Acórdão nº 344/04.2GAMGL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelRIBEIRO MARTINS
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: CONFIRMADA Legislação Nacional: ARTIGO 14º, 212º DO CP; , 32º DA CRP 127º,412º E 428º DO CPP.

Sumário: 1.A violação do princípio do in dúbio pro reo pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada quando da decisão decorrer de forma evidente que o tribunal na dúvida decidiu contra o arguido.

  1. O recurso da matéria de facto é remédio a aplicar a pontos manifestamente mal julgados ou porque não assentam em qualquer prova por inexistência de dados objectivos em que se apoie a motivação, ou porque os existentes não lhe servem de suporte ou até a contrariam, ou porque se violaram regras legais na aquisição desses dados objectivos. Em suma, quando se suscitam sérias dúvidas sobre a correcção da decisão à luz da prova produzida conjugada com as regras da experiência comum.

  2. A decisão de facto só deve ser alterada quando seja evidente que as provas a que se faz referência na fundamentação não conduzem à decisão impugnada.

  3. A prova necessária para a convicção do julgador não reside tanto na quantidade como na qualidade dos meios de prova produzidos. Como não reside na sua natureza directa ou indirecta.

  4. O juízo valorativo do tribunal tanto pode assentar em prova directa do facto como em prova indiciária de que se infere o facto probando, não estando excluída a possibilidade do julgador, face à credibilidade que a prova indiciária lhe mereça valorar preferencialmente a prova indiciária podendo esta só por si conduzir à sua convicção. As presunções judiciais não sendo meios de prova são raciocínios lógicos firmados em regras de experiência, de que o julgador se serve na descoberta da verdade.

  5. No caso, confrontados os depoimentos prestados com a motivação inserta no acórdão recorrido, não vemos que haja de alterar-se o decidido. O tribunal, apoiando-se nas provas ínsitas no processo nomeadamente nos depoimentos prestados, não credibilizou as declarações do recorrente e servindo-se de raciocínios lógico/indutivos conjugados com as regras da experiência concluiu que o recorrente praticou os factos ora impugnados.

Decisão Texto Integral: 19 Acordam na Secção Criminal de Coimbra – I – 1- No processo comum … do 1º Juízo do tribunal judicial de Mangualde, G. foi, entre outros arguidos No mesmo processo foram também condenados J…pela prática dum crime de receptação, na forma tentada, com referência aos dois veículos T.... D...., p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs art.22º, nº1 e 2, 23º, nº2, 73º, nº1, al. c), 231º, nº1, todos do C. Penal, na pena de 150 dias de multa; e W... e E…prática, sob a forma de co-autoria material, de um crime de receptação, na forma consumada, com referência aos dois veículos T.... D...., p. e p. pelo art.231º, nº2, do C. Penal, na pena individual de 100 dias de multa.

, condenado na pena única de 500 dias de multa, à taxa diária de €10, resultante do cúmulo jurídico das penas de 300, 200 e 250 dias de multa pela prática, respectivamente, dum crime de receptação, dum de falsificação e dum outro de receptação tentada, p. e pp. pelos art.ºs 231/1 e 256/1 alínea c) e nº3, 22/1 e 2, 23/2, 73/1 alínea c) e 231/1 todos do C. Penal.

Foi ainda condenado a pagar ao demandante AL quantia a liquidar como prejuízos decorrentes da privação da utilização por este do seu veículo M.... de matrícula …..-MI 2- O arguido recorre concluindo – 1) O recorrente foi condenado pela prática, em autoria material e em concurso efectivo do crime de receptação e outro de falsificação ambos na forma consumada com referencia ao veiculo M...., Modelo L...., nas penas respectivamente de 300 e de 200 dias de multa.

2) Foi ainda condenado pela prática do crime de receptação, na forma tentada, com referência aos dois veículos T.... D...., na pena de 250 dias de multa. Em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de 500 dias de multa 3) Está erradamente julgada a matéria de facto nos pontos 3) a 12) inclusive da sentença e nos pontos 26), 32), 33), 34), 36), 37), 40) e 41) da matéria de facto apurada.

4) Estão erradamente julgados, porquanto em relação a todos eles nenhuma prova foi feita em audiência –, conforme se pode constatar através da audição do CD que documenta a prova realizada.

5) Tal significa que a decisão violou as regras da prova, nomeadamente as ínsitas no artigo 127 do CPP, para poder considerar provada tal matéria.

6) Tal violação impõe a revogação do acórdão condenatório e consequente absolvição do recorrente pela prática dos crimes por que foi condenado.

7) Sempre que o tribunal tenha dúvidas quanto a responsabilidade criminal do agente, deve decidir no sentido mais favorável àquele, aplicando o principio «in dubio pro reo», o que não fez e por conseguinte violou os artigos 231/1, 22/1 e 2, 23/2 e 256/1 e 3, todos do C P Penal; e ainda o art.º 32/2 da Lei Fundamental 3- Respondeu o Ministério Público junto do tribunal recorrido pelo infundado do recurso, no que é secundado em douto parecer do Ex.mo Procurador-Geral Adjunto.

4- Colheram-se os vistos. Cumpre apreciar e decidir! II – 1- Factos provados e sua fundamentação constantes do acórdão recorrido –

  1. Factos provados – – Da M.... L 200 de matricula …..-MI - 1) Na noite de 3 para 4 de Agosto de 2004, pessoa não concretamente apurada retirou da garagem colectiva do prédio, sito na praceta...., o automóvel ligeiro de mercadorias de matricula ….-MI. da marca M...., Modelo L ...., com o motor n.º0D00AH0000, quadro n.ºXXXXXX, de cor preta e prateada (foto fls.113), pertencente a AL, levando consigo aquele veiculo.

    2) Ao retirar e levar consigo aquele veiculo, então com o valor de cerca de 16.000€, aquela pessoa pretendia fazê-lo seu, bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia e que actuava sem autorização e contra a vontade do dono daquele veiculo, o que quis e aconteceu.

    3) Em lugar e data não apurados, mas situada entre aquela noite e o dia … de …. de 2004, pessoa não apurada entregou aquele veículo ao arguido G., o qual sabia valer nunca menos de €12.500.

    4) Apesar de saber que o dito veículo tinha sido retirado ao seu dono sem autorização e contra a vontade deste por alguém que o quis fazer seu, o arguido G. sabia e quis recebe-lo, mantendo-o e conservando-o consigo, passando a utilizá-lo, designadamente conduzindo-o em proveito próprio.

    5) Uma vez na posse desse veiculo, pessoa não concretamente apurada retirou-lhe as respectivas chapas de matricula e apôs outras no seu lugar com a matricula …..-NH, que havia sido atribuída ao automóvel ligeiro de mercadorias da marca M...., Modelo L ., com o motor n.º 0D000AH000, quadro n.º MMBJNK0000XD0000000, de cor verde, veículo que ao tempo se encontrava sinistrado.

    6) Como passasse a circular nesse estado com a dita viatura, ostentando a matricula …..-NH e trazendo consigo o livrete e o titulo de registo de propriedade correspondentes, no dia …de … de 2004, o arguido G. dirigiu-se a Y... ao volante daquele veículo, o que fazia designadamente pelas 11h desse dia, quando foi detido pela GNR, junto às instalações da... /..., na Estrada Nacional 000, KM 103, nesta comarca.

    7) Documentos que o arguido G. apresentou aos agentes da GNR quando nas referidas circunstâncias fiscalizaram a viatura, o que o arguido fez como se do livrete e título de registo correspondentes se tratasse.

    8) O arguido G. sabia que não podia conduzir aquele veículo em estradas abertas ao trânsito sem possuir a necessária e correspondente matricula, elemento de identificação atribuído a determinados veículos a motor e cuja genuinidade é assegurada pelo Estado português, com carácter de força autêntica e probatória, que faz corresponder a cada matricula um veiculo dotado de determinadas características, e ao qual compete assegurar que as matriculas apostas nos veículos em circulação assegurem uma identificação genuína desses veículos, o que tudo era do conhecimento do arguido G..

    9) Ao circular com o veiculo dotado do motor n.º 0D00AH000, quadro n.ºXXXXXXX ostentando como elemento de identificação a matricula ….NH, o arguido G. sabia e quis usar um documento não genuíno e que assim abalava a credibilidade e a fé públicas devidas a tal tipo de documentos, emitidos por autoridade competente e dotada de autoridade pública, assim prejudicando o Estado português.

    10) Agiu desse modo com o propósito de manter consigo e poder circular com aquele veículo, assim iludindo os agentes de fiscalização de trânsito, ciente que tais benefícios não lhe eram devidos.

    11) Em toda a relatada actuação o arguido G. agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei.

    12) Acresce que no interior do veiculo o arguido G. trazia também um par de matrículas com a numeração ….-CN que havia sido atribuída ao automóvel ligeiro de mercadorias da marca M...., Modelo ..., com o motor n.º 1D11A911111, quadro n.º WWWWWWWW, de cor branca.

    13) O veículo de matricula …-NH, antes registado em nome de AM, foi vendido à sociedade “Reboques…., Lda.”, que, por sua vez, até 10 de Setembro de 2004, o vendeu a MA, residente em …, .....

    14) Este, em meados de Setembro de 2004, colocou-o para reparação na oficina de LM, sita em …. ...., deixando no seu interior o correspondente livrete e titulo de registo de propriedade e ostentando as respectivas chapas de matrícula.

    15) E, na verdade, no dia 2 de Dezembro de 2004 essa viatura …-NH continuava para reparação na dita oficina, no estado descrito e retratado no auto de exame e fotos de fls.150-152 que aqui se dão por inteiramente reproduzidos.

    16) Apreendida no dia 27 de Setembro. de 2004, a viatura M...., Modelo L...., pertença do assistente AL, foi restituída, depois de examinada, no dia 18.10.2004, conforme termo e entrega de fls.545.

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