Acórdão nº 318/06.9TBPZ.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelURBANO DIAS
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA A REVISTA Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL: ARTIGOS 493º Nº 2 E 483º; Sumário : A Lei civil não define (e bem: essa é tarefa da doutrina e da jurisprudência) o que é uma actividade perigosa, para efeitos da previsão contida no artigo 493º, nº 2, do Código Civil.

De um modo geral, considera-se “actividade perigosa” toda aquela actividade que, pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, “tenha ínsita ou envolva uma probabilidade maior de causar danos do que a verificada nas restantes actividades em geral”.

O simples facto de a prática da natação na modalidade apneia exigir certas e determinadas cautelas, sob pena, de não sendo cumpridas, a tornar perigosa para quem a executa, não permite tirar a conclusão de que a exploração de uma piscinas, onde, ao lado daquela modalidade se podem praticar muitas mais, constitui, em si, uma actividade perigosa, nos termos assinalados.

Como assim, a vítima de um qualquer acidente ocorrido nas mesmas piscinas, durante a prática de natação na modalidade assinalada de apneia, com vista a poder responsabilizar, na base da responsabilidade extra-contratual, a entidade exploradora das mesmas por qualquer falha causadora de danos, terá de alegar e provar todos os elementos constitutivos da responsabilidade, não beneficiando, pois, da presunção de culpa, prevista naquele citado artigo.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I.

AA intentou, no Tribunal Judicial da Comarca da Póvoa de Varzim, acção ordinária de condenação contra V... Lazer – Empresa Municipal de Gestão de Equipamentos Desportivos e de Lazer, E.M., pedindo a sua condenação no pagamento de 216.158,56 €, em consequência dos danos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos com a morte do seu filho, ocorrida nas piscinas exploradas pela R. quando ali praticava natação na modalidade de apneia.

A R. contestou, defendendo a sua total irresponsabilidade no ocorrido e pedindo, portanto, a improcedência da acção, não deixando, no entanto, de sublinhar que os montantes peticionados se mostravam excessivos.

Seguiu-se a apresentação da réplica, saneamento e condensação dos factos, provados e a provar, e, finalmente, o julgamento.

Findo este, foi proferida sentença, pelo Juiz de Círculo de Vila do Conde, a julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência, a condenar a R. no pagamento ao A. da importância global de 83.608,56 € e respectivos juros.

Inconformada, apelou a R. para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 12 de Março do corrente ano, no provimento parcial do recurso, fixou a indemnização devida pela R. ao A. em 41.018,03 € e juros.

Continuando irresignada, a R. pede, ora, revista do aresto ali proferido, o que fez a coberto das seguintes conclusões com que fechou a sua minuta: - O acórdão recorrido, ao convolar em culpa efectiva a culpa presumida da ora recorrente, fixada na decisão da 1ª instância, incorreu em nulidade, nos termos do disposto no artigo 668°, nº 1, alínea d), 2ª parte, do Código de Processo Civil, por excesso de pronúncia, tendo ainda havido violação da proibição da “reformatio in peius” (artigo 684°, nº 4, do referido Código).

- Na apelação oportunamente interposta, a ora recorrente não pôs em crise o julgamento do Juiz a quo de que tinha aplicação ao caso dos autos a presunção de culpa consagrada no nº 2 do artigo 493° do Código Civil – não podia, pois, o acórdão recorrido, excedendo o âmbito da sua competência decisória, agravar a culpa da ora recorrente no âmbito do recurso que a mesma interpôs.

- Quando sofreu o acidente, o malogrado BB encontrava-se a praticar apneia, sozinho, em violação da mais elementar regra da prática de tal actividade, por natureza muito perigosa e arriscada.

- De acordo com o que é difundido pelas entidades/organismos da área do mergulho, constitui regra de ouro, transmitida a qualquer iniciante da actividade – e que era do conhecimento do BB –, nunca praticar apneia sozinho e só o fazer se estiver em adequadas condições físicas.

- O BB não comunicou a qualquer funcionário ou representante da R./recorrente que iria praticar apneia.

- A prática da apneia é, generalizada e consensualmente, considerada um desporto de risco, comparado ao pára-quedismo, voo livre, corridas de automóveis, esqui e outros “desportos radicais”, ou seja, uma actividade que envolve especiais, múltiplos e graves riscos para a saúde e vida de quem a pratica, exigindo a respectiva prática o respeito de apertadíssimas normas de segurança, designadamente da regra elementar de não haver a prática da apneia sem acompanhamento individual, permanente e o mais próximo possível, ou seja, dentro de água.

- O malogrado BB era mergulhador federado, sendo do seu conhecimento os perigos/riscos da prática da actividade em causa e as regras elementares de segurança que tinham de ser respeitadas para essa prática.

- Com esse conhecimento (apesar dele), o BB, de modo consciente e voluntário, esclarecido do perigo que corria, optou por praticar apneia e por praticá-la desacompanhado, ou seja, em violação da mais elementar regra de segurança da modalidade – expôs-se, pois, conscientemente, a um perigo típico conhecido e acrescido, sem a isso ser obrigado (“actuação por risco próprio'”), assumindo necessariamente os riscos implicados na prática perigosa em causa (“assunção do risco”).

- Estamos, assim, no caso dos autos, no campo da auto-responsabilidade pelo risco – o dano é natural e necessariamente imputado apenas ao lesado (é o comportamento do lesado que é causa da produção do dano), que suportará os efeitos negativos da liberdade de se poder prejudicar ou de querer assumir os riscos –, e não da responsabilidade por factos ilícitos.

- Na verdade, os factos provados nos presentes autos evidenciam que não pode ser imputada à R./recorrente a ocorrência do acidente, não estando, relativamente a esta, reunidos os pressupostos, cumulativos, da responsabilidade civil por factos ilícitos (artigos 483° e seguintes do Código Civil).

- Falta, desde logo, o pressuposto da existência de um facto ilícito – não houve, no caso, qualquer actuação omissiva ilícita da ora recorrente.

- Também se não verifica, no caso, o indispensável pressuposto do nexo de causalidade – não há uma ligação causal do dano ao mero exercício da actividade de exploração comercial de uma piscina aberta ao público (não está aqui em causa uma responsabilidade objectiva, pelo risco, não dispensando a presunção de culpa a que se refere o artigo 493°, nº 2, do Código Civil a prova dos factos de onde resulte o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano), sendo a conduta da malograda vítima a adequada à produção de um dano do tipo do por esta sofrido.

- Não podendo ser imputada à R./recorrente a ocorrência do acidente dos autos, não pode esta ser condenada à reparação de quaisquer danos emergentes do mesmo.

- O acórdão recorrido violou, assim, o disposto nos artigos 483° e seguintes do Código Civil.

SEM PRESCINDIR, - A haver responsabilidade da R./recorrente no sinistro que vitimou o BB (o que não se concede, mas se considera por cautela de patrocínio), essa responsabilidade decorrerá apenas...

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