Acórdão nº 152/08.1TABCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 01 de Março de 2010
Magistrado Responsável | CRUZ BUCHO |
Data da Resolução | 01 de Março de 2010 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: JULGADO PROCEDENTE Sumário: I - No âmbito dos crimes de imprensa, se o autor do texto não identificar devidamente a pessoa cujas declarações se limitou, alegadamente, a reproduzir e cuja identidade se não apurou no decurso do inquérito, inviabilizando-se, deste modo, apurar se tais declarações foram ou não correctamente reproduzidas, a acusação deverá ser deduzida apenas contra o autor do texto, não havendo lugar à invocação do disposto nos artigos 116º, n.º3 e 117º, ambos do Código Penal).
II – Para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 180º do Código Penal e segundo entendimento amplamente maioritário, os meios de comunicação social só desempenham uma função com interesse público quando os factos ou juízos divulgados respeitem a uma “actividade relativa à formação democrática e pluralista da opinião pública em matéria social, política, económica, cultural.” A narração e denúncia de factos criminosos de relevo comunitário, nomeadamente de burlas cometidas por videntes, mestres, bruxos etc, sobre incautos cidadãos, normalmente de baixa condição cultural e fracos recursos económicos, apresenta inegável interesse público.
III A boa-fé tem uma vertente subjectiva e objectiva. A justificação da conduta não se basta com a mera convicção subjectiva por parte do jornalista na veracidade dos factos, está sobretudo dependente do respeito das regras de cuidado inerentes à actividade de imprensa e que impõe ao profissional o cuidadoso cumprimento de um dever de informação antes da publicação da notícia.
IV- Indiciando-se suficiente que o jornalista, autor do texto, agiu com o propósito de realizar a função pública inerente ao direito-dever de informar, convicto da veracidade dos factos que lhe foram relatados pelas duas cidadãs mencionadas na notícia em questão, que a história noticiada não se mostra, à partida, inverosímil, que foi dada ao visado a possibilidade de apresentar a sua versão dos factos, o que veio a acontecer já que a sua versão foi vertida para o texto da notícia de forma ampla e destacada, e que o meio utilizado se afigura adequado à prossecução do interesse visado, por se tratar de um texto escorreito, contido e moderado, em cuja redacção imperou a objectividade, dado que nele não são feitas especulações nem valorações excessivas sobre a pessoa visada, o arguido não deve ser pronunciado.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães:*I- Relatório No processo de instrução n.º 152/08.1TABCL. do 1º Juízo Criminal Tribunal Judicial de Barcelos, por despacho de 24 de Junho de 2009, o arguido Pedro S..., com os demais sinais dos autos, foi pronunciado pela prática, em autoria matéria, de um crime de difamação p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 180º, n.º1, 182º e 183º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Penal e 30º e 31º ambos da Lei n.º 2/99, de 13 de Janeiro (Lei de Imprensa) *Inconformado com tal decisão, o arguido Pedro S... dela interpôs recurso, rematando a sua motivação com as seguintes conclusões que se transcrevem: «A. Findo o inquérito, o Assistente apenas deduziu acusação contra o Recorrente, contra Pedro T... e Ricardo C..., deixando de fora as Denunciadas Ana M... e Paula F..., contra quem havia apresentado também a sua participação crime, como as pessoas que proferiram as declarações consideradas ofensivas e são co-autoras.
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Atento o disposto nos arts. 307º, n.º4 e 308º, n.º3 do CPP, competia ao Tribunal a quo extrair todas as legais consequências desta omissão, designadamente declarar a extinção do procedimento por desistência de queixa contra todos os Arguidos, o que não fez, violando assim não apenas as referidas normas processuais, como os arts. 115º, n.º 2 e 116º, n.º 3 do Código Penal e o princípio da indivisibilidade da queixa.
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Em consequência, deve este Tribunal de recurso anular a decisão recorrida e, em sua substituição, proferir outra que declare a extinção do procedimento por desistência de queixa e o correspondente arquivamento dos autos.
Ainda que assim não seja, D. Existe violação do disposto no art. 31º, n.º 4 da Lei de Imprensa, enquanto o Tribunal recorrido imputa ao Arguido a responsabilidade pelo teor de toda a notícia, quando as afirmações ou são transcrição fiel, entre aspas, de afirmações proferidas pelas Denunciadas Ana M... e Paula F..., que vêm identificadas na noticia como autoras das mesmas, ou são súmula do que por elas foi dito, em discurso indirecto.
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O Recorrente identificou as co-autoras através de nome e apelido, da idade, e, num dos casos, também com a publicação de fotografia, pelo que apenas com falta de rigor se pode dizer que, para aqueles efeitos legais, as declarantes não estão identificadas, F. o que, aliás, constitui contradição manifesta não só com o facto de, justamente por estarem identificadas, o Assistente ter deduzido contra as mesmas a queixa, como também com os termos da própria decisão que, noutras passagens, acusa o Arguido de ter citado as mesmas denunciadas.
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Os autos contêm prova bastante, e pelo menos indiciária, de que as afirmações do texto são transcrição fiel das declarações das duas denunciadas: as afirmações estão entre aspas e, as que não estão, são reprodução das mesmas; o Arguido publicou a versão dos factos do Assistente também através de citação, que o mesmo aceita estar conforme; as denunciadas nunca vieram aos autos negar a autoria e a correcção da transcrição das suas afirmações; a prova testemunhal confirma-o.
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O Tribunal recorrido violou o princípio de presunção de inocência, já que, não obstante possuir elementos suficientes para decidir de outro modo, e de, segundo o tal princípio, o Arguido não dever ver a sua posição desfavorecida, no sentido de que a ausência de melhores e mais definitivos elementos indiciários não podia ser valorada contra este, a verdade é que pronunciou o arguido.
I. Andou mal a decisão instrutória, errando na apreciação da prova dos autos, violando o art. 31º, nº 4 da Lei de Imprensa e o art. 308º do CPP ao pronunciar o Arguido.
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Por outro lado, ficou demonstrado que o Arguido jornalista agiu no exercício do direito à informação, e sem ultrapassar os seus limites, pelo que deveria a decisão recorrida ter considerado que as imputações difamantes foram feita para realizar interesses legítimos, K. e que, em boa fé, o Arguido tinha fundamento sério para reputar as afirmações por verdadeiras: face aos relatos colhidos, o Arguido não tinha qualquer razão para duvidar da veracidade dos mesmos, de suspeitar que pudessem ser falsos, ou para pensar, sequer, que pudesse estar a escrever uma ou qualquer falsidade.
L. Demonstrada como ficou a prova indiciária de que foram as fontes contactadas que narraram a história ao Arguido e naqueles termos, que duas "clientes" do Assistente se identificaram ao jornalista e autorizaram a citação das suas afirmações, que declaram ir proceder judicialmente contra o mesmo, e que uma delas se deixou retratar, só se pode concluir que o Arguido não excedeu o direito de informação que o caso exigia e que, recolhida a informação como foi, este em boa fé tinha todo o fundamento para considerar a informação de verdadeira.
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Assim sendo, ao caso sempre seria aplicável o disposto no nº 2 do artigo 180º do C.P., pelo que este Tribunal de Recurso sempre deverá revogar a decisão recorrida decretando a não punição da conduta.
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Também existe prova indiciária da inexistência de dolo do jornalista: o registo da notícia, factual, centrado na divulgação pública das afirmações das duas pessoas identificadas, a par da publicação da versão dos factos do assistente, publicada no exercício do direito a ser ouvido e no direito do contraditório, demonstra suficientemente que não existe qualquer animus injuriandi, nem tão pouco qualquer outra intenção do jornalista que não fosse narrar os factos tal como os conhecia.
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Teria que ter resultado da instrução indício de que o arguido se teria movido por uma qualquer intenção injuriosa, quando resulta que não há mais do que exercício do direito à informação, isenta, sendo que os termos da notícia, designadamente com a inclusão da versão do assistente, negam a possibilidade de o arguido vir a ser condenado.
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Ademais, a notícia é redigida em termos razoáveis, sem o recurso a passagens especulativas. O relatado na notícia era e é absolutamente rigoroso e verdadeiro, enquanto se trata de transcrição fiel de afirmações de terceiros identificados, com proporcionalidade, adequação e razoabilidade, o que reforça a vertente exercício do direito.
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Existindo, assim, também justificação e adequação em sede de eventual colisão de direitos entre os direitos pessoais do Assistente e o direito à informação, justificando suficientemente a conduta do Recorrente e apontando para a não pronúncia.
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Andou mal a decisão instrutória, violando o disposto no art. 308º, nº 1 do C.P.P. e no art. 180º, nº 2, al. b) do CP, sendo que não existe possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada uma pena ou medida de segurança se for a julgamento, pelo que deve, em qualquer caso, este Tribunal de recurso revogar a decisão recorrida e substitui-la por outra que, nos termos da segunda parte do art. 308º, não pronuncie o Recorrente.» Termina pedindo “a anulação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que determine a não pronúncia do Arguido”.
*O assistente Luís A..., com os demais sinais dos autos, respondeu ao recurso pugnando pela manutenção do julgado.
*O Ministério Público junto do tribunal a quo pronunciou-se pela procedência do recurso por “não existirem nos autos prova suficiente da verificação do ilícito criminal imputado ao arguido”*O recurso foi admitido para este Tribunal da Relação de Guimarães, por despacho constante de fls. 447.
*Nesta Relação, o Mistério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
*Foram colhidos os vistos e realizada a conferência, pelo que cumpre decidir.
*II- Fundamentação É o seguinte o...
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