Acórdão nº 449/09.3YFLSB.C1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelHELDER ROQUE
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA A REVISTA Sumário : I - Provando-se que o promitente-comprador apenas interpelou o promitente-vendedor para a celebração da escritura, pelo menos, uma vez, algum tempo depois de ter acesso às chaves da fracção objecto da promessa, não tem essa comunicação a virtualidade de traduzir a fixação de um prazo suplementar relevante capaz de gerar incumprimento definitivo, por não ser reveladora da intenção de, caso não fosse, sequencialmente, celebrada a escritura pública, ser considerada, definitivamente, não cumprida a obrigação.

II - Ocupando o promitente-comprador a fracção autónoma, nalguns fins-de-semana, a partir da data da tradição, a demora na marcação da escritura, por parte do promitente-vendedor, devido a falta de liquidez para obter a licença de habitabilidade, não faz desaparecer o interesse daquele na ultimação do contrato, por não significar o desaparecimento objectivo da necessidade que a prestação visava satisfazer, por forma a poder considerar-se a obrigação como, definitivamente, não cumprida.

III - Não podendo a inércia do promitente-vendedor ser interpretada como uma conduta reveladora de uma deliberada e definitiva intenção de não cumprir a obrigação contratual de celebrar a escritura, não tendo o promitente-comprador demonstrado que perdeu o interesse na mesma, objectivamente, apreciado, nem procedido à interpelação admonitória do promitente-vendedor, não se tratando, finalmente, de um caso de impossibilidade superveniente absoluta da celebração da escritura pública, não é subsumível o caso à situação de não cumprimento definitivo, mas antes à mora, por causa imputável ao devedor.

IV - A simples mora não é suficiente para desencadear o mecanismo indemnizatório do sinal, que pressupõe o incumprimento definitivo do contrato-promessa, não permitindo, por via de regra, fora das três hipóteses tipificadas a imediata resolução do contrato, e bem assim como do pagamento do sinal em dobro.

V - Não se demonstrando o incumprimento definitivo do contrato-promessa, pelo promitente-vendedor, o direito de retenção do beneficiário da promessa que obteve a tradição da coisa não tem sentido útil, uma vez que não está obrigado a entregar a mesma, por se manter válido o contrato-promessa.

Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: AA, inspector de circulação ferroviária, e esposa, BB, empregada doméstica, residentes na Estação dos Caminhos-de-Ferro de …, …, propuseram a presente acção, sob a forma ordinária, contra CC, Lda”, com sede na …, Bloco …, Entrada …, Casa …, …, Porto, e a Caixa Económica Montepio Geral, SA, com sede na Rua Áurea, 219 a 241, Lisboa, actualmente, representada pela, entretanto, habilitada “DD, SA”, pedindo que, na sua procedência, seja declarado resolvido o contrato promessa de compra e venda celebrado entre os autores e a ré “CC, Lda”, que esta seja condenada a pagar-lhes o dobro do sinal passado, no montante de 40.000€, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, que seja declarado que os autores têm o direito de retenção sobre a fracção autónoma que foi objecto desse contrato promessa, até ao integral e efectivo recebimento do seu crédito, e que ambas as rés sejam condenadas a reconhecer o direito de retenção dos autores sobre a fracção autónoma que foi objecto do contrato promessa de compra e venda, até ao integral e efectivo recebimento do seu crédito, alegando, para o efeito, e, em síntese, que, em 11 de Agosto de 2003, na qualidade de promitentes compradores, celebraram com a ré “CC, Lda” um contrato promessa de compra e venda de uma fracção habitacional, pelo preço de 65.000,00 €, tendo pago, por duas vezes, como sinal e princípio de pagamento, o montante de 20.000,00€, entrando na "posse" da mesma, em 3 de Abril de 2004, por entrega da ré promitente vendedora.

Entretanto, não obstante o tempo transcorrido, esta não procedeu à marcação da escritura, alegando não possuir licença de habitabilidade, o que, segundo os autores, acontece, em virtude de a não conseguir obter enquanto não efectuar as obras de urbanização previstas na licença de construção, obras essas que, dada a sua situação financeira, não poderá concluir e que, inclusivamente, abandonou.

Por tudo isto, concluem os autores com a alegação de que perderam o interesse na celebração do contrato definitivo, por já terem passado, cerca de três anos, desde a data constante do contrato-promessa, pedindo a resolução deste, o pagamento do sinal em dobro e o reconhecimento do direito de retenção.

Na contestação, que apenas a ré Caixa Económica Montepio Geral, SA, apresentou, esta sustenta que os factos invocados pelos autores configuram uma situação de mora e não de incumprimento definitivo, impugnando a materialidade respeitante à entrega da fracção prometida, por forma a concluir pela improcedência da acção.

Na réplica, os autores reconhecem que não procederam à interpelação admonitória da ré “CC, Lda”, concluindo como na petição inicial.

A sentença julgou a acção, totalmente, procedente e, em consequência, declarou resolvido o contrato promessa constante dos factos n°s 1 e 2, por incumprimento definitivo da ré “CC, Lda”, condenando-a a pagar aos autores a quantia de 40.000,00€, a título de dobro do sinal, acrescida de juros de mora, à taxa civil, desde a citação até integral pagamento, declarou que os autores têm direito de retenção sobre a fracção autónoma, referida no facto n° 1, até integral e efectivo recebimento do seu crédito, referido em a), e condenou ambas as rés a reconhecerem a existência desse direito de retenção, nos termos referidos em a) e b).

Desta sentença, a ré Caixa Económica Montepio Geral, SA, interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado improcedente a respectiva apelação, confirmando a decisão impugnada.

Do acórdão da Relação do Porto, a mesma ré interpôs recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação e substituição por outro que julgue improcedente a acção com a absolvição das duas rés do pedido, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem: 1ª – O cumprimento do contrato é possível. Verifica-se uma situação de mera mora, nos termos do artigo 804º nº 2 do C. Civil.

  1. - A 1ª ré quer cumprir o contrato. É a sua vontade. E dá condições sérias de cumprimento aos autores, apesar do retardamento.

  2. - Não se verifica a impossibilidade definitiva de cumprimento, por força do estabelecido nos artigos 442º nº 2 (segunda parte), 801º, nºs 1 e 2 e 808º, todos do CC.

  3. - Face à possibilidade de cumprimento não podem os autores beneficiar do reconhecimento do direito de retenção.

  4. – Os autores escolheram a via mais vantajosa à custa dos direitos de outrem, designadamente, do credor hipotecário.

  5. - Os autores ao escolherem a via da resolução do contrato e da restituição do sinal em dobro e reconhecimento do direito de retenção, quando o cumprimento é possível actuaram em manifesto abuso de direito, nos termos do artigo 334º do C. Civil.

  6. - O abuso de direito é de conhecimento oficioso.

  7. - No acórdão recorrido foram violadas, entre outras, as disposições legais contidas nos artigos 442º nº 2, 755º nº 1, f) e 804º nº 2.

  8. - Tais disposições legais deviam ter sido interpretadas e aplicadas no sentido de que se está perante uma situação de mera mora, que não há incumprimento definitivo imputável à 1ª ré e que os autores não gozam do direito de retenção.

Nas suas contra-alegações, os autores defendem que deve ser confirmada a decisão recorrida.

O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz, acrescentando-lhe, porém, um novo...

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