Acórdão nº 495/04.3TBOBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelCARLOS GIL
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: REVOGADA Legislação Nacional: ARTS.690-A, 712 CPC 1816, 1817,1871 CC, LEI Nº 14/2009 DE 1/4 Sumário: I - O ónus imposto ao recorrente que impugna a matéria de facto, no que tange a indicação dos meios de prova que impõem decisão diversa da tomada, teve em vista essencialmente a situação em que a pretensão do recorrente se funda na existência de provas que conduzem a um resultado probatório diferente daquele que foi acolhido na decisão, ou seja, nos casos em que o recorrente sustenta a existência de prova do contrário ou de contraprova daquela que na decisão foi relevada.

II - Nas situações em que o erro de julgamento da matéria de facto deriva simplesmente do meio de prova aduzido para fundamentar a decisão do ponto de facto impugnado, por não conduzir a tal resultado probatório ou em que é alegada falta de credibilidade de um meio de prova, o ónus de indicação das provas que impõem decisão diversa tem de ser adequadamente entendido.

III - Assim, na primeira situação enunciada o recorrente observará suficientemente o ónus processual previsto na alínea b), do nº 1, do artigo 690º-A, do Código de Processo Civil, indicando o depoimento que afirma por si só insuficiente para conduzir ao resultado probatório que impugna, tal como quando estiver em causa a credibilidade de um certo meio de prova pessoal bastará a remissão para os segmentos do meio de prova em causa que contenham a sua razão de ciência e a sua análise crítica ou, nos casos em que não seja indicada razão de ciência, a mera referência à ausência dessa indicação.

IV – Porque o recurso da matéria de facto é um verdadeiro recurso e, como tal, para que proceda, importa que se possa concluir, com segurança, pela verificação de um erro de julgamento de facto, não bastará ao Tribunal da Relação adquirir uma convicção probatória divergente da que foi adquirida em primeira instância para que seja alterada a decisão de facto da primeira instância, sendo necessário para tanto que o Tribunal da Relação esteja em condições de afirmar a existência de um erro de apreciação e valoração da prova por parte do tribunal de primeira instância.

V - A posse de estado, como resulta das previsões dos artigos 1816º, nº 2, alínea a) e 1871º, nº 1, alínea a), ambos do Código Civil, decompõe-se em três elementos distintos - o nome, o tratamento e a fama.

Existe nome quando o filho chama o pretenso pai como pai e este, por sua vez, chama ao investigante filho.

O tratamento consiste no comportamento do pretenso pai que, visto exteriormente, cria uma aparência reveladora de laços de filiação biológica.

A fama é a reputação de que goza o investigante, junto da generalidade das pessoas que o conhecem ou que sabem da sua existência, de que o seu pai é o investigado.

VI - Não é suficiente para integrar a posse de estado, a prova de que o pretenso pai era conhecido pela alcunha de “cigano” e a autora era alcunhada de “ciganucha” pelas pessoas da localidade, a circunstância do pai do investigado oferecer à autora dinheiro para o casamento e o facto de, perto da sua morte, o investigado dizer a uma testemunha que era o pai da autora.

V- O Ac do TC nº 23/2006 de 10/1 ( DR 1ª Série-A de 8/2) declarou “ a inconstitucionalidade , com força obrigatória geral, da norma constante do nº1 do artigo 1817 do Código Civil, aplicável por força do artigo 1873 do mesmo Código, na medida em que prevê para a caducidade do direito de investigar a paternidade, um prazo de dois anos a partir da maioridade do investigante”.

A declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral do nº 1, do artigo 1817º, do Código Civil, retroage os seus efeitos até ao início da vigência da norma constitucional que determina a invalidade da norma legal, devendo ser havida como uma alteração da legislação vigente em termos de permitir a investigação de paternidade a todo o tempo.

VI – A Lei nº 14/2009 de 1 Abril alterou o nº1 do art.1817 do Código Civil, prevendo o prazo de dez anos posteriores à maioridade ou emancipação para a acção de investigação de maternidade, aplicável à investigação de paternidade ( art.1873 CC ).

A lei, que entrou em vigor em 2 de Abril de 2009, aplica-se aos processo pendentes, por força do seu art.3º ( “ A presente lei aplica-se aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor”).

VII – O art.3º da Lei nº 14/2009 de 1 de Abril que determina a aplicação aos processos pendentes do prazo de caducidade de dez anos ( nº1 do art.1817 CC), não é materialmente inconstitucional por violação dos princípios constitucionais da confiança e da igualdade, quando a acção de investigação é proposta em 14/5/2004, antes da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral pelo ac. do TC nº 23/2006 de 10/1.

VIII – É que, nessa data, a autora não tinha qualquer razão plausível para confiar na insusceptibilidade da caducidade da acção de investigação de paternidade e a diversidade de regimes jurídicos que resulta para os cidadãos que instauraram acção antes e depois da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral pelo ac. do TC nº 23/2006, deriva dos regimes jurídicos distintos que esses mesmos cidadãos tiveram em vista no momento da propositura da acção.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes abaixo-assinados da segunda secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra: 1. Relatório A (…) instaurou, a 14 de Maio de 2004, no Tribunal Judicial da Comarca de Oliveira do Bairro, contra B (…)e mulher, por si e em representação das heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbito de C (…) e D (…) a presente acção declarativa sob forma ordinária pedindo que seja reconhecida como filha de D (…).

Em síntese, para fundamentar a sua pretensão, a autora alega que sua mãe, (…), em finais de 1931, inícios de 1932 e D (…) iniciaram uma relação de namoro, do conhecimento público, declarando D (…) que pretendia casar com a mãe da autora, assim a fazendo aceder a manter com ele relações de cópula completa, em consequência das quais veio a mãe da autora a engravidar e dessa gravidez nascendo a autora, a 20 de Novembro de 1932, não tendo sido feita no assento de nascimento da autora qualquer menção à paternidade. Mais alega que D (…) sempre tratou a autora como filha e que os pais de D (…) sempre trataram e reconheceram a autora como neta, sendo assim também considerada e tratada pelo público, que quando a autora casou, D (…) e seus pais lhe deram os adobes necessários à construção da sua casa, que D (…) tratava as filhas da autora como netas, que a autora tem semelhanças fisionómicas e de tez com D (…) e que D (…) não reconheceu a autora como sua filha por disso ter sido impedido por sua esposa enquanto viva e, após o óbito desta a 09 de Dezembro de 2003, por ter sido mantido em isolamento por B (…) e mulher até ao seu óbito a 28 de Janeiro de 2004. Finalmente, a autora alega que D (…) faleceu no estado de viúvo, sem deixar descendentes e fez doações e testamento a favor de B (…), enquanto a falecida esposa de D (…) deixou testamento a favor de B (…) e mulher.

Efectuada a citação dos réus pessoas singulares, estes ofereceram contestação em que impugnam a generalidade da factualidade articulada pela autora.

A 13 de Setembro de 2004, a autora veio requerer a exumação dos cadáveres de sua mãe e de D (…) para recolha neles de material biológico, a fim de serem efectuados exames periciais para determinação dos perfis de ADN, em ordem a determinar a paternidade da autora.

Os réus contestantes, em resposta ao requerimento de produção antecipada de prova, pediram também a exumação do cadáver de (…), pai de D (…) e que, efectuada a recolha do material biológico aos cadáveres de (…) e de (…), seja tal material convenientemente guardado e mantido no Instituto de Medicina Legal, para não sofrer degradação.

A autora replicou, vindo os contestantes suscitar a nulidade de tal réplica por alegadamente apenas terem deduzido defesa por impugnação.

A 19 de Outubro de 2004, proferiu-se despacho determinando o desentranhamento dos documentos oferecidos pela autora com a sua petição inicial, em virtude de serem certificados por entidade sem competência para o efeito, vindo a autora em requerimento datado de 08 de Novembro de 2004 juntar aos autos as certidões dos documentos cujo desentranhamento foi determinado.

A 09 de Dezembro de 2004, a autora veio reiterar a pretensão da produção de prova antecipada que havia já requerido a 13 de Setembro de 2004.

A 13 de Setembro de 2005, foi proferido despacho convidando o autor a indicar pessoa que deva ser nomeada curadora especial e para figurar como ré nestes autos, no caso de não existirem descendentes, ascendentes ou irmãos do pretenso pai e, quanto à produção antecipada de prova, determinou-se que os autos continuassem a aguardar relatório do Instituto de Medicina Legal para determinação dos perfis genéticos.

Os réus contestantes interpuseram recurso de agravo do despacho que convidou a autora a indicar pessoa a ser nomeada como curadora especial, recurso que não foi admitido por despacho proferido a 29 de Novembro de 2005. Neste mesmo despacho nomeou-se como curador especial a pessoa indicada pela autora, ordenando-se a sua citação para os termos da acção e deferiu-se a produção de prova pericial antecipada requerida pela autora.

A 16 de Dezembro de 2005, os réus contestantes reclamaram da não admissão do recurso de agravo que haviam interposto do despacho proferido a13 de Setembro de 2005 e interpuseram novo recurso de agravo contra a decisão que nomeou como curador especial o indivíduo indicado pela autora, bem como do mesmo despacho, na parte em que desatendeu a realização de perícia a (…), recurso que não foi admitido, por decisão proferida a 21 de Dezembro de 2005.

A reclamação deduzida contra o despacho proferido a 29 de Novembro de 2005 foi indeferida por despacho de 16 de Fevereiro de 2006 proferido pelo Sr. Juiz Desembargador, Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra.

Os...

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