Acórdão nº 325/09.0TRPRT.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelSANTOS CARVALHO
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE Sumário : I - Nos termos da al. g) do n.º 1 do art.º 12.º da Lei n.º 65/2003, é motivo de recusa facultativa da execução do mandado de detenção europeu (MDE) quando «a pessoa procurada se encontrar em território nacional, tiver nacionalidade portuguesa ou residir em Portugal, desde que o mandado de detenção tenha sido emitido para cumprimento de uma pena ou medida de segurança e o Estado Português se comprometa a executar aquela pena ou medida de segurança, de acordo com a lei portuguesa».

II - O requerido, sendo português e estando a residir em Portugal, poderia beneficiar do disposto nesta norma, relativamente ao MDE para cumprimento de um remanescente de 9 anos de prisão aplicada num Tribunal francês, mas poder-se-ia contrapor, como alguns fazem, que a sentença condenatória ainda não foi sujeita ao processo de revisão em Portugal.

III - Não é assim pois, como se disse no Ac. do STJ de 23-11-2006, proc. 4352/06-5: «O MDE (…) é um instrumento específico que substituiu integralmente o processo de extradição dentro da União Europeia. A Lei nº 65/2003, que o introduziu no nosso ordenamento jurídico, não prevê nenhum processo de revisão da sentença estrangeira, pois tal seria absolutamente contraditório com a razão de ser e função do MDE. O Título IV da Lei nº 144/99, de 31-8, não tem aplicação ao MDE, pois constitui a “lei geral” de cooperação judiciária penal, ao passo que a Lei nº 65/2003 constitui “lei especial”. Mas a que “lei portuguesa” se refere a parte final da al. g) do nº 1 da Lei nº 65/2003? Obviamente à lei de execução das penas ou medidas de segurança! Ou seja, o Estado da execução deve aceitar a condenação nos seus precisos termos, mas tem o direito de executar a pena ou a medida de segurança de acordo com a lei nacional. É uma reserva de soberania quanto à execução. É isso e apenas isso que estabelece a parte final do preceito».

IV - A decisão recorrida, porém, apresenta um outro óbice que, alegadamente, impossibilitaria o cumprimento daquela pena em Portugal, que é a circunstância de o requerido, para além do MDE para cumprimento de pena, ter contra si um outro MDE emitido pelo Tribunal de Grande Instance de Bobigny a fim de se submeter a procedimento criminal pelos factos que terá praticado em 16.01.2009.

V - Esse não é, também, um verdadeiro obstáculo, pois o art.º 6º da Lei n.º 65/2003, permite a transferência temporária e audição da pessoa procurada na pendência do processo de execução do mandado de detenção europeu, as vezes que sejam necessárias, para que o extraditando seja julgado, pelo crime que o espera, na Grande Instance de Bobigny, cumprindo depois em Portugal – em caso de condenação - a pena aí aplicada.

VI - Para além da verificação dos requisitos formais do motivo de recusa facultativa de execução do MDE, a que se reporta o art.º 12.º, n.º 1, al. g), da Lei n.º 65/2003, há que reconhecer que, no caso em apreço, tal se justifica também por prementes razões de saúde do requerido, isto é, por razões humanitárias.

VII - Em suma, é de decidir o seguinte: a) Recusar a entrega do requerido pelo mandado de detenção europeu emitido pelo Tribunal de Aplicação dos Castigos de Metz para cumprimento do remanescente da pena aplicada (MDE com a referência n.º 200600146511), mas garantir que o Estado português se compromete a fazer cumprir essa pena em Portugal; b) Ordenar que o cumprimento dessa pena se faça nas Varas Criminais do Porto, onde este processo será distribuído e onde se providenciará pela obtenção urgente dos elementos necessários para tal fim, sem necessidade de prévia revisão da sentença estrangeira; c) Permitir a transferência temporária e audição do requerido em França, as vezes que sejam necessárias e com condições acordadas previamente entre as autoridades judiciárias francesas e portuguesas, para que o extraditando seja julgado pelo crime a que alude o mandado de detenção europeu com a referência n.º B09033221102, emitido pela Grande Instance de Bobigny, cumprindo depois em Portugal – em caso de condenação - a pena aí aplicada.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

Por Acórdão de 21 de Outubro de 2009, o Tribunal da Relação do Porto determinou a execução definitiva dos dois mandados de detenção europeus emitidos contra o arguido A, ordenando-se o seu cumprimento em dez dias, com entrega após trânsito em julgado, às autoridades francesas, primeiro, ao Tribunal de Aplicação dos Castigos de Metz para cumprimento do remanescente da pena aplicada (MDE com a referência n.º ...) e, após esse cumprimento, ao Tribunal de Grand Instance de Bobigny para procedimento criminal (MDE com a referência n.º ....).

Efectivamente, em cumprimento de um Mandado de Detenção Europeu (MDE) emitido no dia 22/07/2009 pelo Juiz de Instrução junto do Tribunal de Grande Instância de Bobigny, França, foi o cidadão português A detido no dia 15 de Setembro do corrente ano, no Porto. Apresentado o detido no Tribunal da Relação, foi submetido a interrogatório e foi-lhe aplicada a medida de coacção de prisão preventiva.

No dia 21 do mesmo mês deu entrada naquele tribunal o Mandado de Detenção Europeu constante de fls. 39 e seguintes dos presentes autos, contra o mesmo requerido, mandado este remetido directamente pelo Procurador da República junto do Tribunal de Grande Instância de Metz, França, pois em 20/01/2009, o Senhor Juiz da Aplicação dos Castigos de Metz, França, havia emitido um mandado de captura contra o requerido, mandado este para efeitos de cumprimento da pena remanescente de 9 anos de detenção criminal.

Face ao recebimento deste novo Mandado de Detenção Europeu, o M.º P.º junto da Relação do Porto requereu a ampliação do pedido de entrega, pedindo a audição urgente do requerido sobre os novos factos constantes deste segundo MDE, o que foi efectuado.

Pelo referido acórdão, decidiu o Tribunal da Relação do Porto, «...determinar a execução definitiva dos dois mandados de detenção europeus contra o arguido A…».

  1. Desse Acórdão recorre agora o requerido para o Supremo Tribunal de Justiça e, da sua fundamentação, retira as seguintes conclusões: 1ª- Da leitura do art.º 13° da L 65/03 resulta que a execução do MDE só terá lugar se o Estado Membro de Emissão assegurar a aplicação das garantias previstas nas suas 3 (três) alíneas.

    1. - Ora, a confirmação de tais garantias não pode resultar de actos tácitos, mas sim de previsão expressa, no MDE, aquando da sua emissão.

    2. - Não podendo bastar ao Estado de Execução que o sistema jurídico interno do Estado de Emissão as preveja.

    3. - Tem o Estado de Execução que vai decidir da entrega de uma pessoa, com rigor, que saber se essas garantias do ordenamento interno do Estado de Emissão se aplicam à pessoa procurada.

    4. - Nesse sentido não será casual a utilização do verbo "prestar” naquele artigo, exigindo cabalmente a demonstração expressa da verificação das garantias a aplicar á pessoa procurada.

    5. - O que apenas se compreende, no nosso caso, considerando a necessidade de assegurar a manutenção das garantias constitucionais, nomeadamente quando se coloca a possibilidade de aplicação de uma pena de prisão perpétua, que a CRP recusa e rejeita cabalmente.

    6. - Exigência que deve ser expressa, dado também o texto do Anexo à L 65/03, que no ponto h) do Formulário do MDE aplicável, a apresentar ao Estado de Execução, se consagra claramente o espaço para que o Estado Emissor assinale as garantias que presta.

    7. - Assim, não se bastou nem o texto do lei nem o respectivo Formulário em deixar á consideração do Estado de Execução saber se o Estado de Emissão dispõe de mecanismos na sua ordem interna que assegurem aquelas garantias, exigindo-se que as mesmas constem expressamente do texto do MDE.

    8. - Ora, ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, o Estado Emitente não EXPRESSOU qualquer garantia: a fls. 26 e respectiva tradução a fls. 32, verifica-se que em "PRÉCISEZ LES GARANTIES JURIDIQUES°" ("DETALHAR AS GARANTIAS JURÍDICAS"), nada foi inscrito, tendo o espaço destinado a tal detalhe sido deixado em branco; 10ª- Ou a fls. 29 e respectiva tradução a fls. 35, onde a identificação das garantias a PRESTAR não se encontra sequer assinalada; 11ª -O mesmo acontecendo, ao invés do que menciona o Acórdão ora recorrido, a fls. 42 e 45, cujos respectivos pontos d) e h) foram omitidos das respectivas traduções a fls. 48 e 49 respectivamente.

    9. - Assim, não se encontram devidamente prestadas as garantias aplicáveis in casu, previstas no artigo 13° da referida L 65/03, 13ª- Motivo pelo qual a Execução dos presentes MDE não poderá ter lugar, devendo o Acórdão recorrido ser substituído por outro em conformidade.

    10. - Ainda que assim não se entenda, e, sem prescindir.

    11. - O Detido é Cidadão Português, foi detido em solo Português e reside em Portugal, com os seus familiares, sofrendo ainda de uma situação de saúde muito débil, face aos vários problemas que lhe foram diagnosticados e que têm vindo a deteriorar a sua condição física.

    12. - Factores que consubstanciam motivo de recusa facultativa de Execução do MDE previsto pela al. g) do art. 12º da L 65/03, e que o Tribunal a quo entende não se verificar, por entender que se desconhece "completamente o teor da sentença condenatória a executar...

      ".

    13. - Porém, entende o Recorrente, tal desconhecimento não pode aproveitar ao Tribunal para se eximir à responsabilidade de considerar o mesmo através dos requisitos de que lei o faz depender e é certo que a Lei não faz depender a sua aplicação do conhecimento da pena que foi aplicada anteriormente; 18ª- Assim, o motivo de recusa facultativa de Execução do MDE baseia-se na nacionalidade, no local da detenção e na garantia de poder o Estado Português, in casu, substituir-se na aplicação da pena de prisão já aplicada.

    14. - Não em qualquer outro, pelo que a não aplicação deste motivo de recusa não pode decorrer do desconhecimento do quantum da pena mas sim e APENAS da não...

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