Acórdão nº 120/06.8JAGRD.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelELISA SALES
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: RECURSO CRIMINAL Decisão: REVOGADA Legislação Nacional: ARTIGOS 328º, Nº 6, 363º DO CPP Sumário: 1. O termo “adiamento”do nº 6 do art.º 328ºdo CPP é utilizado em sentido amplo, compreendendo o adiamento em sentido técnico-jurídico e a interrupção.

  1. Tendo-se verificado que os depoimentos de algumas testemunhas não ficaram registados ou continham deficiências de gravação e tendo sido ultrapassado o limite temporal o nº 6 do artº 328º do CPP toda a anterior prova perde a eficácia.

  2. É atempada a invocação da nulidade no recurso sobre a matéria de facto.

    Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO No processo comum n.º 120/06.8JAGRD do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda, após a realização da audiência de julgamento foi proferido acórdão que: - Absolveu o arguido B... da prática de quatro crimes de incêndio, na forma consumada, que lhe eram imputados; ------- e, - Condenou o mesmo arguido (por força da alteração introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4Set., por aplicação do art.2º, n.º 4 do CP), como autor material de: a) três crimes de incêndio, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 274º, n.ºs 1 e 2, al. a), 22º e 23º do Código Penal, na pena, cada um, de 1 ano e 6 meses de prisão; b) um crime de incêndio, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 274º, n.ºs 1 e 2, al. a) do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão; Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 anos, sujeito a regime de prova a delinear pelo IRS, que deverá enviar aos autos, ao longo do período da suspensão, relatórios semestrais relativos ao comportamento do arguido.

    ***O Ministério Público e o arguido não se conformaram com a decisão proferida em 1ª instância, e dela interpuseram recurso, tendo extraídos das respectivas motivações as seguintes conclusões: A- O Ministério Público: 1- A pena suspensa é notoriamente insuficiente para os fins a acautelar, de prevenção especial e ressocialização do arguido.

    2- Decorre da decisão terem as condutas sido marcadas pela intensidade do dolo, o elevado grau de ilicitude e a gravidade das consequências.

    3- Não resultou do julgamento o arrependimento efectivo, traduzido na exteriorização de sentimentos e actos que denotem vontade do arguido em corrigir a personalidade.

    4- Ou que o arguido tenha revelado preparação para manter uma conduta lícita.

    5- Nem igualmente que o arguido tenha interiorizado o sentido de reprovação do mal praticado; 6- Ante os pressupostos enunciados na decisão, não se comprova a existência de factos que permitissem um juízo de prognose favorável à suspensão da execução da pena.

    7- É premente, no caso concreto, a aplicação de uma pena de prisão efectiva.

    8- Assim se irá de encontro aos pressupostos enunciados na decisão, de intensidade do dolo, elevado grau de ilicitude, gravidade das consequências e a dita falta de preparação para manter uma conduta lícita.

    9- Mostram-se violados os artigos 50°, 70° e 71 ° do Código Penal.

    *B- O arguido:

    1. Em 29/01/2009 foi ordenada a repetição do depoimento das testemunhas, em virtude de os depoimentos anteriormente prestados não terem sido gravados por deficiências do sistema. Nesse mesmo dia, foi retomada a audiência de julgamento, tendo sido ouvidas apenas as testemunhas AM…, FS…, JL…, JD…, JL… e JM…. Os depoimentos das demais testemunhas foram produzidos há muito mais de 30 dias, isto é, em 22/11/2007, conforme consta da acta de fls. ... dos autos.

    2. Nos termos do disposto no n.º 6, art. 328.° do CPP, o adiamento da audiência não pode exceder 30 dias, e, não sendo possível retomar a audiência nesse prazo, perde eficácia a produção de prova já realizada.

    3. De acordo com a jurisprudência fixada, por Acórdão do STJ, de 29/10/2008 (Relator: Santos Cabral, disponível em www.dgsi.pt) "o adiamento da audiência de julgamento por prazo superior a trinta dias implica a perda de eficácia da prova produzida com sujeição ao princípio da imediação. Tal perda de eficácia ocorre independentemente da existência de documentação a que alude o art.

      363º do mesmo diploma." D) Tendo sido repetidos apenas alguns dos depoimentos, e atendendo ao longo período de tempo decorrido desde a produção da demais prova, incluindo a testemunhal (mais de um ano!), torna-se evidente que a mesma perdeu a sua eficácia, impondo-se a repetição da produção da prova, sob pena de nulidade, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 328.°, n.º 6: 120.º e 363.°, todos do CPP, o que expressamente se invoca.

    4. Mesmo que assim se não entendesse, o que por mera hipótese académica se admite, sempre a prova testemunhal assim produzida teria perdido a sua eficácia, não podendo ser utilizada nem valorada na decisão aqui posta em crise. Ora, tal perda de eficácia fere a decisão aqui posta em crise de inconstitucionalidade, na exacta medida em que impossibilita o exercício do direito de defesa do arguido, constitucionalmente consagrado no art. 32.° da CRP. Algumas das testemunhas cujo depoimento perdeu eficácia, são precisamente as testemunhas apresentadas pela defesa pelo que, a facto de não ser ordenada a repetição dos depoimentos impossibilitaria o exercício do direito de defesa, ferindo a douta decisão aqui posta em crise de inconstitucionalidade.

    5. Entendendo-se, porém, que a não repetição dos depoimentos não é geradora de nulidade nem inconstitucionalidade, sempre os mesmos depoimentos terão perdido a sua eficácia, pelo que não podem os mesmos ser valorados nem tidos em consideração na decisão, sob pena de nulidade, por violação do disposto no art. 355.°. CPP.

    6. Padece ainda a douta decisão recorrida, salvo o devido respeito, de erro na apreciação e valoração da prova, na exacta medida em que não foi produzida em audiência de discussão e julgamento prova suficiente que permita imputar a autoria dos factos em discussão nos presentes autos ao arguido. Mas vejamos melhor! H) Quanto aos factos ocorridos a 4 de Julho de 2006, no local conhecido por "Zebras" ou "moitas", nenhuma prova foi produzida, em sede de audiência de discussão e julgamento, que permitisse dar como provados os factos 2, 3, 4, 5 e 6. Aliás, testemunhas cujo depoimento se mantém válido, depoimentos estes que se deixaram transcritos em 12.° e 13º, referem expressamente nada terem presenciado nem tido conhecimento acerca dos factos do mencionado dia e muito menos relativamente ao seu autor.

      Impõe-se, portanto, após uma justa e adequada análise e valoração da prova produzida, incluindo os depoimentos das testemunhas que se deixam transcritos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, nesta parte, dar como não provados os factos 2. 3. 4, 5 e 6 absolvendo-se o arguido da prática de qualquer ilícito, por referência ao dia...

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