deu por elas assim como pelos arreios.

- Absolver o arguido Manuel do crime de coacção de que vinha acusado.

Inconformados, ambos os arguidos interpuseram recurso, concluindo as suas motivações, respectivamente, com as seguintes conclusões: Do arguido BRUNO: - A matéria de facto dada como provada pelo Tribunal de 1ª Instância e constante dos pontos 7, 8, 12 a 20, 24 a 26 e 28 a 33, não tem qualquer apoio na prova produzida em audiência, pelo que deverá ser dada como não provada; Deverá acrescentar-se à matéria dada como provada o seguinte: - quem comandava a acção de fiscalização era o Militar Rolando e não o arguido Bruno; - que o Moisés foi fiscalizado pelo Militar Rolando e não pelo arguido Bruno; que as éguas foram vendidas pelo Né ao F...; - que o F... e o Bruno desconheciam que o Né não tinha licença de condução de tractor -que o Né chegou a ir à Escola de condução do chaves com o F... e com o cunhado Manuel R...; - que o Né foi buscar a merenda porque os outros estavam a trabalhar e ninguém quis ir.

- face à prova produzida gravada e já devidamente identificada, deverá este tribunal, porque para tal tem poderes, alterar a matéria de facto dada como assente, dando como não provados os factos integradores dos crimes que são imputados ao arguido; -O que conduzirá à absolvição do mesmo; - A livre apreciação da prova não é sinónimo de apreciação arbitrária de todo em todo imotivável, - toda a prova produzida, poderá, quando muito, criar dúvidas no julgador, o mesmo a acontecer e face ao principio “in dubio pro reo” funcionaria sempre a favor do recorrente, - O que levará indubitavelmente à absolvição do arguido dos crimes que lhe eram imputados; - o douto acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 125º,127º,129º,130º do CP, e o princípio “ in dubio pro reo” constitucionalmente garantido no nosso sistema jurídico.

Do arguido Manuel: 1. O crime de abuso de poder, p. e p. no art° 382° do Cód. Penal consiste em crime específico próprio, só podendo ser praticado por quem possui qualidades especiais que fazem parte do tipo legal em questão.

  1. O crime em causa destina-se a proteger a autoridade e credibilidade da administração pública do Estado, tendo em vista garantir o comportamento correcto dos seus agentes, pelo que o tipo legal em questão exige que o agente tenha a qualidade de funcionário, tal qual vem definido no art° 386° do cód. Penal.

  2. Constituem elementos do crime a actuação do funcionário em violação de deveres relacionados com o exercício das suas funções, exigindo-se o dolo específico, ou a actuação com a intenção determinada de obter, para si ou para terceiro, benefício ilegítimo.

  3. O recorrente Manuel não possui a qualidade específica de funcionário, pelo que não preenche o requisito de agente tal qual vem definida no art° 382° do cód. Penal.

  4. A qualidade de funcionário público do arguido Bruno não se estende ao recorrente Manuel, por aplicação do disposto no art° 28° do Cód. Penal, pelo que não poderá este ser condenado pelo crime de abuso de poder.

  5. A conduta do recorrente (pedido ao arguido Bruno que "perdoasse a multa" a Moisés F...) não pode, ainda, ser punida a título de instigação, por aplicação do disposto na última parte do disposto no art° 26° do Cód. Penal.

  6. Nos termos do art° 26° do cód. Penal, "é punível como autor quem executar o facto, por si ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou conjuntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução".

  7. Para preenchimento do tipo objectivo, considera-se instigador quem dolosamente "determina" outra pessoa a praticar "o facto" típico, criando nessa pessoa a decisão firme de querer praticar uma infracção.

  8. "A instigação é sempre o desenvolvimento de uma influência psíquica sobre o autor", pelo que, "a criação de uma oportunidade favorável que faça cair o autor na tentação não é suficiente para a admissão da instigação" - dr. leschek/Weigend, Tratado de Derecho Penal, Sa Ed.

  9. A instigação exige o emprego de determinados meios, desde que sejam adequados a produzir influência sobre o estado psiquico do autor principal para conseguir a execução do facto, traduzindo-se, assim, em actuação que corresponde ao exercício do domínio da vontade, ou seja, quando alguém exerce sobre outrem influência psicológica irresistível.

  10. Para preenchimento do conceito de instigação, deverá lançar-se mão dos critérios relativos à autoria, em cujo conceito amplo aquela se insere, nomeadamente o nexo de causalidade adequada entre a acção e o resultado típico, sendo certo que, sempre que tal nexo se não verifique não poderá falar-se de participação criminosa.

  11. Assim, os actos praticados pelo "instigador" têm que ser adequados a causar o convencimento/determinação de outrem à prática do facto típico - também este desejado pelo instigador - criando no executor a firme decisão de praticar o crime instigado, até aí não existente.

  12. De acordo com os factos constantes da matéria de facto provada, da actuação do recorrente Manuel resulta o mero pedido de perdão da multa a Moisés F..., desacompanhado de qualquer argumentação ou "pressão" psicológica que contribuisse para o convencimento do arguido Bruno.

  13. Do pedido do recorrente Manuel não resulta a intenção em convencer o agente a delinquir, sendo certo que a "clemência" solicitada, desacompanhada dos meios adequados a produzir influência sobre o estado psíquico do destinatário, dependeu sempre da disponibilidade do agente do facto em aquiescer ou não ao pedido, aquiescência, essa, que proveio da determinação exclusiva do próprio agente e não por influência ou argumentação daquele.

  14. Ora, o simples pedido, sem mais, numa formulação de juízo ex ante não pode, nem constitui...

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