Acórdão nº 203/99.9TBVRL.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelISABEL PAIS MARTINS
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: PROVIDO Sumário : I - Resultando provado que a demandante, em consequência do acidente, ficou afectada com uma incapacidade permanente geral de 5%, que não a vai afectar directamente em perda de rendimentos do trabalho, não subsistem dúvidas de que sofreu um dano corporal, em sentido estrito, também chamado dano biológico.

II - A jurisprudência tem vindo, maioritariamente, a considerar o dano biológico como de cariz patrimonial (como se assinala no Ac. do STJ de 27-10-2009, Proc. n.º 560/09.0YFLSB - 1.ª), indemnizável, nos termos do art. 564.º, n.º 2, do CC.

III - Mas, como se reconhece, por exemplo, no referido Ac. do STJ, também é lícito defender-se que o ressarcimento do dano biológico deve ser feito em sede de dano não patrimonial: “A situação terá de ser apreciada casuisticamente, verificando se a lesão origina, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida e, só por si, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, uma afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade”. “E não parece oferecer grandes dúvidas que a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e de energia, mais traduz um sofrimento psico-somático do que, propriamente, um dano patrimonial”.

IV - A incapacidade permanente geral de 5% de que a demandante ficou afectada não conforma um dano futuro previsível, de natureza patrimonial, mesmo na consideração da linha jurisprudencial que se apresenta dominante, quando não é concretamente previsível que tal incapacidade seja adequada a determinar consequências negativas ao nível da actividade geral ou a reflectir-se, ainda que de modo indirecto, no desempenho da sua actividade profissional ou a implicar uma maior dificuldade ou esforço no exercício de actividades profissionais ou da vida quotidiana.

V - Levando os factos provados a excluir que a incapacidade permanente geral de 5% tenha repercussões funcionais directas ou indirectas, imediatas ou longínquas, não é devida indemnização, a título de danos patrimoniais futuros, esgotando-se a sua valoração e ressarcimento em sede de dano não patrimonial.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça I 1.

No processo comum, com intervenção do tribunal singular, nº 203.99.9TBVRL, do 3.º juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, procedeu-se a julgamento para conhecer da acusação formulada contra o arguido AA e do pedido de indemnização civil deduzido pela assistente e demandante BB contra “F... - Companhia de Seguros, S.A.”, vindo, por sentença de 26/10/2006, a ser decidido, no que, agora, importa destacar: 1.1.

Quanto à acção penal Julgar a acusação procedente, por provada, e condenar o arguido, pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo artigo 148.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de cento e sessenta dias de prisão, substituída por igual tempo de multa, à taxa diária de € 10,00.

1.2.

Quanto ao pedido cível Julgá-lo parcialmente procedente, por provado, e: – Condenar a demandada “F... – Companhia de Seguros, S.A.” a pagar à demandante BB a quantia de € 15.000,00, a título de indemnização, por danos morais, acrescida de juros de mora, computados à taxa legal, desde a data da sentença até efectivo pagamento; – Condenar a demandada “F... – Companhia de Seguros, S.A.” a pagar à demandante BB a quantia € 255,50, a título de indemnização, por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, computados à taxa legal, desde a data da notificação do pedido civil até efectivo pagamento; – Absolver a demandada do demais peticionado.

  1. Inconformada com essa decisão, na parte cível, dela recorreu a demandante, formulando as seguintes conclusões: «1. A assistente vem manifestar o seu descontentamento relativamente à improcedência da sua pretensão indemnizatória, no valor de Esc. 12.619.295$00 decorrente da incapacidade permanente que ficou a padecer em consequência do acidente.

    «2. Foram requeridos diversos exames médico-legais para apurar o grau de incapacidade da assistente, devido à circunstância de os resultados dos exames solicitados pelo Tribunal ao Gabinete Médico-Legal de Chaves tardarem em aparecer, protelando demasiadamente a resolução deste litígio.

    «3. Os peritos médicos das Delegações do Instituto de Medicina Legal de Chaves e de Coimbra concluíram que a assistente padecia realmente de uma Incapacidade Parcial Permanente de 5% e 10%, respectivamente, sendo que tal diferença, não é, em termos médicos, de grande relevância.

    «4. Não podemos desconsiderar a importância de tal atribuição, porquanto é ela que legitima o pedido da assistente, tendo em vista o ressarcimento dos danos patrimoniais que resultam dessa incapacidade permanente.

    «5. A indemnização a título de danos patrimoniais justifica-se na medida em que, apesar de não perder imediatamente os seus rendimentos, a incapacidade de que padece impede-a de mais tarde realizar cabalmente a sua profissão ou paralelamente outras actividades que poderiam ser lucrativas.

    «6. Acresce que a não procedência do pedido de indemnização por danos patrimoniais se estribou no facto de, aparentemente, a profissão de enfermeira não ser relevante para estes efeitos; ou seja, mesmo que tenha estas lesões concretas que lhe causam uma incapacidade permanente, por ser enfermeira, não se justifica a indemnização, como se estas não afectassem a sua actividade profissional! «7. O entendimento da decisão do Tribunal a quo é no sentido de as lesões sofridas não terem qualquer rebate profissional enquanto enfermeira; mas poderíamos dizer o mesmo se a profissão da assistente fosse outra? «8. Atendendo a que a assistente tem apenas 33 anos, nada a impede de querer mudar de profissão, de escolher uma outra área profissional, ver-se-á limitada pela incapacidade para sempre, seja qual for a profissão escolhida! «9. A indemnização não é unicamente para compensar o lesado pelos rendimentos que deixou de auferir, mas serve sobretudo para ressarcir a pessoa lesada pelos danos futuros que podem vir a ter lugar, por causa das lesões sofridas, ou seja, por oportunidades de aumentar os seus rendimentos que deixará de ter.

    «10. Em virtude das sequelas que lhe ficaram do acidente, o exercício da sua profissão é agora muito mais penoso, devido às lesões que sofreu no nariz e lhe afectam as vias respiratórias, propiciam a formação de crostas dolorosas, o sangramento frequente, o congestionamento constante das vias nasais, traduzindo-se num substancial aumento de esforço para respirar bem.

    «11. Desde o acidente e da consolidação das lesões que dele advieram, a assistente demonstra uma maior fragilidade e está mais sujeita a sofrer infecções do tracto respiratório, o que tem vindo a acontecer, dado que adoece com muito mais facilidade.

    «12. A incapacidade permanente dá sempre lugar a indemnização por danos patrimoniais: ou porque provoca uma diminuição concreta dos proventos do incapaz ou porque – não havendo essa diminuição concreta – provoca uma sobrecarga de esforço físico da lesada que se reflecte na sua capacidade de resistência produtiva, como acontece claramente com a assistente.

    «13. O que se pretende é que a assistente veja ressarcidos os danos patrimoniais que, apesar de não se traduzirem numa perda imediata de remunerações, afectaram a capacidade funcional da assistente ao nível respiratório.

    «14. Esta incapacidade constitui um dano permanente que ela terá de suportar ao longo da sua vida, ficando privada durante o resto da sua vida de gozar essa mesma vida com a normalidade que caracteriza as demais pessoas da sua idade e condição.

    «15. A incapacidade de que a assistente sofre significa uma diminuição geral da sua performance psicomotora. Por isso, por mais pequena que seja, sempre afectará a sua capacidade de ganho e terá sempre uma repercussão na actividade laboral, tornando mais penoso o seu exercício actualmente e no futuro.

    «16. Ao contrário do que foi decidido na sentença de que se recorre, atendendo a que os danos patrimoniais devido a Incapacidade Parcial Permanente são indemnizados nos termos dos artigos 562.º, 563.º e 564.º, todos do Código Civil, deve a assistente ser ressarcida em conformidade.

    17. Nesta conformidade, a sentença recorrida viola o disposto nos artigos 562.º, 563.º e 564.º do Código Civil, no que concerne à indemnização por danos patrimoniais decorrentes da Incapacidade Parcial Permanente.

    3.

    Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 08/07/2009, foi decidido, no que, agora, interessa, julgar procedente o recurso interposto pela demandante e, em consequência, condenar a demandada “F... – Companhia de Seguros, S.A.” a pagar à demandante BB a quantia de vinte e cinco mil euros, a título de indemnização pela incapacidade permanente parcial sofrida, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da notificação da demandante para contestar o pedido deduzido até efectivo e integral pagamento.

  2. Desse acórdão interpõe, agora, a demandada “F... – Companhia de Seguros, S.A.” o presente recurso para este Tribunal, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões: «1. Não vindo demonstrado que a IPG (que não IPP) de 5% decorrente das sequelas corporais (dano real) de que a autora é portadora tenha reflexos futuros na sua capacidade de ganho ou na progressão da sua carreira, «2. Antes vindo provado exactamente o contrário, «3. Não há fundamento legal, face ao disposto nos art°s 483°,1, 562° e 564°,2, do C.Civil, para a concessão à autora de qualquer indemnização por danos ou consequências patrimoniais, a esse título; «4. Nesse sentido deve revogar-se o douto acórdão recorrido e confirmar-se a douta sentença da 1.ª Instância; «5. Assim não se entendendo, deve reduzir-se para não mais de 10.000,00 € a indemnização concedida a esse título, mais justa e equilibrada em relação à que seria devida caso aquela IPG tivesse...

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