Acórdão nº 4913/08.3TDLSB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 01 de Março de 2010

Data01 Março 2010

S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: NÃO PROVIDO Sumário: 1. Atento o paralelismo que se estabelece entre a acusação e o requerimento para abertura de instrução deduzido pelo assistente, na sequência de um despacho de arquivamento, tal requerimento deverá conter substancialmente uma acusação, com a narração dos factos e a indicação da prova a produzir ou a requerer, tal como para a acusação o impõe o artigo 283º, nº 3, alíneas b) e d), do CPP.

  1. Se o requerimento para abertura da instrução formulado pelo assistente consubstancia uma manifestação de discordância em relação ao despacho de arquivamento do Ministério Público, e se é essencial que na instrução se proceda ao controle da acusação que, no caso, seria do assistente, só se justificará tal comprovação judicial com a apresentação de uma narrativa dos factos concretos cuja prática é imputada ao arguido.

  2. Não tendo o Ministério Público deduzido acusação e não indicando a assistente, no requerimento para abertura da instrução, os factos concretos que imputa ao(s) denunciado(s), verifica-se que a instrução carece de objecto, o qual deveria ter sido definido pelo aludido requerimento, que não cumpriu a função imposta pelos artigos 287.º, n.º 2, e 283.º, n.º 3, alíneas b) e c), do CPP, não sendo, por isso, exequível.

    Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 2.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I.

    No Processo n.º …., que correu termos nos Serviços do Ministério Público do Tribunal Judicial da Comarca de Loulé, procedeu-se a inquérito, no âmbito do qual, por se entender não haver noticia de qualquer crime de falsificação de documento, se determinou o arquivamento dos autos nos termos do n.º 1 do art. 277.º do CPP.

    A assistente S… – …, S.A., veio então requerer a abertura da instrução, que, por despacho de 19-02-2009, foi rejeitada, por inadmissibilidade legal, sendo o referido despacho do seguinte teor: «A assistente S….-.. S.A., inconformada com o despacho do digno magistrado do Ministério Público que se decidiu pelo arquivamento dos autos, veio requerer a abertura da instrução, dando-se aqui por integralmente reproduzido o requerimento que apresentou.

    Recorde-se, ao assistente é facultada a abertura de instrução, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação (art. 287º, nº 1, al. b), do Cód. P. Penal).

    Nos casos em que é requerida pelo assistente, a fase de instrução tem por finalidade a comprovação judicial da decisão de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento (art. 286º, nº 1, do Cód. P. Penal).

    Quando formulado pelo assistente - por não se conformar com a decisão de arquivamento do inquérito - o requerimento para a abertura de instrução é que define e limita o objecto do processo, sendo certo que ao Tribunal está vedada a pronúncia por factos que importem uma alteração substancial dos que nele constem.

    Nisto radica o princípio da vinculação temática do Tribunal ao objecto do processo tal como definido pelo assistente no requerimento para abertura de instrução.

    Podemos, pois, afirmar que, nestes casos, o requerimento para abertura de instrução constitui, em suma, uma “acusação alternativa”, uma verdadeira acusação em sentido material, e, neste caso, o requerimento para abertura de instrução deve conter a narração de forma individualizada dos factos concretos imputados ao arguido ou visado com a instrução, pelo menos os factos sem os quais não pode chegar a ter lugar a responsabilização criminal.

    Trata-se de uma exigência que deriva da estrutura acusatória do processo penal (art. 32º da Constituição).

    Com efeito, para além das razões de facto e de direito da discordância do assistente relativamente ao arquivamento, o requerimento para abertura de instrução formulado pelo assistente deverá conter, entre o mais – e sem prejuízo de não estar sujeito a formalidades especiais -, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada, e, ainda, as disposições legais aplicáveis (art. 283º, nº 3, als. b) e c) ex vi do art. 287º, nº 2, do Cód. P. Penal).

    Precisamente, impõe-se-lhe também que descreva os factos que integrem o ilícito criminal imputado ao(s) arguido(s) visado(s) com a instrução, o que, por um lado, se mostra imprescindível para o exercício do direito de defesa e do contraditório (já que, na verdade, desconhecendo o visado com a instrução os concretos factos que lhe são imputados, comprometida estaria a sua defesa), e, por outro lado, permite estabelecer os limites da investigação judicial, já que o juiz de instrução não poderá conhecer de factos que não constem do requerimento para instrução.

    E porque o tipo criminal comporta não apenas o elemento objectivo mas também o elemento subjectivo, tratando-se ambos de elementos essenciais do crime, necessário se torna, no requerimento para abertura da instrução, a narração dos factos que integrem, ainda, o tipo subjectivo de ilícito.

    É que, não contendo o requerimento de abertura de instrução a narração dos tais factos que integrem o elemento subjectivo, sem os quais os factos não chegam a integrar a prática de crime, o seu adicionamento pelo juiz de instrução numa eventual decisão instrutória de pronúncia ir-se-ia traduzir necessariamente numa alteração substancial de factos, a qual, como vimos, lhe está vedada (art. 309º, nº 1, do Cód. P. Penal).

    Ora, compulsando o requerimento para instrução apresentado pela assistente, constata-se que o mesmo não situa minimamente, no tempo e no espaço, factos de que possa resultar a responsabilização criminal de alguém, aliás, não os delimita de modo algum, fosse com maior ou menor abrangência, no tempo e no espaço.

    Não se mostra cumprida a exigência legal, tanto mais que a delimitação dos factos no tempo é essencial para vários efeitos nucleares do procedimento criminal, como o sejam a prescrição do procedimento, e assim também para o exercício do direito de defesa.

    Não sendo de exigir o máximo rigor na descrição factual, ela não pode prescindir de elementos mínimos que localizem no tempo e no espaço a conduta imputada.

    Todavia, a assistente não o fez.

    Por outro lado, é ponto assente que a estrutura típica dos crimes é composta pelo elemento objectivo e pelo elemento subjectivo, e aqueles podem assumir-se como tipos penais dolosos ou negligentes (inexiste responsabilidade penal objectiva).

    A assistente alude à prática de um crime de falsificação, e aos termos da al. a) do nº 1 do art. 256º do Cód. Penal, portanto, um crime de estrutura necessariamente dolosa, em que à representação e vontade de realização da conduta que preencha os seus elementos objectivos acresce um elemento intencional (dolo específico).

    Pese embora se trate de crime em que, para o seu cometimento, o seu agente terá que actuar necessariamente com dolo, ou seja, representando e querendo a realização de factos que preencham os seus elementos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT