Acórdão nº 84/07.0TTVIS.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelBRAVO SERRA
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA REVISTA Sumário : I - Tendo as partes contratualmente definido que o Autor – trabalhador – prestaria o seu trabalho em qualquer prédio rústico que se encontrasse, naquele momento ou futuramente, sob a exploração da Ré – entidade empregadora – e que o Autor dava desde logo o seu acordo a qualquer mudança de local de trabalho que viesse a ser decidida pela Ré, é de concluir que aquilo que as partes definiram como sendo o local de trabalho, ou seja, o espaço geográfico no qual deveria ser realizada a prestação do trabalhador, não correspondia a um específico, concreto e imutável lugar geográfico.

II - Pese embora a cláusula segunda aposta no contrato – e segundo a qual o Autor prestaria o seu trabalho em qualquer prédio rústico que se encontrasse futuramente sob a exploração da Ré – comporte um grau de indeterminação, na medida em que a coordenada geográfica em concreto fica dependente de uma eventualidade, sempre essa indeterminação seria resolvida pelo empregador, atendendo aos poderes que a lei lhe confere, constantes do art. 150.º do Código do Trabalho, com observância também do que neste dispositivo se comanda: fixação dos termos da prestação do trabalho dentro dos limites decorrentes do contrato e das normas que o regem, sendo, assim, também convocável o que se dispõe no art. 400.º, n.º 1, do Código Civil, isto é, o apelo à equidade e à boa fé que deve presidir à feitura dos negócios jurídicos.

III - O que a equidade e a boa fé na celebração dos negócios jurídicos impedem é que a determinação a efectuar no seguimento do poder conformativo do empregador possa ser de tal sorte ampliada que venha a implicar, em direitas contas, um desbordar dos próprios limites espaciais do local da prestação do trabalho e dos normativos regentes do contrato.

IV - Assim, situando-se o novo local de prestação de trabalho do Autor a apenas cerca de 20 quilómetros do local em que tal prestação era desenvolvida aquando da celebração do contrato, demorando cerca de 15 minutos a efectuar o aludido percurso, e dispondo-se a Ré a disponibilizar ao Autor um veículo para a sua deslocação, não é minimamente sustentável dizer-se que a indicação do novo espaço geográfico em que o Autor iria levar a efeito a prestação do seu trabalho não se continha nos poderes de determinação da Ré do local de trabalho daquele e dentro do clausulado do contrato de trabalho entre ambos firmado.

V - Tratando-se, afinal, de uma situação de amplitude da definição do local de trabalho, amplitude essa não ilícita, quer do ponto de vista da outorga do clausulado, quer do ponto de vista da sua concretização, entende-se que a indicação dada ao Autor para ir laborar para Carregal do Sal – quando, até então, laborara em Santar – não consubstanciou uma transferência para um outro local de trabalho, apelante aos preceitos insertos nos arts. 315.º a 317.º do Código do Trabalho.

VI - Desta forma, a sobredita indicação não tinha que seguir o procedimento previsto no art. 317.º e, desta arte, o não acatamento da determinação dela constante tem que ser perspectivado como uma desobediência a uma ordem legítima da entidade empregadora, passível de ser disciplinarmente punida.

VII - Por isso, a sanção de 20 dias de suspensão pela Ré imposta ao Autor não pode ser considerada abusiva.

VIII - Tendo o Autor gozado férias e cumprido o período de suspensão atinente à sanção disciplinar que lhe foi aplicada, concluindo que o cômputo de ambos os períodos terminara em 11 de Outubro de 2006, e tendo-se, a partir de então, colocado numa postura de ausência do local de trabalho determinado pela sua entidade empregadora, é de concluir que, na data em que a Ré lhe comunicou a invocação da cessação do contrato de trabalho por abandono – invocação essa operada por carta registada datada de 30 de Outubro de 2006 –, estavam já dados pelo Autor mais de dez dias úteis seguidos de ausência.

IX - Daí que, ex vi do n.º 2 do art. 450.º do Código do Trabalho, se deva presumir abandono do trabalho por parte do Autor, sendo que este não logrou ilidir tal presunção, designadamente efectuando à Ré qualquer comunicação, sendo, ainda, certo que não tinha qualquer causa legítima para não acatar a determinação que lhe foi dada para laborar em Carregal do Sal.

X - Em consequência, não é criticável a invocação, levada a efeito pela Ré, da cessação do contrato de trabalho por iniciativa do Autor, nos termos da equiparação comandada no n.º 4, do aludido art. 450.º, e, assim sendo, não se pode dizer que a cessação do negócio jurídico-laboral em apreço se haja ancorado num despedimento ilícito promovido pela Ré.

Decisão Texto Integral: I 1.

Em 31 de Janeiro de 2007 o Engº AA intentou, no Tribunal do Trabalho de Viseu e contra S... A... de S..., S.A.

, acção de processo comum, peticionando que fosse declarado ilícito o despedimento de que o autor foi alvo e abusiva a sanção imposta, e que fosse a ré condenada a pagar-lhe € 4.802,70, a título de indemnização pela sanção abusiva, € 28.958,33, a título de indemnização em substituição da reintegração, as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento e até ao trânsito em julgado da decisão, deduzido que fosse o montante das retribuições respeitante ao período decorrido desde aquela data até 30 dias antes da propositura da acção, e € 9.616,99, a título de diuturnidades que nunca lhe foram pagas, além de juros.

Sinteticamente, aduziu que: – – ele, autor, que exerceu, desde Janeiro de 1995, funções de engenheiro químico na unidade de exploração agrícola da ré sita em S..., sob as suas ordens, instrução e fiscalização, foi contactado, em Junho de 2006, pelo Engº BB, que dizia ser administrador da ré e da D... S... – S... V..., S.A.

, propondo-lhe que passasse a trabalhar por conta desta segunda sociedade, o que o autor não aceitou por recear perder os direitos que havia adquirido na ré, por ter de se subordinar a um regime de isenção de horário de trabalho e por ter de ir trabalhar para C... do S..., sem compensação acrescida; – em retaliação, a ré retirou ao autor o veículo automóvel e o telemóvel que lhe tinham sido entregues a título de complemento de retribuição, e veio a instaurar um processo disciplinar, com imediata suspensão de funções, imputando-lhe a recusa em ir trabalhar para C... do S..., processo esse que culminou com a aplicação da sanção de suspensão do trabalho com perda de retribuição por 20 dias, o que foi comunicado ao autor em 25 de Agosto de 2006; – após essa comunicação, e porque o autor ainda não tinha gozado as suas férias, fixadas para aquele mês de Agosto, não obstante se ter ele deslocado, por várias vezes, ao seu local de trabalho, a fim de solicitar o pagamento das retribuições de Julho e Agosto de 2006 e saber quando deveria regressar ao trabalho, nenhuma resposta obteve por parte da ré; – em 11 de Outubro de 2006, compareceu no seu local de trabalho, tendo sido impedido de laborar, pois que lhe foi dito que o seu local de trabalho era em C... do S... e não em S...; - em 30 desses mês e ano, a ré comunicou ao autor que havia abandonado o trabalho durante 10 dias seguidos e que ele sabia que o período de suspensão tinha terminado no anterior dia 13, vindo a cessar o contrato laboral que vinculava ambas as partes, sendo, em face do que ocorreu, abusiva a sanção de despedimento que lhe foi imposta; – a atitude da ré causou no autor enorme preocupação, angústia, sofrimento e desespero, ficando ele inelutavelmente ferido na sua honra e brio profissionais.

Contestou a ré, impugnando o articulado na petição e defendendo, em súmula, que: – – do contrato de trabalho outorgado entre as partes não resultava que o local de trabalho do autor era em S..., antes desse contrato constando que ele dava o seu acordo a qualquer mudança de local que viesse a ser decidida pela empregadora; – assim, após a aquisição, pela D... S...

, da maioria do capital da ré, e porque os equipamentos desta onde o autor trabalhava foram instalados numa unidade industrial desta última sociedade, foi proposto ao autor que passasse a trabalhar por conta desta mesma sociedade, com garantia de todos os direitos adquiridos, pelo que foi legítima a ordem de prestar trabalho em C... do S..., pois que isso não lhe causava prejuízos; – foi legítima a sanção de suspensão que lhe foi imposta, suspensão essa finda a qual o autor deixou de comparecer ao trabalho sem justificação.

Prosseguindo os autos seus termos, com dispensa de elaboração de «matéria assente» e «base instrutória», após a realização da audiência de julgamento, foi, em 24 de Julho de 2008, proferida sentença que julgou unicamente procedente a acção no que respeita ao pedido de condenação da ré a pagar ao autor as diuturnidades, consequentemente a condenando a pagar € 691,97, acrescidos de juros.

Inconformado, apelou o autor para o Tribunal da Relação de Coimbra.

Sem sucesso o fez, já que aquele Tribunal de 2ª instância, por acórdão de 1 de Abril de 2009, negou provimento à apelação.

  1. Mantendo a sua irresignação, vem o autor pedir revista, rematando a alegação adrede produzida com o seguinte núcleo conclusivo: – “1.º O Tribunal a quo interpretou incorrectamente o disposto no n.º 3 do art. 315.º do C.T.

    , no sentido de excluir a necessidade de comunicação fundamentada e por escrito a que se refere o art. 317.º do C.T., normativo que também não aplicou e deveria ter aplicado in casu, devido à outorga da referida cláusula, sustentando a tese de que o não acatamento dessa ordem verbal de mudança de local de trabalho traduziu uma violação do dever de obediência, cfr. art. 121.º n.º 1 alínea d), do C.T.

    1. Na verdade e de acordo com o art. 317.º do Código do Trabalho, salvo motivo imprevisível, e in casu não houve qualquer imprevisibilidade, a decisão de transferência de local de trabalho deveria ter sido comunicada ao Recorrente, devidamente fundamentada e por escrito, com trinta dias de antecedência, nos casos previstos no artigo...

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