Acórdão nº 636/06.6GAALB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Março de 2010

Data01 Março 2010
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE Legislação Nacional: ARTIGOS 165º, Nº1 E 2, 30º Nº1 E 2E 71º,72º E77 DO CP, 494ºE 496º DO CC Sumário: 1. Não se mostrando que a reiteração criminosa tenha resultado de qualquer solicitação externa para a qual o arguido não tenha contribuído, concluímos que foram factores endógenos que o levaram a repetir o crime, ou seja, como resulta do acervo factual, o arguido aproveitou-se da sua ascendência sobre a ofendida em resultado da doença mental que a mesma sofria e que a tornava incapaz de avaliar a amplitude e a gravidade dos factos e daí tirou partido para satisfazer paixões lascivas e o seu instinto libidinoso.

  1. Assim, não tendo sido qualquer condicionalismo criado pela ofendida que determinou o arguido à prática dos factos criminosos, estamos perante uma culpa agravada e por isso excluída do nº 2, do artº 30º do Código Penal.

    3 Cometeu deste modo o arguido dois crimes de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, previstos e punidos pelo artigo 165º, nºs 1 e 2, do Código Penal, correspondendo a cada um pena de dois a dez anos de prisão, um constituído pelos factos ocorridos na sua casa e o outro pelos factos ocorridos no pinhal.

    4 Sendo a atenuação especial da pena aplicável apenas a casos extraordinários ou excepcionais, ou seja, a casos em que razoavelmente se possa supor que o legislador neles não pensou quando estatuiu moldura punitiva respectiva, impõe-se que a mesmas só possa ser aplicada quando no caso concreto ocorram circunstâncias tais que justificam uma punição distinta daquela que é prevista para a generalidade das situações.

    5 No caso estamos perante uma situação perfeitamente enquadrável na “normalidade” atendida pelo legislador quando fixou a moldura punitiva. e neste âmbito, nenhuma circunstância se mostra que diminua acentuadamente a culpa ou a ilicitude ou reduza marcadamente a necessidade da pena.

    6 Em processo penal vigoram os princípios da investigação e da livre apreciação da prova, mesmo em relação ao pedido de indemnização por perdas e danos.

    Decisão Texto Integral: Por sentença proferida nos autos supra identificados, decidiu o tribunal: “

    1. Condenar o arguido M. pela prática de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, previsto e punido pelo artigo 165º, nºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 5 anos de prisão, suspensa por igual período e sujeita a regime de prova, sendo que do plano de reinserção social fará parte a obrigação do arguido pagar à lesada, a título de indemnização por danos não patrimoniais, o valor de € 17.500 (dezassete mil e quinhentos euros), sem prejuízo desta poder executar a sentença, na parte que decide do pedido civil, logo que esta transite em julgado.

    2. Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido e condenar o arguido/demandado a pagar à ofendida/demandante a quantia de € 17.500 (dezassete mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais.” Inconformado com o decidido, vem o arguido impugná-lo.

    Apresentou as seguintes conclusões (transcrição): 1ª - O presente recurso vem interposto da douta sentença, com a qual não se concorda, que condenou o arguido/recorrente, como autor material, de forma consumada, de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistir (p e p artº 165 nºs 1 e 2 do CP), na pena de 05 anos de prisão, suspensa por igual período e sujeita a regime de prova, sendo que do plano de reinserção social fará parte a obrigação do arguido pagar à lesada, a título de indemnização, o valor de 17.500€, sem prejuízo desta poder executar a sentença, na parte que decide do pedido cível, logo que esta transite em julgado; e que julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido e condenou o arguido/demandado a pagar à ofendida/demandante a quantia de 17.500€, a título de danos não patrimoniais (cfr. sentença recorrida) 2ª - A ofendida não chegou a constituir-se assistente, pelo que não aderiu à Acusação Pública 3ª - Na sequência de pedido de julgamento na forma Comum perante o Tribunal Singular e promoção de página 03 do Despacho Acusatório (a fls 113 dos autos), a moldura penal abstracta máxima aplicável ao arguido é de 05 anos: “Entendemos que, em concreto, não deve ser aplicado ao arguido pena superior a cinco anos de prisão” (sic) 4ª - O arguido, ora recorrente, entende não dever ser dado como provado o ponto 11 dos factos provados na sentença e que é o seguinte: "após esse dia, em data não concretamente apurada, mas anterior a Novembro de 2006, em execução de propósito formulado, o arguido, por mais pelo menos uma vez, manteve relações sexuais de coito anal com a ofendida, o que sucedeu num pinhal existente nas imediações da residência de ambos" (sic), pelos motivos que abaixo se indicam 5ª - Na sequência de submissão a exame pericial médico-legal (prova arrolada pela Acusação e aproveitada pela sentença para fundamentação desta), na data de 17/11/2006, e em sede de "exame objectivo", e diferentemente do que sucedeu com a região genital, foi observado que "à inspecção desta região apresenta preservação da simetria das pregas anais e contorno anal regular, com manutenção da tonicidade do esfíncter, não sendo visível a este nível, lesões traumáticas ou seus vestígios" (negrito nosso) 6ª - Ainda na sequência do mesmo e nas suas "conclusões" consta, expressamente (ao contrário da conclusão sobre a região genital), que "não foram encontrados quaisquer sinais objectivos de lesões traumáticas ou seus vestígios a nível da superfície corporal, bem como da região anal" (negrito nosso) 7ª - Tendo a sentença recorrida motivado o indicado facto provado (ponto 11 provado da sentença) pelo menos com as declarações da ofendida, conforme consta da página g da sentença - "a ofendida disse, ainda, (. ... ) "foi no rabo" -, claro se toma que as estas são contraditórias (face àquele relatório médico-legal) e não têm base ou suporte documental ou mesmo pericial 8ª - Sendo certo que, ainda, na mesma sentença, a pgs 6, se diz que a ofendida tem "um discurso, por vezes, muito confuso" 9ª - Ficando, também e ainda, sem se perceber e entender, por que razão se deu credibilidade à ofendida nesta parte, quando não existe sequer prova documental/pericial bastante que alicerce as suas declarações 10ª - Assim, face à indicada prova relatório médico-legal, constante a fls ... dos autos, associado ao que supra acabámos de concluir, impunha-se decisão de facto diferente, ou seja, não dever ser dado como provado o indicado ponto 11 dos factos provados da sentença, inclusive que arguido e ofendida mantiveram relações sexuais de coito anal.

    11ª - O artº 163 nº 1 CPP foi violado, tem aplicação nos autos e deve ser interpretado com o sentido que acima explanámos; e o artº 127 CPP também foi violado, não tem aplicação nos autos, e deve ser interpretado com o sentido acima dado 12ª - O arguido foi condenado ao limite máximo aplicável em abstracto a este caso, ou seja, a 05 anos de prisão, com a qual não se concorda por ser excessiva 13ª - É aplicável ao caso dos autos a atenuação especial da pena, constante do artº 72 nº 2 d) do CP: "ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta" 14ª - Em virtude dos factos terem ocorrido no ano de 2009, a audiência de julgamento datar de Março/2009 e o arguido em nada ter contribuído, dolosa ou negligentemente, para delongar o processo judicial, conforme se denota por simples consulta aos autos! 15ª - Assim, consequentemente, e por aplicação do artº 73 nº 1 a) e b) do CP, o limite máximo da pena (05 anos) é reduzido de 1/3 (passando o limite máximo a 3 anos e 4 meses de prisão) e o limite mínimo ao mínimo legal, em virtude da diminuição da ilicitude do facto ou da culpa, necessidade de pena e exigências de prevenção (cfr. ob cit Maia Gonçalves) 16a- Foram violados os artºs 72 nº 1 alínea d) e 73 nº 1 alíneas a) e b), todos do Código Penal, que têm aplicação aos autos, com o sentido que acima concluímos 17ª - No entanto, na determinação da medida concreta da pena do artº 71 CP, a culpa a levar em conta deverá ser moderada (e não muito elevada), assim como as exigências de prevenção geral são medianas, porque não foi dado sequer como provado que a população teve conhecimento ou ficou alarmada com os factos da Acusação, nem o arguido ficou sujeito a prisão preventiva com base na perturbação da ordem pública 18ª - O grande decurso do lapso de tempo ocorrido sobre a prática do facto (2006 a 2009), a existência, na nossa modesta opinião, de um só acto sexual, o pormenor das relações de vizinhança (que não levam automaticamente a existência de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual) são factos que determinam a que o grau de ilicitude não deva considerar-se muito elevado, mas somente elevado 19ª - A favor do arguido deverá considerar-se a ausência de antecedentes criminais; cumprimentos exemplar das medidas de coacção impostas pelo Tribunal; justificação das suas ausências às apresentações periódicas; permanência na Alemanha por motivos de contrato de trabalho (cfr. contrato de trabalho junto aos autos em Abri1l2008); casa de morada de família em Portugal composta de esposa e filho menor; conduta posterior ao facto é exemplar e sem quaisquer processo crimes pendentes contra si; deslocação da Alemanha a Portugal a fim de comparecer em audiência de julgamento, a fim nela intervir (cfr. actas de audiência e discussão de julgamento de 2/312009 e 10/312009), com sacrificio de dias de trabalho, inerente perca monetária, acrescida de despesas de transporte 20ª- Assim, nesta sequência, resulta claro que a pena de prisão (de 05 anos) aplicada ao arguido é exagerada, e por visa disso mas sem perder de vista as exigências de prevenção geral e especial, deve ser ajustada em função do que supra foi concluído, modificando-se/revogando-se o quantitativo da pena de prisão 21 ª - Assim, fazendo uso e aplicação do preceituado nos artºs 72 nº 2 alínea d) e artº 73 nº 1 a) e b)...

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