Acórdão nº 425/08.3PBFIG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Março de 2010

Data01 Março 2010
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: CONFIRMADA Legislação Nacional: ARTIGOS 208º DO CP; 410º,412º,428º DO CPP E 4ºA 7º DO DECRETO-LEI Nº 401/82, DE 23 DE SETEMBRO.

Sumário: 1.Verifica-se o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a correcta solução de direito porque faltam elementos que podiam e deviam ter sido indagados.

  1. Alegando o recorrente apenas a sua discordância quanto à valoração da prova produzida em audiência, é evidente que a invocação do vício mais não é do que um erro na qualificação da figura jurídica prevista no artº 410º, nº 2.

  2. O recurso com base na reapreciação da prova assenta numa nova valoração, pelo tribunal de recurso, dos meios de prova (conteúdo) produzidos em audiência ou incorporados nos autos e discutidos em audiência, nos quais assentou a decisão recorrida e que o recorrente tem por indevidamente valorados. Daí que se exija ao recorrente que identifique os factos concretos tidos por incorrectamente julgados bem como o conteúdo da provas (no caso dos depoimentos gravados, as passagens concretas contendo afirmações diversas das supostas na motivação da sentença recorrida) capazes de, apreciadas à luz dos critérios legais em vigor, impor decisão diversa da recorrida — cfr. art. 412º, n.ºs 3, 4 e 6 do CPP —, devendo o recorrente substanciar os fundamentos do recurso, o mesmo é dizer, identificar o erro in operando ou o erro in judicando que aponta à decisão recorrida, bem como o conteúdo concreto dos meios de prova capazes de, numa valoração em conformidade com os critérios legais, impor decisão diferente da recorrida.(AC.RC de 25/11/09, Relator. Desembargador Dr. Belmiro Andrade).

  3. Como resulta evidente das conclusões e também da motivação (stricto sensu), o recorrente não impugnou a decisão nos termos acima referidos, ou seja, não especificou, nos termos dos nºs 3, alínea b. e 4, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida. - limitou-se a afirmar que o depoimento das testemunhas tinha que ser reapreciado, não especificando em que parte ou porque razões. Assim sendo, não pode esta Relação reapreciar a prova gravada.

  4. A exigência do art. 355.º, n.º 1 prende-se apenas com a necessidade de evitar que concorram para a formação daquela convicção provas que não tenham sido apresentadas e feitas juntar ao processo pelos intervenientes, com respeito pelo princípio do contraditório, e não que tenham de ser reproduzidas na audiência, isto é, lidas ou apresentadas formalmente aos sujeitos processuais todas as provas documentais dele constantes. Assim o tribunal a quo procedeu de acordo com a lei quando valorou o exame lofoscópico 6.Embora a jurisprudência não seja unânime no sentido de que a ponderação do regime previsto no Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro apenas terá lugar quando for aplicada pena de prisão[ No sentido de que também deverá ser ponderada em casos de condenação em pena de multa, cfr. Acs. da Relação do Porto de 8 de Julho de 1992 (Relator: Dr. Baião Papão) e de 9 de Abril de 2008 (Relator: Dr. Artur Oliveira), ambos em www.dgsi.pt ], entendemos que só neste caso se poderá chamar tal regime à colação.

Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra Por sentença proferida nos autos supra identificados, decidiu o tribunal, para além do mais, condenar o arguido L…[[1]] como autor de um crime de furto de uso de veículo previsto e punido pelo artº 208.º do Código Penal na pena de 190 (cento e noventa) dias de multa à taxa diária de € 7,00 (sete euros) e absolvê-lo dos crimes de furto previsto e punido pelo artº 203.º, nº1 e 204.º, nºs 1, alínea b. e 4, ambos do Código Penal e de condução sem habilitação legal previsto e punido pelo artº 3.º, nºs 1 e 2 e de condução de veículo a motor sem habilitação legal, previsto e punível pelos arts. 3º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro.

Inconformado com o decidido, o arguido L… interpôs recurso, onde apresentado as seguintes conclusões (transcrição): “I Há vício de Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do disposto no artigo 412°, nº 2, al. a) do C.P.P..

II Pretendendo com o presente recurso que seja efectuada uma reapreciação da prova produzida em sede de Audiência de Julgamento, bem como uma reapreciação da Interpretação e Aplicação do Direito, que motivou a condenação do Arguido, e em consequência, que o Arguido seja absolvido da prática do crime de furto de uso de veículo, p. e p. no artigo 208° do Código Penal, de que vinha acusado.

III O Arguido considera que, em face da ausência de depoimentos dos Arguidos, como consta dos Autos, do ofendido E… bem como as proferidas pelas testemunhas A.., L C, do facto de não ter sido exibidos os exames lofoscópicos em sede IV Com efeito, em face desses elementos probatórios, tais factos 1 e 3 deveriam ter sido dados como não provados.

V Com a reapreciação da prova, e considerando-se estes factos 1 e 3 como não provados, deveria ter havido lugar à absolvição do Arguido pela prática do crime de furto de uso de veículo, p. e p. no artigo 208° do Código Penal.

VI Não estão verificados os pressupostos da prática do crime de furto de uso de veículo.

VII Se os exames lofoscópicos não foram exibidos em sede de Audiência de Julgamento, facto que resulta da Acta da mesma, e se ao Arguido não foi dada a possibilidade de se pronunciar sobre os mesmos, não podem tais exames serem validados nos presentes Autos, sendo por isso Nula a Douta Sentença que se alicerçou nos mesmos, nos termos do disposto no artigo 379°, nº 1, al. c) do C.P.P., que expressamente se invoca e com as legais consequências.

VIII A ser verdade que o Arguido tenha estado dentro da viatura e tenha deixado a impressão digital no espelho retrovisor, não permite, por si só, que se conclua que o Arguido tenha usado a viatura.

IX Não se pode concluir que, o facto de haver uma impressão digital que poderá ser do arguido, seja suficiente para que seja deduzido que o Arguido teve intenção de apropriação de coisa alheia, ou de usar coisa X Se não se provou que tipo de uso foi dado pelo Arguido à viatura, nem quem conduziu a aludida viatura, não pode, Salvo o Devido Respeito, considerar-se como preenchido o tipo legal de crime p. e p. no artigo 208° do Código Penal.

XI Pelo que, tendo em conta os elementos probatórios já mencionados, que deverão ser novamente apreciados por Vossas Excelências, deveriam dar-se como não provados os factos constantes dos pontos 1 e 3 dos factos provados.

XII A Douta Sentença não teve em conta a idade do Arguido à data da prática dos factos, que tendo nascido a 07-01-1989, tinha à data dos factos a idade de 19 anos, e como tal, tinha que aplicar-se o disposto no D.L. 401/82 de 23 de Setembro.

XIII Ao não ter sido tida em conta a idade do Arguido, constitui motivo de Nulidade da Douta Sentença, por haver omissão de pronúncia quanto a essa matéria.

XIV Pois tal implicaria sempre uma especial atenuação da pena, que teria reflexos na pena de multa em que o mesmo foi condenado.

XV Há também aqui Nulidade da Douta Sentença nos termos do disposto no artigo 379°, nº 1, al. c) do C.P.P., que expressamente se invoca, com as legais consequências.

XVI No seguimento do nosso raciocínio, consideramos que há Vício de Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; Erro na Apreciação da Prova e Erro na Interpretação e Aplicação do Direito.

XVII Consideramos que foram violadas, entre outras, as normas constantes dos artigos 379°, nº 1, al. c), do C.P.P.; D. L. 401/82 de 23/09, artigo 3° do C.P.C.; e artigo 208° do Código Penal.

XVIII Termos em que, nos Doutamente Supridos, deve ser proferido Douto Acórdão que dê provimento ao presente recurso, revogando-se a Douta Sentença, proferindo-se Douto Acórdão que tenha em conta a prova que foi efectivamente produzida, com reapreciação da mesma, e seja o Arguido absolvido da pela prática do crime de furto de uso de veículo, p. e p. no artigo 208º do C.P., ou se assim se não entender, anular-se a Douta Sentença nos termos do artigo 379°, nº 1, al. c) do C.P.P., quer por ter sido tido em conta na mesma os exames de fls. 142 a 148, que não foram exibidos em sede de Audiência de Julgamento, nem sujeitos ao exercício do direito ao contraditório pelo Arguido, quer por não ter sido tida em conta a idade do Arguido à data da prática dos factos, aplicando-se uma especial atenuação da pena, nos termos do disposto no D.L. 401/82 de 23-09, com a consequente repetição do Julgamento, assim fazendo Vossas Excelências a Costumada e Necessária Justiça!” Respondeu o Ministério Público defendendo a manutenção da decisão recorrida.

O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.

Nesta instância a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no qual se manifesta pela procedência do recurso na medida em que o tribunal a quo não se pronunciou sobre a aplicação do Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro quando o deveria fazer, ainda que o arguido, com 19 (dezanove) anos à data da prática dos factos, haja sido condenado em pena de multa.

No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal o arguido nada disse.

Os autos tiveram os legais vistos após o que se realizou a conferência.

Cumpre conhecer do recurso Constitui entendimento pacífico que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objecto e o âmbito dos mesmos, excepto quanto àqueles casos que sejam de conhecimento oficioso.

É dentro de tal âmbito que o tribunal deve resolver as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras).

Cumpre ainda referir que é também entendimento pacífico que o termo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e...

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