Acórdão nº 709/04.0TMAVR-D.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelGONÇALVES FERREIRA
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: CONFIRMADA Legislação Nacional: ART. 201, 712 CPC, 1906 DO CC Sumário: I – A deficiência da gravação dos depoimentos prestados configura nulidade, nos termos do art.201 nº1 do CPC, mas só nos casos de impossibilitar a percepção das declarações, inviabilizando a reapreciação da matéria de facto pela segunda instância.

II – Não traduzem nulidade as simples lacunas que, pela diminuta dimensão, não impeçam a apreensão do sentido dos depoimentos.

III – A Relação só pode alterar a decisão de facto se tiver ocorrido erro notório na apreciação da prova.

IV – O progenitor, a cuja guarda o filho menor foi confiado, não está impedido de o levar consigo para o estrangeiro, a menos que se verifiquem circunstâncias ponderosas que o desaconselhem.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório: A (…), residente na Rua (…), Aveiro, intentou procedimento cautelar inominado contra B (…) residente na Rua (…) , Viseu, alegando, em síntese, que: Propôs acção de alteração das responsabilidades parentais, tendente a que o poder paternal do menor C (…) passasse a ser exercido por ambos os pais.

A mãe, ora requerida, tenciona ausentar-se para o estrangeiro com o menor e não mais regressar a Portugal, o que frustraria o efeito da acção principal, sendo, por outro lado, certo, que ele (requerente) não autoriza o filho a ir para o estrangeiro.

Pediu, a final, que, sem prévia audição da requerida, se decretasse a inibição de esta levar consigo o menor para o estrangeiro.

Indeferida a dispensa do contraditório, foi a requerida notificada para deduzir oposição, o que fez deste modo: A acção de alteração da regulação do exercício do poder paternal improcedeu, pelo que a sua frustração está fora de causa.

De qualquer maneira, a ida para o estrangeiro não passa de uma mera possibilidade, ditada, aliás, pelo objectivo de proporcionar melhores condições de vida para si e para o seu filho.

Ainda que tal se verifique, a ausência não é para sempre, além de que não pretende privar o filho do contacto com o pai, até porque se deslocará a Portugal duas vezes no ano, pelo menos.

Concluiu pelo indeferimento da solicitada providência.

Realizada a audiência final, foi proferida decisão que julgou improcedente a providência requerida.

O requerente veio arguir a irregularidade ou nulidade do “vício da gravação de produção de prova” e requerer a anulação dos depoimentos das testemunhas por si arroladas, afirmando serem os mesmos inaudíveis.

A requerida pronunciou-se pelo indeferimento da arguição, por entender que a gravação realizada permite captar o essencial dos depoimentos.

Ouvida a secretaria, que informou serem os depoimentos audíveis e perceptíveis, foi proferido despacho a indeferir a nulidade.

Insatisfeito, o requerente interpôs recurso, alegou e apresentou as seguintes conclusões: 1) O procedimento improcedeu, por se não ter provado que a mãe do menor tivesse o propósito sério de emigrar, o que afasta a verificação da ameaça iminente de lesão do direito, que é um dos pressupostos essenciais da procedência do procedimento; 2) Só que, dos depoimentos das testemunhas (…) resulta precisamente o contrário, ou seja, que a mãe pretende ir para França com o menor, por tempo indeterminado; 3) Mas mesmo que assim não fosse, o procedimento cautelar só tem de fundamentar-se em indícios, pelo que sempre deveria proceder; 4) Por outro lado, os depoimentos daquelas testemunhas não se percebem na sua totalidade, razão por que devem voltar a ser inquiridas.

Acabou por formular o pedido de repetição da inquirição das mencionadas testemunhas e, de qualquer modo, o deferimento da providência.

O MP contra-alegou e concluiu assim: 1) Os procedimentos cautelares são providências tendentes a regular a situação de facto que haverá de existir entre as partes até que chegue a final uma acção, que pode não estar, ainda, proposta, em ordem a evitar o “periculum in mora”; 2) No caso concreto, estão em apreço questões eminentemente pessoais, às quais não pode ser atribuído um valor patrimonial, pelo que as normas processuais dos procedimentos cautelares têm de ser apreciadas com as necessárias adaptações; 3) De acordo com a regulação do exercício do poder paternal vigente, o menor ficou confiado à guarda e cuidados da mãe, exercendo esta o poder paternal; 4) A Constituição da República, no n.º 5 do artigo 36.º, consagra o poder paternal como um poder funcional, que deve ser exercido altruisticamente, no interesse do filho, com vista ao seu harmonioso desenvolvimento físico, intelectual e moral; 5) Na hipótese vertente, o exercício do poder paternal pertence à progenitora, o que significa que lhe cabe a ela tomar todas as decisões importantes da vida do filho, não necessitando do acordo do pai, que não pode impedir a ida do menor para o estrangeiro, a não ser que invoque factos graves que desaconselhem, de todo, que ele acompanhe a sua guardiã; 6) Apesar de se tratar de uma questão de particular importância, da qual o pai não pode deixar de ser informado, já que sobre ele impende o dever de vigiar a educação e as condições de vida do filho, a decisão de ir para o estrangeiro insere-se no âmbito do exercício do poder paternal, que ficou a cargo da progenitora; 7) Cumpria ao recorrente provar, o que não logrou, que a ida para o estrangeiro é, de facto, uma intenção real, séria e definida e que isso constitui, só por si, lesão de um direito de difícil reparação; 8) A decisão recorrida deve ser mantida nos seus precisos termos.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

De acordo com as conclusões da alegação do recorrente, são três as questões a requerer resolução:

  1. A irregularidade/nulidade da gravação; b) A alteração da matéria de facto; c) A verificação dos requisitos da providência solicitada.

    1. A matéria de facto: A. Na decisão recorrida foram dados por provados os seguintes factos: 1. O menor C (…) nasceu no dia 13 de Maio de 2002 e é filho do requerente e da requerida.

    1. No âmbito da acção de regulação do poder paternal, foi proferida decisão homologatória do acordo dos progenitores do menor, pelo qual estes acordaram que “O menor fica confiado à guarda e cuidados da mãe B (…), com quem residirá e a qual exercerá o poder paternal”.

    2. O pai propôs acção de alteração da regulação do poder paternal (n.º 709/04.0TMAVR), pedindo que o poder paternal do menor passasse a ser exercido em conjunto por ambos os pais. Esta acção foi julgada improcedente, por não existirem factos supervenientes ao acordo que justificassem a alteração do regime fixado.

    1. Na mesma decisão foi declarado não provado que: a) A requerida, mãe do menor, pretende ausentar-se para o estrangeiro até ao final do ano, levando o menor consigo e não tendo data prevista para o seu regresso.

  2. Não pretende regressar a Portugal se a vida lhe correr bem profissionalmente.

    1. O direito: a) A irregularidade/nulidade da gravação O ora recorrente arguiu a nulidade ou a irregularidade da gravação da prova, nos termos do disposto no artigo 205.º do Código de Processo Civil, alegando que pretendia recorrer da decisão de facto, mas não conseguia ouvir e, muito menos, perceber os depoimentos das testemunhas (…) imprescindíveis, na sua óptica, para o exercício cabal do direito de recorrer.

    A arguição foi indeferida com o argumento de os depoimentos estarem gravados e serem perceptíveis, depois de ouvidas a recorrida, que contrariou a posição do recorrente, e a secretaria, que informou no sentido de só haver dificuldade na percepção de algumas palavras, devido ao facto de o som estar muito baixo.

    Parece não se levantarem dúvidas na jurisprudência de que a falta de gravação dos depoimentos prestados, quando devida, ou a deficiência de gravação que, pela sua gravidade, impeça a percepção das declarações de forma a inviabilizar a sindicância da decisão de facto, primeiro, pelas partes e, depois, pelo tribunal de recurso, constituem nulidade, nos termos configurados no artigo 201.º do Código de Processo...

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