Acórdão nº 3272/04.8TBAVR.C2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Data01 Março 2010
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

N Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA Sumário : I - O caso julgado forma-se, em princípio, sobre a decisão contida na sentença ou no acórdão, e não sobre as razões que determinaram o juiz a atingir as soluções que deu às várias questões que teve de resolver para chegar à conclusão final, a menos que se tenha de recorrer à respectiva parte motivatória para reconstituir e fixar o seu verdadeiro conteúdo, em virtude de a fundamentação da sentença ou do acórdão constituir um pressuposto lógico e necessário da decisão.

II - O devedor falta, culposamente, ao cumprimento da prestação debitória quando a sua realização se torna incontrolável, por vontade daquele, como acontece quando comunica ao credor, de forma categórica e inequívoca, a intenção de recusar o seu cumprimento, como acontece se, no decurso da leitura de escritura pública relativa ao contrato-prometido, em que toda a documentação necessária para o efeito se mostrava completa, afirma, contrariamente à verdade dos factos, por si bem conhecida, que o valor era inferior àquele pelo qual os compradores pretendiam fazer constar da mesma, que não aceita assinar pelo preço declarado por estes e constante da liquidação do IMT.

III - Neste caso de incumprimento definitivo culposo, torna-se desnecessário, sendo, portanto, inútil a fixação de um prazo suplementar razoável para cumprimento do contrato-prometido, em sede de interpelação admonitória, conferindo aos autores, promitentes-compradores, o direito à resolução do contrato-promessa, com a consequente obrigação de restituir o sinal em dobro.

IV - A prévia audição dos interessados, em termos de estes poderem alegar o que tiverem por conveniente sobre uma anunciada e previsível sanção, condiciona a condenação, por litigância de má fé, revelando-se indispensável ao exercício do princípio do contraditório e do princípio da igualdade das partes, com vista ao cabal desempenho do direito de defesa, de forma a evitar decisões surpresa, sob pena da prática de uma nulidade, com reflexos na decisão da causa, como acontece quando a ré é uma sociedade em que a responsabilidade pela multa em que foi condenada só pode recair sobre o seu representante, que não foi ouvido nos autos.

Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: AA e esposa, BB, residentes na Rua V… G…, nº …, …, em Aveiro, propuseram a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra CC – Construções, Compra e Venda de Imóveis. Lda, com sede na Rua C… S… P…, nº …, …, em Aveiro, pedindo que, na sua procedência, se declare que assiste aos autores o direito à resolução do contrato-promessa, por incumprimento definitivo da ré, se condene a mesma à restituição, em dobro, das quantias recebidas, a título de sinal e seu reforço, e no reembolso da quantia de €1.307,95, dispendida com o pagamento do IMT e despesas notariais, alegando, para tanto, e, em síntese, que celebraram com a ré um contrato-promessa de compra e venda de um imóvel, pelo preço negociado de 24.250.000$00, que se encontra, totalmente, pago, desde 30 de Setembro de 2002, sendo certo que a escritura pública designada para o dia 24 de Maio de 2004 não se realizou, porquanto a ré declarou, no momento da sua celebração, que não aceitava assiná-la pelo preço declarado pelo comprador, porque entendia que o mesmo era inferior e que jamais assinaria a escritura por preço superior a 16.500.000$00.

Na contestação, a ré invoca a ausência de incumprimento da sua parte, e que, por ter havido tradição da coisa, os autores passaram apenas a ter direito ao valor dela ou, em alternativa, a recorrer à execução específica, pelo que, não tendo optado por nenhuma dessas vias, a acção terá que improceder.

Na réplica, os autores alegam que pagaram a totalidade do preço, com excepção da importância de 750.000$00, que era o valor de um crédito que tinham sobre a ré, por comissão num outro negócio, pedindo a condenação desta, como litigante de má fé, no pagamento de uma indemnização, de valor não inferior a €7.500,00, e multa, a fixar pelo Tribunal, porquanto contestou apenas com intuído de entorpecer a acção da justiça e de criar dificuldades à concretização dos seus direitos.

A ré contestou o pedido de condenação como litigante de má fé.

Conhecendo sob a forma de saneador-sentença, julgou-se verificada a excepção da ineptidão da petição inicial, por falta de causa de pedir, e, em consequência, absolveu-se a ré da instância.

O Tribunal da Relação, na sequência do recurso interposto pelos autores, determinou o prosseguimento da acção, com a selecção dos factos relevantes, tendo considerado, na parte destinada à fundamentação jurídica, que “os factos alegados na petição inicial, designadamente, nos artigos 18º e 21º são controvertidos e prendem-se com a definição do preço acordado, e se daí resultar a versão dos autores bem pode concluir-se pela recusa definitiva de cumprimento por parte da ré…”.

A sentença julgou a acção, parcialmente, procedente por provada e, em consequência, declarou resolvido o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre o autor e a ré, e subsequentes aditamentos em causa nos autos, por incumprimento definitivo desta, que condenou a restituir aos autores a quantia entregue, no valor de €120.958,49, acrescida de €24.939.89.

Desta sentença, os autores e a ré interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado improcedente a apelação dos autores e, parcialmente, procedente a apelação dos réus e, em consequência, confirmou a decisão recorrida, condenando, porém, os autores e a ré, cada qual, na multa equivalente a dez UC´s, por litigância de má fé.

Do acórdão da Relação de Coimbra, a ré interpôs recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação e substituição por outro que conclua que a ré se encontra apenas em mora e que não litigou de má fé, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem: 1ª – O Tribunal da Relação procedeu à alteração da matéria de facto entendendo que a resposta ao quesito 5o deveria ser "não provado" e que na resposta aos quesitos 6o e 7o deveria ser acrescentada a expressão "escrita", (por ter havido negociações verbais entre as partes tendo em vista a venda do imóvel em causa nos autos).

  1. - Tendo alterado a matéria de facto o Tribunal da Relação não poderia ter concluído ser a interpelação admonitória para cumprir um acto inútil.

  2. - E não poderia por duas razões: 1. Porque já havia sido proferido nos autos um acórdão pelo Tribunal da Relação de Coimbra que havia dito que se ficasse provada a matéria dos artigos 18° e 21° da petição inicial (artigos 5o, 6o e 7º da base instrutória) poderia ser equacionado o incumprimento definitivo. Ora, não tendo tal matéria resultado provada nos termos invocados, por respeito ao caso julgado, não poderia a decisão proferida violar o anteriormente decidido.

    1. Só houve uma marcação de escritura e, após tal marcação, em que compareceram ambas as partes e a escritura não foi assinada por desentendimento momentâneo, continuaram negociações tendo em vista a venda do imóvel. Tal facto conjugado com a circunstância de a ré fazer, reiteradamente, desde a propositura da acção a afirmação de que fará a escritura nos termos pretendidos pelos autores leva, necessariamente, à conclusão de que a ré não entrou em incumprimento definitivo mas, apenas quando muito, em mora.

  3. - A ré foi mal condenada como litigante de má fé: a partir das declarações do autor marido constantes da acta de 14.01.2008, é possível verificar que o preço do imóvel não é coincidente com o preço a pagar e que este engloba outros valores para além do preço do imóvel.

  4. - O douto acórdão de que se recorre violou o disposto no artigo 808°, n°1 do Código Civil e, bem assim, o disposto no artigo 456° do Código de Processo Civil.

    Nas suas contra-alegações, os autores concluem no sentido de que deve negar-se provimento ao presente recurso, mantendo-se a decisão proferida em primeira instância.

    O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz: 1. Por documento escrito, designado como "contrato-promessa de compra e venda", celebrado em 20 de Maio de 1999, a sociedade ré prometeu vender e o autor marido prometeu adquirir, pelo valor global de 24.250.000$00, o seguinte imóvel: Fracção autónoma, tipo "T3 Duplex", 2o andar, designada pela letra "I", com a área bruta de 191,75 m2, com lugar de garagem e arrumo, do prédio a ser construído no lote de terreno, destinado à construção urbana, sito na Estrada Nacional 235, freguesia de S. Bernardo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro, sob o n° 01287/140898 e inscrito na matriz urbana sob os artigos 01347 e 00142.

    1. Na cláusula terceira de tal contrato, consignou-se que: Como sinal e princípio de pagamento os primeiros outorgantes recebem do segundo outorgante a quantia de 3.000.000$00, que lhes dará plena quitação.

      Na cláusula quarta de tal contrato, consignou-se que: "A título do reforço de sinal, os primeiros outorgantes recebem do segundo outorgante a quantia de 2.000.000$00, a serem entregues até 31 de Junho de 1999".

      "A restante quantia em dívida no montante de 19.250.000$00 será paga aos primeiros outorgantes pelo segundo outorgante ou alguém por si indicado, no acto da escritura pública de compra e venda." (cláusula 5a).

      Tal fracção encontra-se descrita na matriz urbana, da...

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