Acórdão nº 3/08.7GDFND.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelPAULO GUERRA
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: CONFIRMADA Legislação Nacional: ARTIGOS 351º, 439º DO CÓDIGO CIVIL,69º E 137º CP Sumário: 1. A prova indirecta está sujeita à livre apreciação exigindo um particular cuidado na sua apreciação, apenas se podendo extrair o facto probando do facto indiciário quando seja corroborado por outros elementos de prova, por forma a que sejam afastadas outras hipóteses igualmente plausíveis.

  1. Em matéria rodoviária, dado o enorme perigo que envolve a utilização do automóvel e a velocidade, a infracção de norma de trânsito constitui presunção – natural, judicial ou de prova, nos termos do art. 439º e 351º do C. Civil, que não presunção legal de culpa, inadmissível em processo penal face ao princípio in dubio pro reo – de que não foi cumprido o dever de cuidado específico imposto pela norma violada, desde que o resultado seja daqueles que a lei ou regulamento quis evitar.

  2. Ao tribunal de recurso cabe apenas verificar se os juízos de racionalidade, de experiência e de lógica confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar.

  3. Nos crimes de resultado, entre a acção e o resultado deve mediar uma relação de causalidade, ou seja, uma relação que permita, no âmbito objectivo, a imputação do resultado produzido ao autor da conduta que o causou.

  4. A conduta do agente, ainda que violadora de normas de cuidado, pode não ser causal relativamente ao resultado, se se interpuser uma outra conduta ou um outro facto, esses sim causadores directos daquele.

  5. No artigo 69º quer-se apenas abranger os crimes dolosos, excluindo-se a utilização negligente do veículo durante a mera condução, ainda que imprudente.

  6. Ao arguido que não foi acusado pela prática de uma autónoma contra-ordenação grave, tendo-se apenas lançado mão das normas dos artigos 24º e 25º do CE para efeitos de indicação das infracções estradais causais da negligência evidenciada pelo comportamento do arguido não pode ser aplicada a pena acessória do artigo 69º.

    Decisão Texto Integral: 1.

    No processo comum singular n.º 3/08.7GDFND do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca do Fundão, por sentença datada de 3 de Setembro de 2009, foi a) Condenado o arguido A... pela prática de um crime de homicídio negligente p. e p. pelo art. 137º, nº 1 do Código Penal, na pena de 260 (duzentos e sessenta) dias de multa, à taxa diária de 6,00 € (seis euros); b) Condenado o arguido A... ao cumprimento de sanção acessória de inibição de condução de veículo com motor, pelo período de 9 (nove) meses, nos termos do artigo 69º/1 b) do Código Penal.

    2.

    Inconformado, o arguido A... recorreu da sentença, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): «1. O recorrente impugna a matéria de facto dada como provada constantes dos n.°s 04, 05, 11, 12 e 14 da douta sentença recorrida, a qual deveria obter resposta diferente.

    2. Ao afirmar-se que a velocidade a que o arguido ia era excessiva sem se provar a velocidade a que ia estão a retirar-se conclusões sem base fáctica que as sustentem.

    Nos autos em momento algum é alegada pela acusação a velocidade a que seguia o arguido e muito menos se produziu qualquer tipo de prova de onde se possa concluir qual a velocidade a que seguia, pelo que o meritíssimo juiz “a quo” não deveria ter considerado que o arguido seguia em velocidade demasiado elevada.

  7. Considerou o juiz “a quo” que a dinâmica do acidente se deu da forma constante nos n°s 04 e 05 dos factos provados da sentença recorrida, apoiando tal convicção no depoimento do Sr. J..., do GNR, AA..., no “croqui” dos autos e no depoimento do filho do falecido, L....

    Considera o recorrente que tais factos foram incorrectamente julgados.

    Analisando o depoimento do arguido, A… gravado na cassete n°01 lado A voltas 50, conforme acta da audiência, disse no local do acidente, perante dois veículos colocados em posição conforme o croqui dos autos, destacam-se as seguintes passagens: Juiz - Confirma a posição dos carros? Arguido - Os carros estavam mais para o meio da estrada, vinha junto desta linha (linha de berma do lado direito do trajecto do arguido) quando me apercebi. Havia mimosas altas eu não via. Apanho a cacetada na frente e o carro rabeou, rebentou o air-bag não vi mais nada.

    Juiz - Viu o sítio da 2ª pancada? Arguido - não me apercebi.

    Juiz - Como é que explica que o carro tenha vindo para aqui (outra faixa de rodagem)? Arguido - Piso estava escorregadio e os canos deslizam para onde querem ir.

    A instância do advogado o arguido disse, ainda: Adv. - O local onde se deu o acidente? Arguido - Pus as mãos na cabeça e disse vamos morrer.

    Adv. - Local onde viu o outro carro.

    Arguido - já o vi em cima de mim na minha faixa, porque existiam mimosas altas.

    Das passagens transcritas conclui-se que o acidente se deu na faixa de rodagem em que o arguido circulava, isto é na faixa da direita no sentido Fundão-Silvares, só o arguido se tendo apercebido do outro carro quando se deu o embate.

    Considera o recorrente que a relevância dada ao depoimento do Sr. J..., condutor do outro veículo interveniente no acidente, não pode servir de base à condenação do arguido, antessim levanta sérias dúvidas quanto ao local do embate.

    Analisando as passagens que se transcrevem do depoimento do Sr. J..., gravado na cassete n°01 lado A desde voltas 141, conforme acta da audiência, disse no local do acidente, o seguinte: Procurador - O local do embate? J... - Foi mais ou menos aqui assim, não sei ao certo.

    Procurador - Foi na sua mão? J... — Foi na minha mão, eu só abrandei a marcha ia a 40/50 kmh.

    Procurador - Sentiu película gordurosa? J...- Não senti nada.

    Advogado - Viu o cano (do arguido) a mais de 200 metros.

    J... - Sim.

    Advogado - local do acidente não sabe? J...- Não sei mas foi na minha mão.

    Advogado - Porque é que não encostou aqui (berma)? J... - Não dá para pensar na altura, abrandei.

    Adv. - Buzinou, fez sinais de luz? J...- Não fiz nada.

    Adv. - Teve uma conversa com o tal sr. (falecido)? J... - Ele começou a dizer deixa-te ir onde estás ele é que vem fora de mão, ele é que tem que se desviar não somos nós.

    Juiz - ele (arguido) vinha um bocado mais depressa que o sr.? J... - ele vinha mais depressa, ele não travou nem nada. Fui abrandando até se dar o embate visto que não se desviou.

    O depoimento do condutor do veículo Citroen é muito vago, mantendo apenas uma linha central, afirmar que o acidente se deu na sua faixa de rodagem, pois caso contrário o causador do acidente foi ele depoente (J...).

    Todas as testemunhas confirmaram, e está dado como provado na sentença, a existência no local do acidente existia uma película gordurosa.

    O condutor do veículo onde seguia o falecido foi o único que não se apercebeu dela.

    O local do embate não sabe onde foi, apenas, que foi na sua faixa de rodagem no sentido Silvares-Fundão.

    A inverosimilhança do depoimento do Sr. J... acontece quando afirma ter visto o carro do arguido a mais de 200 metros de distância, quando seguia a uma velocidade de 40 a 50 kmh. e de não se ter desviado para a berma evitando o acidente, mantendo-se estoicamente’ na sua marcha aguardando que o carro do arguido percorra mais de 200 metros e venha a embater no seu citroen, o qual abrandou a velocidade, tudo porque o falecido lhe disse para não se desviar.

    Tal depoimento confuso e nada credível não pode ser justificado pela idade da testemunha e falta de reflexos, a testemunha não é de idade avançada e não existem nos autos quaisquer circunstâncias que permitam afirmar que o J... tinha poucos reflexos.

    O depoimento do Sr. J... não pode ser considerado para considerar os factos constantes dos n.°s 04 e 05 da sentença como provados.

    O depoimento do Sr. J... levanta sérias dúvidas quanto ao local do acidente, levando a suspeitar que o Sr. J... pisou a película gordurosa, a qual não se apercebeu, e terá invadido a hemi-faixa do arguido (Fundão — Silvares) provocando o acidente, sendo o causador do mesmo.

    O depoimento do militar da GNR, AA..., e o “croqui” por ele elaborado (auto de participação do acidente) não podem ser utilizados para condenar o arguido, pelo contrário as dúvidas que são levantadas pelo depoimento e pelo documento são muitas.

    Analisemos as seguintes passagens do depoimento ONR, A…, gravado na cassete n°01 lado A desde voltas 246, conforme acta da audiência, o qual no local do acidente disse, o seguinte: Adv. - Este carro (citroen) que aqui está, estava nesta posição ou mais para o interior da via? GNR- Foi como estivemos a ver há pouco poderiam estar um bocado mais para ali cerca de 40/50 cm. (isto é os veículos poderiam estar 40/50 cm mais chegados à berma da direita no sentido Fundão-Silvares).

    Adv. - A situação que está assinalada no croqui? GNR- Aí está correcto, poderíamos ter traçado e fazer a medida da linha para cá ou do alcatrão para cá.

    Adv. - As medições é de onde começa o alcatrão ou da linha de berma? GNR- O M/ colega pensa que os caros estavam mais para lá, pelo que as medidas foram tiradas do limite do alcatrão.

    Adv. - Mas o sr. não sabe? GNR - Uma coisa é certa mais para ali ou mais para aqui a posição (carros) é esta.

    Adv. - Enviúzada? GNR - Pronto.

    Adv. - e o óleo estava? GNR- Precisamente debaixo deste veículo (citroen) Adv. - Onde? GNR- Por baixo do motor.

    Adv. - Recorda-se dos vestígios? GNR- Não me recordo, a estrada foi lavada pelos bombeiros para um lado e para o outro das bermas.

    Adv. - No sentido Silvares-Fundão existia uma película gordurosa em ambas as vias ou só na direita? GNR- Em ambas.

    Adv. - Para lá não se recorda? GNR - Não me recordo.

    Procurador - Os carros estão consoante as medidas da al. G do croqui? GNR - Então a única diferença que está aqui é a faixa lateral.

    Adv. - Os carros estão colocados tomando em consideração o interior da linha de berma? GNR - Estão colocados do interior da linha de berma. (linha de berma da direita do sentido Fundão-Silvares - conferir acta...

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