Acórdão nº 19/04.2JALRA.C2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelSANTOS MONTEIRO
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE Sumário : I - O STJ não reexamina, como princípio, a matéria de facto e nem aprecia a divergência apontada, suposta a sua existência, porque as provas produzidas não desfilaram ante se, com elas não teve contacto, imediação, relação próxima, não assistiu ao exercício do contraditório e às condições que acompanham a sua produção oral em que a palavra falada nem sequer é, por vezes, factor ponderoso, mas antes ela e as suas circunstâncias acompanhantes, formando um todo incidível, não sobrepondo a sua convicção à das instâncias.

II - As diligências essenciais à descoberta da verdade podem ser requeridas ou ordenadas pelo juiz, em julgamento, nos termos dos arts. 323.º, n.º 1, al. a), e 340.º, n.º 1, do CPP, cabendo-lhe o papel de árbitro dessa necessidade em face de um premente juízo de necessidade de alcançar aquele objectivo, porque a condenação é um acto de responsabilização do tribunal, a quem cabe elidir as dúvidas suscitadas pela acusação, defesa, ou ainda em julgamento, no dizer do Prof. Damião Cunha, in O Caso Julgado Parcial, 2002, 397.

III - Se o julgador não entender realizar diligências, ou suscitando-lhas o interessado nessa fase crucial do processo foi desatendido, só lhe resta interpor recurso, pois que tal omissão constituindo nulidade, está sujeita a arguição nos moldes enunciados no art.120.º, n.º 2, al. d), parte final, do CPP.

IV - A assistente foi submetida a exame directo a perícia à sua personalidade, credibilidade e capacidade e a perícia psiquiátrica, sendo quanto a este âmbito a última vez para aferição da inconveniência ao seu estado psíquico se viesse a comparecer uma vez mais em julgamento – o primeiro foi anulado – concluindo-se pela afirmativa, comparecendo ainda em julgamento perita médica indicada pelo INML, com especialização em área de sexologia, a solicitação do Tribunal.

V - A perícia à personalidade realizada por psicóloga do IRS foi-o por quem o n.º 2 do art.160.º - A, do CPP, atribui competência para o efeito, idem o exame médico directo pelo Gabinete Médico Legal de Leiria, a primeira perícia psiquiátrica por médico psiquiatra do Serviço de Psiquiatria do Hospital de Santo André, Leiria, terminando o INML por participar em audiência com a presença da médica responsável pelo Departamento de Sexologia Forense.

VI - O tribunal de 1.ª instância abonou-se nos relatórios e esclarecimentos prestados, tendo-os por suficientes e bastantes para formar, com outros elementos, um juízo de condenação. Se o arguido não reconhecia competência técnico profissional ao perito psiquiatra que efectuou o primeiro exame por não pertencer ao quadro do INML, restava-lhe reagir em momento próprio.

VII - O preceito do art. 159.º do CPP, na redacção vigente na data da primeira perícia psiquiátrica não regia em moldes diferentes do art. 159.º, seu sucessor, na redacção ampliada introduzida pela Lei 48/2007, de 29-08, ou seja, a perícia deve ser efectuada pelos institutos de medicina legal, seus gabinetes médico locais, ou por médicos por este contratados para o exercício de funções periciais nas comarcas ou, na falta destes, por especialista devidamente credenciado na área pericial precisa.

VIII - A anomalia consistente na realização daquele primeiro exame psiquiátrico por perito não pertencente ou contratado pelo INML, de rotular de irregularidade, nos termos do art. 123.º, n.º 1, do CPP, fora do contexto do n.º 1 do art. 159.ºdo CPP, além de se mostrar sanada por não arguida em tempo, não refranje qualquer prejuízo à decisão da causa, realizado como se mostra o exame por médico psiquiatra de hospital público como o seria por um outro especialista se o fosse pelo INML.

IX - Tal parecer não integra prova vinculada, tabelar, legal (com origem germânica) no sentido de que a conclusão probatória é pré-fixada legalmente, mediante interferências probatórias prescritas pela lei em abstracto, de aplicação formal e obrigatória para o juiz, por oposição regime de prova livre, de inspiração latina, segundo o qual o julgador tem a liberdade de formar a sua convicção sobre a realidade, os factos, com todas as peculiaridades, a individualidade do caso concreto, histórico, tal como foi exposto e ao tribunal é facultado complementar, e decisivamente, apurar, a final.

X - A prestação de declarações para memória futura por parte de vítima de crime sexual, nos termos do art. 271.º, n.º 1, do CPP, perante o M.º JIC , devem fazer funcionar em pleno o contraditório com a comunicação ao arguido que esteve presente, ao advogado da assistente, mediante a indicação do dia, hora e local da prestação do depoimento.

XI - As garantias de defesa do arguido estão asseguradas mediante a produção de prova ante um juiz que exclusivamente pergunta, com possibilidade de assistência de defensor e arguido podendo aquela prova ser impugnada, abalada ou aproveitada em julgamento, como qualquer outra, regime que, não obstante a Lei 48/2007, de 29-08 ter alterado, manteve no entanto, em essência o regime anterior, introduzindo uma nota de simplificação formal nos casos de processos contra crimes contra a autodeterminação sexual no n.º 4 daquele art. 271.º, podendo os intervenientes processuais formular perguntas adicionais, aproximando o incidente do ritual da audiência de julgamento.

XII - Só pode falar-se de coito quando há penetração anal ou vaginal pelo pénis.

XIII - O coito, palavra com origem grega, significa acasalamento, conjunção de corpos com intervenção do órgão sexual masculino (cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal , pág. 473).

XIV - O acto de lamber a vagina da assistente ou os seus seios configuram sexo oral, actos sexuais de relevo, por falta de penetração da boca pelo pénis, ainda que sem erecção ou emissio seminis.

XV - No domínio do CP alterado pela Lei 59/2004, de 04-09, o campo de previsão do n.º 2, do art. 172.º, foi ampliado por forma a aditar-se a referência à introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos.

XVI - As partes do corpo usadas para tipificação do crime podem ser a mão, o dedo do pé, a língua, o nariz e podem achar-se no estado sólido ou líquido, como o sémen e mesmo partes de animal ou de cadáver – Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, pág. 450.

XVII - Entre os actos sexuais de relevo e o de coito, tipificados nos ns. 1 e 2 do art.172.º do CP – na redacção anterior à actual aplicável ao caso vertente, pois a pena é igual quando comparada com a lei nova, de acordo com a máxima tempus regit actum – existe uma relação de concurso aparente de infracções, em que o bem jurídico a proteger é o mesmo, o da liberdade de autodeterminação sexual da criança, em que a punição do coito vaginal e anal parcial, por mais graves esgotam, absorvendo o desvalor de todo o acontecimento.

XVIII - A norma do art. 172.º, n.º 1, apresenta-se numa diferente relação de grau, como norma dominada prevendo uma menos grave violação do bem jurídico, numa relação de subsidiariedade relativamente à dominante que é o n.º 2 , do tipo legal em apreço.

XIX - Na continuação criminosa apresenta-se uma oportunidade favorável, pela presença do objecto da acção, da vantagem do lugar, que tornam o fim do crime facilmente atingível, a sua execução sem risco de perigo, assegurando o sucesso e a impunidade.

XX - Não é de excluir nos crimes sexuais a continuação criminosa, mas sempre que mais do que a um momento exterior ao agente, condicionante da prática do crime, se prove que a reiteração, menos que a tal disposição, fique a dever-se a uma certa tendência da personalidade do agente não poderá falar-se em atenuação da culpa e fica excluída a figura da continuação.

XXI - A pena a fixar há-de ser a resultante da convergência entre sentidas necessidades colectivas de dissuasão de potenciais delinquentes, ditada pela gravidade e importância dos bens jurídicos a proteger em vista de assegurar-se a expectativa punitiva da sociedade relativamente a estes factos ilícitos e o aspecto particular devido de correcção e emenda, de justificada ressocialização de que padece o arguido , parâmetros que jamais podem superar a sua culpa, que vimos revestir a forma de dolo directo, de firme, reiterada e indisculpável intenção criminosa.

XXII – É ajustada a pena de oito anos de prisão, vista a actuação criminosa do arguido, iniciada quando a filha, ora assistente, ainda tinha 10 anos, prolongando-se, sob a tutela da lei até aos 14, e mesmo fora dela para além dos 15, revestindo a forma de experiências sexuais diversas desde a penetração parcial vaginal, à completa, à penetração anal parcial até ao lamber da vagina e dos seios.

Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça : Em processo comum com intervenção do tribunal colectivo sob o n.º 19/04.2JALRA.C2S1 , do 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Marinha Grande , foi submetido a julgamento AA , vindo , a final , a ser condenado como autor material de um crime continuado de abuso sexual de menor , p . e p . pelo art.º 172 .º n.ºs 1 e 2 , com referência aos art.ºs 177.º n.º 1 a ) e 30.º n.º 2 , do CP , na pena de 10 anos de prisão , bem como ao pagamento da indemnização de 30.000€ , acrescida de juros desde a notificação para pagamento da indemnização por danos morais sofridos pela assistente , sua filha , BB , bem como das despesas inerentes às consultas e tratamentos , a que terá de se submeter , a liquidar em execução de sentença .

I O Tribunal da Relação , em recurso intentado pelo arguido , confirmou o decidido.

II Ainda inconformado com o teor do acórdão proferido , o arguido interpôs recurso para o STJ , apresentando na motivação as seguintes conclusões : O Tribunal recorrido não atendeu ao vício de se ter dado como provada matéria de facto não referida em audiência de julgamento , nem nas declarações para memória futura da assistente .

O recorrente apontou pontos da matéria de facto provada e que não constam das declarações da assistente...

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